domingo, 26 de novembro de 2017

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, Idealismo: “Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!/ O amor na Humanidade é uma mentira./ É. E é por isto que na minha lira/ De amores fúteis poucas vezes falo./ O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!/ Quando, se o amor que a Humanidade inspira/ É o amor do Sibarita e da hetaíra,/ De Messalina e de Sardanapalo?!/ Pois é mister que, para o amor sagrado,/ O mundo fique imaterializado/ - Alavanca desviada do seu fulcro -/ E haja só amizade verdadeira/ Duma caveira para outra caveira,/ Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!”

Flamboyant


Nunca fui afeito às coisas de casa, animais, pássaros... Nem mesmo na infância ou adolescência. Mas, desde que iniciei com as crônicas, anos atrás, passei a observar melhor as árvores, praças, parques e detalhes de ruas por onde caminho. Na Br 101, apesar da morte nos rondar a todo instante; apesar de insensatos motoristas em carros de passeio; apesar da agressão dos blocos de mármores e granitos dançando na carroceria de caminhões e a qualquer momento sermos surpreendidos com um paredão de pedra à frente dos nossos carros; apesar da insensibilidade e incompetência do Governo Federal com as nossas estradas; apesar da leniência do Governo Estadual; apesar do uso e abuso da concessionária ECO 101 (mau cuidadora da nossa Br); apesar da falta de alternativas para o transporte de cargas em nosso estado e Brasil afora; apesar de terem destruído nosso melhor transporte (ferrovias) para privilegiar empreiteiras do Brasil; apesar de tudo, na Br 101, encontra-se beleza, de Cachoeiro a Vila Velha: encontramos flamboyants em nosso caminho.
Na primavera elas se sobressaem. Em outubro, novembro e dezembro elas colorem e alegram nossa estrada. O flamboyant e o Frade e a Freira aliviam a imagem dos blocos de pedra nas carrocerias dos caminhões. A Delonix regia Raf, flamboyant ou acácia-rubra, planta tropical leguminosa, árvore exótica, de grande porte (mais de 10 metros), de copa extensa, com frutos secos e floração intensa, deixa a paisagem inebriante: ora avermelhada, ora levemente amarelada, tal qual a pintura de um quadro. Trazida por D. João VI, no início do sec. XIX. Adaptou-se ao calor e ao sol. Além da Br, onde se destaca, é bem apropriada para quintais e parques. Em Cachoeiro, ao longo do rio Itapemirim, também podemos apreciá-las. Por ser chamada de acácia-rubra, com um significado de “afeição pura”, as flores dessas acácias eram usadas nos tempos antigos, junto com as pétalas de rosas, para saudarem as coroações de faraós egípcios, reis e imperadores.
Tudo isso que vemos em nossas estradas e nas ruas de nossas cidades são belezas não planejadas. Uma arborização aleatória. Fruto de uma natureza exuberante. Em Cachoeiro, o PDU, antigo PDM, de 2006, na seção VIII – Da Arborização Urbana, cita, mas não especifica a arborização. Sempre as olhei com os olhos do cronista, observo apenas a beleza, a força das suas raízes, seu tronco, nunca para os riscos, na verdade sem os olhos técnicos. Sendo assim, nunca pensei na mais apropriada para o local onde vivemos. Nunca olhei com os olhos das necessidades das moradias, lojas, calçadas, fiação, prédios e presença dos outros seres vivos (alguns trazendo riscos para a saúde das pessoas). Isto é, apenas olhava aquilo que me encantava. Estamos próximos da revisão do PDU (Plano Diretor Urbano) de Cachoeiro. Decisões dever se tomadas para o futuro urbanístico do nosso município. Primeiro as pessoas, depois pensamos no financeiro. Precisamos incluir, na discussão, um Plano Diretor de Arborização. Planejar as árvores apropriadas para a nossa região urbana, conversar sobre a oiti - suas folhas têm capacidade de absorver poluentes do ar; ipê - raízes fundas e bela floração; e a aroeira - seus frutos atraem pássaros para a cidade. Além do pau-brasil - símbolo do país e faz sombra sem ocupar tanto espaço.

Sergio Damião Santana Moraes


Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, Fragmentos de Canções e Poemas: “Ah florescer de tarde/ De amor, no cais!/ Entre navios altos/ E velas brancas./ Ver o pescador/ Passar, como nuvem.../ E a mulher deserta/ Entre gerânios curvos./ Ver o menino/ Com paletó de crepúsculo/ E as árvores cor de cinza/ Perto do muro./ Árvore e menino/ Dobrados, na chuva.” [...]

Cuidados

Padre Leo Pessini e Leonardo Boff ensinam que a essência do cuidar é: Buscar a compaixão (sentido de se colocar no lugar do outro); contribuir para que ele conquiste a autonomia; sugerir que transfira a ansiedade e a responsabilidade de sua saúde aos profissionais que o atendem; cuidar de alguém é buscar seu bem estar. Devemos lembrar que somos humanos e assim: “Vulneráveis”. Guimarães Rosa, médico e escritor mineiro, disse: “Viver é perigoso”. Perigo de adoecer, de ser agredido fisicamente e verbalmente, de fracassar e de morrer. Viver humanamente significa viver sabiamente na vulnerabilidade (sermos resilientes). Vulnerabilidade leva o ser humano a adoecer e possibilita a grandeza de cuidar e a humildade de se deixar cuidar.
            A escritora americana Susan Sontag escreveu: “A enfermidade é o lado obscuro da vida, uma cidadania mais cara. A todos, ao nascer, outorga-nos uma dupla cidadania, a do reino dos sãos e a do reino dos enfermos. E ainda que prefiramos usar o passaporte bom, cedo ou tarde cada um de nós se vê obrigado a identificar-se, pelo menos por um tempo, como cidadão daquele outro lugar”. Trata-se de um grande desafio aliar ética, técnica e ciência para cuidar do sofrimento humano. Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano, torna-se um radar de alta sensibilidade.
            O professor de Ética da Pensilvânia, James Drane, afirma: “Devido os avanços tecnológicos da medicina, o conceito de paciente terminal vai se modificando com o tempo. É bastante difícil fazer uma avaliação precisa e universalizar uma definição aceitável a respeito desses pacientes, considerando-se que os indivíduos contam com tantas possibilidades diferentes... Apesar das dificuldades e de ninguém saber com a absoluta certeza quando outra pessoa está morrendo, apesar disso, existem critérios para determinar pacientes terminais. James alerta os médicos que não há necessidade de entender a morte como “inimiga”. Aprender a diagnosticar com correção a progressão do processo de morte pode ajudar o paciente a ter uma partida digna”.
            O novo Código de Ética Médica fortalece a humanização do atendimento. No art. 41: “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. O mesmo artigo proíbe ao profissional de medicina abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido desse ou do seu representante. Esses cuidados levam em consideração aspectos físicos, emocionais, familiares, sociais e espirituais. Newton Braga, nosso melhor poeta, escreveu e está em seu busto no centro de Cachoeiro: “Esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas”. Na medicina, e como Cuidadores, não precisamos morrer pelas dores que não são nossas, mas podemos viver e praticar o aforismo hipocrático: “Curar se possível, aliviar quando necessário e consolar sempre”.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, A meu Pai morto: “Madrugada de Treze de Janeiro./ Rezo, sonhando, o oficio da agonia./ Meu Pai nessa hora junto a mim morria/ Sem um gemido, assim como um cordeiro!/ E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!/ Quando acordei, cuidei que ele dormia,/ E disse à minha Mãe que me dizia:/ “Acorda-o!” deixa-o, Mãe, dormir primeiro!/ E saí para ver a Natureza!/ Em tudo o mesmo abismo de beleza,/ Nem uma névoa no estrelado véu.../ Mas pereceu-me, entre as estrelas flóreas,/ Como Elias, num carro azul de glórias,/ Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu! [...]”

Próstata

           
 Uma glândula do sexo masculino. Por muitos anos esquecida, rejeitada e sofrendo todo tipo de preconceito. Sofrendo também agressões: inflamação e infecção, aguda ou crônica. Bem como, a transformação em células malignas. Apesar de mais atentos, o número de exames preventivos realizados pelos homens está longe do ideal.
            A genitália masculina inclui pênis, bolsa escrotal, testículos, epidídimo, vesícula seminal e próstata. Dessas, a próstata é a que tem função menos definida. Porém, é a que mais complica. Mede 3,5 cm. Pesa, no adulto jovem, 20 gramas. Salienta-se em torno de um centímetro na luz do reto, o melhor local para seu exame. Tem uma consistência elástica e lisa, uma pequena fenda separa suas partes - lobo direito e esquerdo. Não é dolorosa à palpação. O órgão envolve a primeira parte da uretra na saída da bexiga. Pela palpação é possível avaliar o tamanho e se existem nódulos ou não.
            Diferente de outros órgãos, com o tempo ela cresce e se hipertrofia, podendo ser em forma de adenoma ou carcinoma, isto é: células benignas ou malignas. Felizmente na maioria das vezes um crescimento benigno, apesar do câncer da próstata ser uma das principais causas de morte entre os homens. Liberação no consumo de carnes vermelhas e principalmente gorduras estão entre os fatores de risco. Devendo ficar alertas os descendentes da raça negra e os com história familiar, acentuando a importância do exame preventivo, exame obrigatório a partir dos cinquenta anos. Vale lembrar que o exame de PSA: antígeno prostático específico, no sangue, não substitui o toque retal - exame manual realizado pelo médico. A associação desses dois exames, bem como a biópsia da glândula, aumenta as chances do diagnóstico precoce e da cura.
            O toque retal é de grande valor em saúde pública. Baixo custo, rápido e dependendo da experiência do médico examinador, história clínica do examinado (paciente), associado à dosagem sanguínea (PSA) alcançamos boa segurança para a orientação médica. Não só os tumores, mas também as infecções locais e urinárias crescem em importância. As patologias prostáticas são as mais comuns nos homens, gerando um alto custo pessoal e governamental. Mais ainda com o envelhecimento populacional.
 Nem sempre o tratamento é cirúrgico, um grande receio dos homens. Receiam a cirurgia e a realização do exame local preventivo. Grande parte das vezes o crescimento da glândula é benigno (hipertrofia) passível de tratamento medicamentoso. Lembrando sempre que o prognóstico (cura) dependerá do estágio da doença. Acima dos quarenta anos as mortes traumáticas diminuem. O câncer e a doença cardiovascular aumentam. Devemos ficar atentos com a prevenção e detecção precoce do câncer e diminuir os fatores de risco vascular - hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade e sedentarismo. Claro que a herança familiar conta muito, mas grande parte da responsabilidade é individual. Isto é certo para o homem e para a mulher. Os chineses dizem: “O homem inteligente é o que descobre o óbvio”. E por que não enxergamos o óbvio? Neste Novembro, mês azul, curar-se da cegueira é procurar fazer as coisas simples.



            Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, Soneto, A meu pai doente: “Para onde fores, Pai, para onde fores,/ Irei também, trilhando as mesmas ruas.../ Tu, para amenizar as dores tuas,/ Eu, para amenizar as minhas dores!...”

Sobre Medellin

Cachoeiro recebeu a visita do jornalista Jorge Melguizo. Colombiano que atuou no serviço social, cultural e prefeitura da cidade de Medellin. Cidade que por longo tempo foi sitiada pela violência. Uma mazela social que se espalha por todos os países latinos. Dois países se destacam por sua recuperação social: Colômbia e Peru. Países que sofreram com grupos guerrilheiros: Colômbia (Farc) e Peru (Sandero Luminoso). O Brasil, com toda sua diversidade cultural, desigualdade na distribuição de renda e riqueza – das piores do mundo e pela sua dimensão continental, torna-se referência de avanços, atrasos, retrocessos e desorganização no campo social. O jornalista colombiano descreveu experiência exitosa, com a diminuição de violência em sua cidade. Conheci Bogotá e Lima, as capitais dos países que anos atrás, viviam tal qual o Rio de Janeiro atual. Comparando os avanços sociais nas cidades peruanas e colombianas é de se espantar a incompetência política e gestora dos governantes no Brasil. Bogotá e Lima, mesmo sem os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, destacam-se como atrações turísticas na América do Sul. A referência tornou-se evidente no momento em que diminuíram a violência. Nessas capitais, durante o dia e a noite, caminhei por ruas e bairros de atração para o lazer de população local e turista. Visitei centro histórico com segurança. Algo impensável no Brasil. É verdade que possuímos ruas e shoppings seguros, algo raro como a Rua Oscar Freire, em São Paulo.
Visitei Bogotá, cheguei à Cartagena, não fui a Medellin. Embora próximo, não me animei. Perdi uma oportunidade. Algo do preconceito da ocasião. Resquício dos anos da violência. Descobri depois. Mas, Cartagena tem sua culpa. É tão bonita que não me atrevi a deixá-la. Culpa, também, do Gabriel Garcia Marquez, as descrições de realidades e fantasias que vemos em livros parecem impregnadas pelas ruas da cidade. O por do sol e as cores variadas de ruas e casas completam o encantamento. O mesmo encantamento nas diversas cidades peruanas. Apesar das belezas variadas dos dois países, estão longe da infraestrutura encontradas na Argentina, Chile e Brasil - apresentam deficiências no transporte público urbano, telefonia... A pergunta que devemos fazer, com a diversidade cultural e social que encontramos no Brasil, necessitamos buscar novas experiências? Conhecimento e vivências nunca são demais. Porém, o que precisamos, no Brasil, é perguntarmos: Por que não fazemos o óbvio? Se sabemos o que fazer, não fazemos por quê? E se fazemos, não damos continuidade por quê? A pacificação das favelas cariocas é um bom exemplo. Algo bem sucedido em seu início. O desastre atual era uma crônica anunciada e prevista.
O que assistimos, nos países latinos, são experiências sociais bem sucedidas e alternantes, fica sempre a insegurança. Como se tivessem um prazo de validade. Permanece uma grande instabilidade econômica e social que não garante o crescimento humano desejado. Fruto das desigualdades na distribuição de renda e riqueza. E, principalmente, o baixo índice educacional. Nasci e cresci no morro. Grande parte dos meus amigos de infância e adolescência se perdeu no meio da violência. Tive a oportunidade do estudo. Mudei socialmente. Educação: a única forma para mudar a sociedade.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, Contrastes: “A antítese do novo e do obsoleto,/ O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,/ O que o homem ama e o que o homem abomina,/ Tudo convém para o homem ser completo!/ O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,/ Uma feição humana e outra divina,/ São como a eximenina e a endimenina/ Que servem ambas para o mesmo feto!/ Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!/ Por justaposição destes contrastes,/ Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,/ Às alegrias juntam-se as tristezas,/ E o carpinteiro que fabrica as mesas/ Faz também os caixões do cemitério!...”

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Samarina

É o nome da grande árvore que fica na Praça Portinari, também chamada Praça dos Macacos, no Bairro Gilberto Machado, em Cachoeiro de Itapemirim. Bem... Os macacos se foram, restou a Samarina e sua sombra gigantesca.  Apesar da ausência dos pequenos saguis. Apesar... A grande árvore nos comove. Seu nome, Samarina, não parece unanimidade. O nome é uma informação do Jonas, um dos “guardadores” da grande árvore. Em crônica de anos atrás, relatei sua história. Ele contou sobre as mudas das árvores. Disse: as mudas foram trazidas da Austrália por um empresário cachoeirense. Aos cuidados se juntou um médico. Com isso, a Samarina chegou a maioridade. As mudas foram três: plantadas na Praça Portinari; no final da Avenida Beira Rio e a terceira não sabia informar. Falou das intempéries que a Samarina sofreu e viveu, falou da queda dos seus galhos e da “tipóia” necessária para sustentá-la após uma grande ventania. Eu gostei do jeito contado pelo Jonas. Bem simples, quase sem floreio. Quase uma poesia de jardineiro. Sem a preocupação de nomes científicos, a grande árvore foi romantizada. Foi assim que conheci a nossa árvore da Praça dos Macacos nos primeiros anos do novo milênio, desde os anos 2000. E, por muitos anos assim permaneceu em minha mente.
Mas, em relato recente, Higner Mansur falou do médico que cuidou da árvore: Dr. Vicente. Nomeou cientificamente a nossa grande árvore: Samarina Saman. Descreveu em detalhes sua geração: plantada em um dia de setembro do ano de 1976. Informou a fonte de suas células: mudas doadas por Alcebíades Scárdua. Falou do outro cuidador: Antonio Lino dos Santos. Descreveu ascendência e descendência da nossa árvore: uma espécie que se chamaria árvore da chuva e originária entre sul da Bahia e São Paulo. Parece abranger todo o país. Pois, a região amazônica e o pantanal mato-grossense também reinvidicam sua origem. É... Fiquei entristecido. Gostava do jeito contado pelo Jonas. Minha decepção é antiga. Desde o momento que os saguis desapareceram da nossa praça. Algum tempo atrás, eles voltaram. Foi um período curto. Logo se foram e não mais voltaram. Desde então me afastei da Samarina. Procurava sua irmã gêmea na Beira-rio, ao lado do rio Itapemirim. Tudo leva a crer que o fato real seja o contado pelo Higner. Preferia a versão do Jonas. Ele vive bem próximo à árvore e testemunhou a presença dos saguis. Samarina lembra o nome de uma linda jovem, ela não parece chamar chuvas e sim proteger-nos do sol com uma sombra deliciosa. Tempos atrás, Vitor, meu filho mais novo, ligou e disse: o Calopsida (Azulix) morreu. Foi durante a noite, como morrem os passarinhos. O Calopsita tem uma afinidade australiana. Lembrei-me do Jonas e a origem da Samarina. Pensei em sugerir ao Vitor enterrar o Azulix junto a nossa árvore. Ele preferiu o quintal do avô, fica próximo ao Convento da Penha.
Neste setembro, comemorando o início da primavera e o dia da árvore, reuniram-se a ACL (Academia Cachoeirense de Letras); Secretaria Municipal de Cultura e moradores para render homenagens ao médico (Dr. Vicente) e aos cuidadores (Jonas e Alcebíades). Tudo isso em fim de tarde, com os raios de sol refletindo nos galhos da Samarina. Voltei a me encontrar com a nossa grande árvore.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, O Olhar: “Ele era um andarilho./ Ele tinha um olhar cheio de sol/ de águas/ de árvores/ de aves./ Ao passar pela Aldeia/ Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos./ O silêncio honrava a sua vida.”

Caminhos Urbanos

           
Nossas cidades possuem um número imenso de ruas e avenidas, algumas bonitas, outras nem tanto. São registradas e nomeadas em prefeituras. Uma certidão de nascimento dos nossos bairros e casas. Algo próprio da modernização e organização das urbes, e que deve ser aprimorado em segurança e rapidez. As civilizações sempre utilizaram desse meio de comunicação. Séculos atrás, uma missiva podia mudar uma vida, destino de um povo ou de uma nação. Decidia o rumo de uma paixão amorosa. Para o rei ou imperador da antiguidade uma má notícia significava a perda da vida do mensageiro. As mensagens virtuais da atualidade ampliaram o significado da nossa comunicação. Algumas ruas marcam a população, seja pela importância do local ou pelo nome que a designa. Em Cachoeiro: Rua Bernardo Horta, Pinheiro Júnior, Capitão Deslandes... No Rio de Janeiro, Machado de Assis gostava da Rua do Lavradio. Interessante que, apesar da força e valor histórico do personagem do nome da rua, a localização de uma casa, sobrado, hospital ou uma igreja pode se sobressair. A rua Dr. Raulino de Oliveira, um dos fundadores do hospital, torna-se um bom exemplo cachoeirense e transforma-se em Rua da Santa Casa. A praça pública Gilberto Machado, em frente ao hospital, muda para Praça da Unimed. A Praça São João, entre o Mercado Municipal e a Padaria Brasil, passa a ser conhecida como a Praça da Banca de Revistas do Jorge. A ponte bem em frente à igreja metodista comunica a Avenida Beira-Rio à Rua Samuel Levy, apesar do nome “Ponte de Pedestres Governador João Bley” é conhecida como “ponte que caiu”. Em Vila Velha, cidade canela-verde capixaba, uma rua inicia-se no Bairro Itapuã e termina na praia, na prefeitura é registrada como Rua Waldemar Pitanga, mas para efeito prático e de uso diário é denominada Resplendor. Existe nome de rua que não esquecemos nunca, mesmo quando ficamos anos sem revê-la ou nunca mais a encontramos. Marcam nossa infância e vidas. Para mim foi a Rua Caboclo Bernardo, em Vitória, Bairro Santo Antônio, o nome é uma homenagem ao herói negro capixaba do tempo do Império, que atuou em São Mateus, norte capixaba. Era rua pequena, sem placa, os carteiros não chegavam, evitavam a escadaria e o alto do morro, deixavam as correspondências na Avenida aos cuidados das crianças. Em Cachoeiro, tenho a Rua Rui Barbosa, liga a parte alta da cidade com a proximidade do Rio Itapemirim. Pelo caminho encontramos árvores frutíferas, parece pouco, mas é coisa rara para um centro de cidade.
De tudo, uma boa notícia, mesmo com a desorganização no planejamento urbanístico de nossas cidades, Cachoeiro incluído. Na última terça-feira, na eleição do Conselho para Plano Diretor Urbano (PDM), os cachoeirenses deram exemplos de cidadania, compareceram em número expressivo. Sinal de mudança no comprometimento com os interesses públicos.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, O poeta: “Vão dizer que não existo propriamente dito./ Que sou um ente de sílabas./ Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém./ Meu pai costumava me alertar:/ Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som das palavras/ Ou é ninguém ou zoró./ Eu teria treze anos./ De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que/ se perdia nos longes da Bolívia/ E veio uma iluminura em mim./ Foi a primeira iluminura./ Daí botei meu primeiro verso:/ Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem./ Mostrei a obra pra minha mãe./ A mãe falou:/ Agora você vai ter que assumir as suas irresponsabilidades./ Eu assumi: entrei no mundo das imagens.”

Setembro

O conto difere da crônica pelo fato de contarmos algo mais minucioso e de uma aparente maior complexidade. Embora um texto curto, seus personagens e pessoas descritas parecem prolongar-se dentro da nossa alma - nos mais profundos sentimentos; nos mais longínquos estertores. No conto seus personagens vivem em nosso passado e se aventuram no futuro, de maneira que o presente seja modificado. O texto nos modifica, apresenta um novo mundo, transformam ideias, e alternamos alegrias e tristezas. Em frente a um conto nunca ficamos indiferentes. É o meu gênero literário preferido. A crônica permanece fiel aos fatos, preocupa-se com as coisas presentes, apesar de buscarmos a todo o momento as nossas reminiscências, o presente se mistura às coisas vividas... A crônica não se preocupa com o futuro. Recusa a ficção. Na crônica nos expomos e nos apresentamos como realmente somos. Surpreendemos leitores e aqueles com quem convivemos. A crônica nos desnuda e aparecem coisas de nós mesmos a todo instante, é um retrato da realidade, mesmo que fantasiada. Afinal somos atores em nossas próprias vidas.
Na crônica vivemos em detalhes os meses dos anos. Vamos nos metamorfoseando-se. Alteramos escritos, pensamentos, ideias... As estações do ano permitem isso. Mesmo quando envolvidos nos afazeres do dia a dia. Na crônica, sentimos frio e calor; vivemos no sol e chuva; enxergamos as pequenas diferenças. Em nossa região em breve florescerá o Flamboyant e a Acácia: um colorido aparecerá. Setembro se aproxima. Estação marcante em nossas vidas. Aproxima-se o fim do inverno; inicia-se a primavera. Nela, em Cachoeiro, o dia começa mais cedo, a claridade dos raios solares e o vermelhão do nascer do dia, ilumina o Itabira e o Frade e a Freira. Bem cedo, mostra com nitidez as pedras e os morros da nossa cidade. Neste mês de setembro, próximo à Praça dos Macacos e junto a Avenida Francisco Lacerda de Aguiar, observo a Castanheira. As suas folhas amarelas, alaranjadas e até vermelhas, esparramam-se pelo chão. Neste ano, ficarei atento às folhas que preenchem a rua e observarei os troncos de árvores quase vazia de folhas e frutos. Nos seus troncos lisos e secos verei as flores lindas que virão. Terei a melhor visão de uma manhã cachoeirense.
Setembro é diferente. Inicia a primavera, lembra as flores e o amor. Nos leva à pintura de Botticelli e o Nascimento de Vênus. Lembra a Prevenção do Suicídio (Setembro Amarelo) e a Doação de Órgãos e Tecidos (Setembro Verde). O suicídio é uma causa de morte traumática crescente em todo o mundo, no Brasil principalmente. As causas são variadas: doenças psiquiátricas, alterações comportamentais, estilo de vida, uso abusivo de álcool e outras drogas. O suicídio tem o preconceito como um dos maiores obstáculos para diminuirmos sua incidência. Na Doação de órgãos (rim, coração, córnea...) a vida pode ser estabelecida em outra pessoa. Com isso, além da beleza dos dias, celebramos a solidariedade e o altruísmo – doamos o que temos de melhor, nossa espiritualidade. A ação solidária depende de nós mesmos.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Clarice Lispector: “Sejamos como a primavera que renasce cada dia mais bela... Exatamente porque nunca são as mesmas flores.” 

Suicídio

O comportamento suicida aumenta em nossa sociedade. Uma tendência mundial. Inerente à modernidade: estilo de vida; consumo de drogas lícitas (álcool e tabaco) ou ilícitas (cocaína, crack...). Também, em nossas ruas e estradas, com a alta velocidade de carros e motocicletas, na imprudência da não observação das leis do trânsito, do serviço de transporte indevido e na falta de condições e manutenção das rodovias. Fruto de uma sociedade permissiva, falta de ações preventivas e, ou, educacional. A todo o momento: risco de perda de uma vida. Mortes evitáveis, mortes traumáticas, ceifando vidas, deixando sequelas. Além das causas externas, proveniente de estilos de vida e comportamento, o risco do suicídio aparece em doenças endógenas (orgânicas) ainda que sofram influências do meio em que vivemos. As depressões endógenas - manifestação de tristeza profunda, transtorno alimentar, distúrbio do sono, uma aparente falta de interesse pelas coisas da vida, algo bem além de uma tristeza momentânea por uma perda de algo ou pessoa querida. A depressão é crescente em nosso convívio. Motivo de alerta para a sociedade: “Setembro Amarelo”.
Devemos observar as pessoas. Identificar sofrimentos e se aproximar do outro. Na maioria das vezes são momentos. Tristeza passageira, coisas dos nossos sentimentos. Quando atentam contra a própria vida, sempre emitem sinais, dias ou horas, antes. Bem antes de encontrarem-se sem esperança, sem apoio, em completa solidão, mesmo em meio à multidão. Apresentam-se diferentes daqueles que vemos em comportamento de risco. Estes provam de uma necessidade humana: a aventura. Os deprimidos (melancólicos profundos) permanecem alheios as coisas da vida. Uma deficiência neuro-hormonal - neurotransmissores cerebrais, passíveis de tratamento medicamentoso. No momento da depressão profunda, vão contra um dos maiores estímulos humano: instinto da sobrevivência. A doença não é física, pois, convivendo com pacientes com doenças crônicas, com dores físicas, ainda assim, permanece a esperança de melhoras, permanece desejo da cura. No transtorno mental / psicológico, uma dor diferente se apresenta: um físico perfeito e mente confusa em sentimentos. É o momento que pedem ajuda. A necessidade da ajuda é iminente; o risco também. São alguns segundos... As ações para a “Prevenção” do suicídio são fundamentais.
Precisamos evitar “Estigmas”: a grande barreira para a prevenção do suicídio. Com isso ficaremos atentos aos depressivos, alcoolistas, usuários de drogas ilícitas, doenças crônicas degenerativas. Alerta para aqueles que manifestam desejo do suicídio - mesmo que aparentemente não sejam convincentes. Alertas aos parentes próximos, colegas de trabalho, de escola... No Brasil, são 32 mortes por suicídio por dia. Um número crescente de tentativas. Devemos ficar atentos nas empresas, escolas, igrejas...   


Sergio Damião Santana Moraes 

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, poeta do Pantanal, “Os Girassóis de Van Gogh”: “Hoje eu vi/ Soldados cantando por estradas de sangue/ Frescura de manhãs em olhos de crianças/ Mulheres mastigando as esperanças mortas/ Hoje eu vi homens ao crepúsculo/ Recebendo o amor no peito./ Hoje eu vi homens recebendo a guerra/ Recebendo o pranto como balas no peito./ E, como a dor me abaixasse a cabeça,/ Eu vi os girassóis ardentes de Van Gogh.”

domingo, 3 de setembro de 2017

Cultura e idosos

A cultura (manifestações artísticas, sociais, linguísticas e comportamentais) é mal preservada em nossa cidade, estado e país; assistimos, também, passivamente, um tratamento nada diferente para os idosos. Em nosso país: conhecimentos atuais, passado e futuro, pouco importa. Presenciamos a ausência de memória cultural. Se não queremos nossas lembranças, as pessoas, com o passar do tempo, tornam-se descartáveis. Sem utilidade para a sociedade. Com o tempo ouvem menos e deixam de ser ouvidos. São ignorados. Com os anos vividos, mesmo com toda experiência de vida, conhecimento adquirido, ainda assim são ignorados. No tempo perdem força muscular e diminuem capacidade de memorizar: perdem a identidade. Com a diminuição da produtividade ficam sem importância e utilidade. Reina a indiferença. A indiferença é gradativa. Mudanças sutis. Para sentirem-se vivos precisam produzir. Não podem parar. Não existe direito ao descanso. A sociedade exige produção até a morte. Poucos vivem com qualidade – direito ao lazer e descanso; nessa selva, a maioria sobrevive. Crescemos assim, incentivados para competição. As virtudes não são valorizadas. Com as exigências sociais: adoecemos. A sociedade adoeceu. Precisamos de um novo paradigma. Vivemos assim: descartando pessoas e valores. Exigindo produção e resultados. Descartamos os de mais idade, descartamos os sem memória, o feio; isolamos os alienados, descartamos o diferente. Temos que seguir um modelo. Modelo do belo, do vencedor, do inteligente. Manter uma padronização no vestir, no comportamento... Temos que acumular riquezas e poder. Na ausência do poder público, precisamos acumular riquezas para garantia do futuro. Séculos atrás existiam os mecenas. Burgueses e nobres mantinham a produção artística. Na atualidade, transferimos a responsabilidade para os governos. Pagamos impostos e lavamos as mãos quanto à produção cultural. Governos ruins, desorganizados, corruptos, desviam o dinheiro da saúde, educação. Justificam a falta de investimento nessas áreas: inutilidade da cultura e a falta de urgência na educação. Ficamos sem a força física em idade avançada e sem memória na juventude.
Por dois dias não trabalhei: um fim de semana. Visitei Museu e li poesias. Vi um quadro de cores vibrantes: Convento da Penha e a prainha de Vila Velha se destacavam. Uma alegria me invadiu o corpo. Procurei saber sobre o autor, um completo desconhecido. Pelo que ouvi, estava em idade avançada quando produziu o quadro. Vivia pelos bancos da Praça da Prainha, bem próximo à Igreja do Rosário – a mais antiga do Espírito Santo e Marco do início da Colonização do Solo Capixaba. Com a poesia, o jogo de palavras, o canto alegre e triste alternando nos versos, completava meu dia. Coisa simples de pessoa que não mais existe. Mesmo sem existir, alegrou meu fim de semana. Era idoso e usou toda experiência de vida na pintura. Como não valorizar a alegria despertada pela arte?




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, poeta do Pantanal, Eu não vou perturbar a paz: “De tarde um homem tem esperanças./ Está sozinho, possui um banco./ De tarde um homem sorri./ Se eu me sentasse a seu lado/ Saberia de seus mistérios/ Ouviria até sua respiração leve./ Se eu me sentasse a seu lado/ Descobriria o sinistro/ Ou doce alento de vida/ Que move suas pernas e braços./ Mas, ah! eu não vou perturbar a paz que ele depôs na praça, quieto.”

O galo

            
Foi em um domingo de anos atrás. A manhã era chuvosa, nada levava a crer que o sol pudesse iluminar e aquecer o dia. Mas o dia, 25 de julho, pertencia a São Cristóvão, protetor dos motoristas. Por interferência dele, as nuvens escuras foram afastadas dos caminhos de São Joaquim. O santo Joaquim seria festejado no dia seguinte, mas o distrito, em sua igreja, já se preparava para os agradecimentos ao padroeiro e à Santa Anna, os avós de Cristo. Cheguei com o sol alto, a indústria com os motores do tear e o seu barulho característico, e inconfundível, davam as boas vindas ao anunciar a produção da riqueza de nossa região. Depois de idas e vindas por caminhos desconhecidos, a pequena capela com as imagens não deixavam dúvidas, era a indústria São Joaquim, dos Gava. No terreiro ao lado se apresentavam as aves. Galinhas, galos, gansos, pavão... Alguém apresenta uma badeja com ovos. Ovos brancos e enormes. Sorri. Nunca tinha visto naquele tamanho, mas podia jurar: não eram de galinha. Conheço ovo de galinha. Apesar da urbanidade e total ignorância com as coisas da natureza e do meio rural, podia garantir que, aqueles não eram de galinha. Eram da “gansa”. Justificava a agitação dos seus donos no terreiro em frente. Ignorei os ovos maiores, mesmo com toda agitação do ganso, mesmo com a minha solidariedade, me concentrei nos ovos brancos menores, naqueles que reunia certeza de pertencerem à galinha. De longe fiquei observando a beleza das cores diversas do galo, sua postura, sua imponência, admiro seu canto. Apesar de toda beleza do galo e de suas cores inebriantes, voltei minha atenção e o olhar para a brancura do ovo de galinha, em todo seu mistério, em toda a vida ali presente. Na cozinha, o romper de sua fina casca, os pedaços da casca branca do ovo, era como acordar de um sonho ou de um devaneio. Era um despertar não desejado. Na casca do ovo se encontram as coisas que vi e as coisas armazenadas em memória, o romper das cascas rompiam os liames das coisas passadas. Os liames das coisas vividas, das coisas ditas e das não ditas. Das muitas coisas escondidas.
            Lembrei Clarice. Clarice Lispector, a ucraniana. Lembrei-me do seu conto: A galinha e o ovo. Do espanto ao se deparar com um ovo em uma frigideira. Foi apresentado em Encontro de Bruxaria na Colômbia, em 1975. Ele despertou a carreira de críticos literários, um mistério para a própria escritora, confunde o leitor. Em seu vai e vem, diz tudo da vida. Nada esclarece. Não se preocupa com respostas. Com sutileza e perspicácia nos leva a pensar na origem: ovo ou galinha. Não diz. Deixa a ave em liberdade para o cacarejar, a libera para ciscar em um terreiro qualquer. Ela se volta para o ovo, e em fim de leitura, permanecemos como no início, com nossa ignorância. Ficamos com as ebulições em nossas mentes. Atônitos e atentos às indagações da vida. Com os mesmos medos de sempre. Por fim, e para o fim de nossas incertezas, usamos o ovo para o nosso alimento.
           


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, poeta do Pantanal: “[...] Nosso conhecimento não era de estudar em livros./ Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos./ Seria um saber primordial?...”

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Pelas estradas e cidades


  
Viajei por estradas do Espírito Santo e das Minas Gerais (ES e MG). Viajei, também, pela federal (BR 262). Passei pela Serra do Caparaó, atravessei cidades e, tempo depois, cheguei ao meu destino: Governador Valadares. Uma cidade jovem com um estranho hábito, placas informativas de trânsito bilíngue (inglês e português). Não sei se segui o melhor caminho, eram perigosos, e grande parte dele, dava a impressão de abandono. Constatei, nessas estradas, o óbvio. Acho que, o óbvio foi descoberto e desnudado por Nelson Rodrigues, o revelador das hipocrisias, mentiras e desejos humanos. Usava, ainda, este artifício e recurso, para revelar nossas fraquezas físicas e sentimentais. No meu caso, utilizo o óbvio para confirmar aquilo que imaginava: as grandes empreiteiras, em nosso país, sangram os cofres públicos, não realizam as obras e, seus donos nunca são punidos. Pior, sabendo e conhecendo a verdade, nunca realizamos o óbvio: cumprir o papel de cidadão. Isto é, nos indignarmos e rebelarmos.
            Pelas estradas, observava as cidades. Se no asfalto havia alguma diferença, na ocupação urbana pouco se diferenciam mineiros e capixabas. Na verdade, um traço bem brasileiro, a ocupação sem planejamento. São cidades próximas aos rios. Rios de águas poluídas e pontes sem manutenção. Com a evidência do feio, o ânimo para guardar o nome do município ultrapassado era pequeno. Porém, uma delas me chamou a atenção, mesmo esquecendo o nome, Manhuaçu ou Manhumirim, por conta da forma degradante de sua ocupação, toda a cidade lembrava uma favela.
            Mas, lembrei, ainda que triste, a forma que Cachoeiro foi e continua sendo ocupada. Morros e ruas, uma dificuldade imensa para a mobilidade humana. Uma agressão diária ao pouco que nos resta do rio, matas e alguns bons lugares. Constata-se, diariamente, a ocupação de morros e o entorno do centro da cidade por prédios comerciais e residenciais. Embora bonitos e modernos, ocupam espaços sem nenhum controle de impacto em nossas vidas, seja impacto de vizinhança, ambiental ou de qualquer outro tipo. Chegará o dia que a cidade estará tão degradada que nada poderemos fazer. No momento, fazer o óbvio é a melhor opção ao absurdo do comportamento humano.
            Percebe-se o óbvio. O governo e suas políticas econômicas permanecem as mesmas. Repetem-se ano a ano. Parece não existir o pensar diferente. Permanece a idéia do consumo para o crescimento econômico. Sem pensar no ser humano. Crescer através do concreto e com a venda de carros e motos, mesmo que não exista espaço para circularem em nossas ruas. Mesmo que, com o tempo, falte a ventilação e o ar para respirarmos. Cachoeiro, dentro de algum tempo, pode ter construção elegantes em seus morros, porém, pela degradação ambiental e humana, não será diferente da cidade mineira semelhante a uma grande favela.
            Na volta de Valadares, permaneci algum tempo na parte mineira do Caparaó, pelos relatos, a infraestrutura parece ser melhor. Bons hotéis e restaurantes. Mas, eu buscava a beleza do Pico da Bandeira, esta se encontra no lado capixaba. É a parte mais bonita, apesar da pobreza no investimento local.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Ribeiro Couto, Cais matutino: “Mercado do peixe, mercado da aurora:/ Cantigas, apelos, pregões e risadas/ À proa dos barcos que chegam de fora./ Cordames e redes dormindo no fundo;/ Á popa estendidas, as velas molhadas;/ Foi noite de chuva nos mares do mundo./ Pureza do largo, pureza da aurora./ Há viscos de sangue no solo da feira./ Se eu tivesse um barco, partiria agora./ O longe que aspiro no vento salgado/ Tem gosto de um corpo que cintila e cheira/ Para mim sozinho, num mar ignorado.”

Bernardo

É o nome do meu primeiro neto. Filho do meu filho mais velho: Helomar e da nora: Karina. Residem em São Paulo. Bernardo é um nome germânico. Na língua germânica arcaica: Ber (Urso) e Hart (forte) – “forte como um Urso”. Bernardo é a simbologia da força. A força, beleza e sabedoria são as três colunas que sustentam o Templo Maçônico. Apesar da força física que designa o nome, foi com caridade e a bondade que o nome, na idade média, se consolidou. Bernardo, um abade francês, fundou Ordem Religiosa e Asilos na região dos Alpes Suíços. Pela sabedoria tornou-se São Bernardo de Claraval e foi nomeado Doutor da Igreja católica. É o protetor dos Asilos. Às vezes fico em dúvida no valor do nome. Shakespeare, escritor inglês, escreveu: “A rosa não deixaria de exalar seu perfume caso a nomeasse por outro nome. Não importa o nome, ela sempre será uma rosa.” Alguns preferem a alcunha, um apelido, do que o nome do seu registro civil. Meu filho mais novo, Vitor, após 28 anos de vida, no momento do casamento civil, descobriu que não se chama Vitor, e sim, Victor. Um erro de registro no cartório. Corrijo agora, por retificação judicial. Isto é, eu, no calor da emoção do registro do nome do filho, não prestei a devida atenção naquilo que assinava. Uma falha que não acontecerá com o Bernardo, os dois “erres” estarão em seu devido lugar. Como avô estarei devidamente atento.
A gravidez, uma nova vida, é emocionante e belo. Mais belo: gravidez desejada; mais ainda: gravidez planejada. Com o planejamento, até nos acasos, encontramos segurança social, emocional e econômica. Uma família bem estruturada. A base da melhor instituição de um país. Aquilo que fortalece e organiza um povo. Quando soube do início da vida do Bernardo, estava com seis semanas de vida intrauterina. O vídeo no WhatsApp mostrava um ultrassom com as batidas do seu coração em formação, as batidas se assemelhavam a uma locomotiva. Batia: 140 bpm. Dias depois, em novo exame, dobrava de tamanho, atingia 02 cm. Faltam 34 semanas para o seu nascimento. Em ultrassom recente fico com a impressão que as batidas do seu coração se assemelham ao turbilhão das águas do rio Itapemirim. Acho que vai ser assim, ao ouvir as batidas do seu coração, ficarei em dúvida: ora ouvirei uma locomotiva; ora o turbilhão das águas do Itapemirim. Não importa. Que ele continue em seu ritmo, aumentando de peso e tamanho, até atingir os 50 cm.  Atingir a força necessária para tornar o mundo melhor. Que se torne um bom, e fiel, flamenguista.
Quando recebi a notícia do início da vida do Bernardo, conversava sobre coisas da literatura. Sobre escritores da língua portuguesa da atualidade: Agualusa e Mia Couto (angolano e moçambicano). Logo depois, recebi um trecho de livro do Agualusa. O personagem, após muitas agruras: “Tem notícias da Ângela? – Vou tendo. Deve estar neste momento a descer o Amazonas numa daquelas barcaças lentas, preguiçosa, que à noite se cobrem de redes de dormir. Há muito céu por ali. Muita luz na água. Espero que se sinta feliz. – E você, é feliz? – Eu estou finalmente em paz. Não anseio por nada. Acho que a isto se pode chamar felicidade. Sabe o que dizia Huxley? A felicidade nunca é grandiosa. – O que vai ser de si? – Não faço ideia. Provavelmente serei avô.” Eu? Serei avô. Estou em paz. E, feliz.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Mario Quintana, Emergência: “Quem faz um poema abre uma janela./ Respira, tu que estás numa cela/ abafada,/ esse ar que entra por ela./ Por isso é que os poemas têm ritmo/ - para que possas profundamente respirar./ Quem faz um poema salva um afogado.”

Alcunhas

Para os brasileiros, apelido. Para os de língua castelhana, sobrenome. No Brasil, forma de tratamento entre o carinhoso e o depreciativo. Utilizado para uma aproximação entre familiares, amigos e colegas de trabalho. Também, por aqueles que buscam o constrangimento do outro. Com o apelido crescemos sem a identidade oficial, ficamos conhecidos por outro nome, aos poucos abandonamos o verdadeiro nome. O bom apelido parece um desejo de todos, pois, deixamos nos chamar no diminutivo ou aumentativo, escolhemos aquele que nos sentimos melhor. Talvez um desejo disfarçado por outra vida. Nos esportes é grande o número de apelidos. No futebol são os mais conhecidos: Pelé, Zico, Zito, Careca, Dinamite, kaká... Uma marca, um marketing. Como na idade média, alguns nomes estão associados ao local de origem e nascimento da pessoa: Renato Gaúcho, Marcelinho Carioca, Juninho Pernambucano... As contradições existem: jogador cabeludo chamado careca; Magrão com grande massa muscular e tecido adiposo. Para os políticos fica mais fácil a lembrança do eleitor em época de eleições. Preferem ser chamados pela parte mais forte do nome, geralmente ligado ao da família. Fora a referência familiar, o partido político também é utilizado, menos frequente nos dias atuais, com o enfraquecimento partidário. O uso do local de origem na política não é habitual, certamente devido ao excesso de candidatos e pelo velho dito popular: “Santo de casa não faz milagre.”
Na história do Brasil o mais marcante foi Tiradentes, herói nacional da Conjuração Mineira, nascido Joaquim José da Silva Xavier. Dos grandes generais, o grego se sobressai: Alexandre, o grande. Deixa a impressão de um gigante. O mito e fama da grandiosidade se justificam pelas estratégias e conquistas militares, porém, media pouco mais de metro e meio. De todos os apelidos, o que mais gostamos é o que carregamos do “berço”. Uma das primeiras palavras que temos contato. Geralmente criado por um dos irmãos, sem uma explicação lógica, as vezes por uma palavra mal pronunciada que os pais assimilam e incentivam o uso, para facilitar a comunicação entre os filhos. E assim, o restante da família passa a usar. Muitas vezes, um inocente apelido de infância é tudo que nos resta. No pequeno nome guardamos sorrisos alegres de brincadeiras infantis; o som da batida da bola no chão de barro, ou mesmo, nada ouvimos ou vemos. Apenas guardamos lembranças de uma tarde chuvosa, e do silêncio, em um longo Cais para aviões, que nunca pousaram, na beira do mar.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Paulo Leminski, Sintonia para pressa e presságio: “Escrevia no espaço./ Hoje,
grafo no tempo,/ na pele, na palma, na pétala,/ luz do momento./ Sôo na dúvida que separa/ o
silêncio de quem grita/ do escândalo que cala,/ no tempo, distância, praça,/ que a pausa, asa,
leva/ para ir do percalço ao espasmo./ Eis a voz, eis o deus, eis a fala,/ eis que a luz se
acendeu na casa/ e não cabe mais na sala.”

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Caos na Saúde

Há sete meses, escrevi: “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficiente naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. A cada dia, nós, prestadores de serviços, percebemos as carências se avolumando e a qualidade do atendimento se comprometendo. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. Há seis meses, escrevi: nada mudou. No absurdo das condições em que atendemos ao SUS, sinto-me como um homem em queda de um prédio de dez andares. A cada momento, o governo diz: “Está tudo bem!” No avanço da queda, ele repete: “Está tudo bem!” Eu percebo se aproximar o chão, nada posso fazer, o trauma é inevitável. Perdi a esperança. A única voz que ouço é a dos pacientes e de seus familiares, uma voz rouca de abandonados pelos cantos dos hospitais. Há três meses: percebo e ouço movimento na área da saúde. Algo confuso. São promessas de um novo Hospital (isto é bom, porém ouvimos promessas anos atrás, e é algo para médio ou longo prazo). A questão atual é da urgência e emergência dos maiores hospitais da região sul. Não se resolve apenas com Boa Gestão, necessita-se dos recursos financeiros – estes estão bem abaixo do necessário. Há dois meses: permanecemos como antes. É verdade que, de longa data, a saúde pública apresenta complicações crônicas com agudizações. Isso leva à insegurança.
Hoje: empréstimo à Santa Casa de Cachoeiro pela Caixa Econômica Federal. A Caixa, apesar de Estatal, é um banco. E bancos cobram dívidas e juros. Governador, como bom economista que és bem sabe, pois alguém já disse e escreveu: “Não existe almoço grátis.” Para pagar as dívidas, e manter serviços, os hospitais precisam da ajuda efetiva do Estado. E, esta, ainda não chegou. Sem esta ajuda será um eterno endividamento e crises agudas. É verdade, também, que existe o mutirão das cataratas. Os idosos enxergarão melhor. Isso é bom. Ficamos agradecidos. Porém, o risco, para o governo, é que eles enxergarão melhor, com isso poderão ver o que os jovens já enxergaram: as mazelas da saúde pública permanecem como sempre.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, José: “E agora, José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou,/ e agora, José?/ e agora, você?/ você que é sem nome,/ que zomba dos outros,/ você que faz versos,/ que ama, protesta?/ e agora, José?/ [...] Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia,/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, para onde?”

Maçonaria

A maçonaria é uma escola filosófica. Iniciática. Ensina gradativamente, aos seus iniciados, as virtudes humanas. O grande segredo da maçonaria é este: altruísmo - uma disposição para o bem. Despertar no homem sua melhor parte. Não só para uma vida nas relações materiais mundanas, mas, principalmente, seu aprimoramento espiritual. A maçonaria difere de um Clube de Serviço, onde a filantropia se faz presente integralmente.  Busca aprimorar o homem para a vida profana – aspectos intelectuais e humanitários. A filantropia é uma de suas missões. As virtudes teologais: fé, esperança e caridade, são sempre presentes em seu meio. Sem elas, perdemos o sentido humano - a compaixão.  Por ser milenar em sua filosofia, eclética, com os vários ensinamentos e aprendizados absorvidos das várias civilizações, ela possui uma simbologia. Com ela aprende-se a importância da discrição, humildade, fraternidade e de se livrar das vaidades. Vencer paixões e vícios. A simbologia, assim como foi importante para os primeiros humanos, com suas pinturas rupestres – desenhos e gravuras nas paredes das cavernas, facilita gravar e refletir os ensinamentos. O Templo, lugar onde os maçons se reúnem, e formam suas Lojas, é onde guardam e preservam seus símbolos. Símbolos que se formaram e fizeram ao longo dos séculos. Provém dos egípcios, gregos e romanos. Da cultura ocidental e oriental. Dos artesões – pedreiros e arquitetos, responsáveis pela construção das catedrais da idade média. Na ocasião, os mestres (parte proveniente da Ordem dos Cavaleiros Templários) - pedreiros livres para exercerem sua profissão, transmitiam seus conhecimentos aos aprendizes. Reuniam-se em Guildas - local próprio para uma reunião. Com a evolução da sociedade, sua industrialização, a Inglaterra e vários países da Europa, não mais necessitaram desses artesãos. Em 1717, em Londres, nasce a maçonaria moderna, dita especulativa (filosófica), em substituição à maçonaria operativa (dos artesãos). Gradativamente, as ideias iluministas são incorporadas. Ideias como: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Suas influências se fizeram presentes na independência dos Estados Unidos e do Brasil. Permaneceram no Brasil Império com a contribuição na libertação da escravidão e formação da República. Em Cachoeiro, destacou-se o maçom Bernardo Horta, como um dos mais ilustres republicanos.
São trezentos anos da moderna maçonaria. Muitos mitos. Grande parte, sem fundamento. Fruto da ignorância e preconceito. A maçonaria, como instituição, é perfeita; os homens não. Sendo assim, podem errar. Na verdade, a perfeição é somente para Deus. Pela perfeição do Universo, o chamamos de Supremo Arquiteto do Universo. O maçom é alertado, dia a dia, para o caminho virtuoso. O coração do verdadeiro maçom é sensível ao bem. Neste momento, no Brasil e no mundo, onde os valores éticos e morais estão comprometidos, bem como a intolerância e preconceitos raciais e de gênero exacerbados, cada vez mais a necessidade de mudanças de rumo se faz necessário. Instituições como a maçonaria devem se fazer presentes e atuantes.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Chacal, rápido e rasteiro: “vai ter uma festa/ que eu vou dançar/ até o sapato pedir pra parar./ aí eu paro/ tiro o sapato/ e danço o resto da vida.”

Avenida Pellegrino

A mais elegante de São Paulo. Parte dela, seus últimos dois quilômetros, da Vila Olímpia até o Parque do Ibirapuera, mais ainda. Arborizada. Edifícios, maioria moradia, de arquitetura instigante. Um contraste com a Avenida Santo Amaro que a cruza em seu início. De contraste em contraste as cidades crescem. A partir do momento que mudamos dos campos, e criamos as cidades, fomos aprendendo a viver em comunidades. Algo incipiente, mas em evolução. Alcançamos a perfeição biológica, ainda evoluímos no social e ambiental. Existem dúvidas se teremos tempo para as evoluções necessárias. Caminhar ou pedalar pela Pellegrino é um alento. Comparada à Avenida Paulista (coração financeiro paulista), a Pellegrino nos conforta.  Suas árvores, suas subidas e descidas, diz que sim, teremos tempo para amadurecer. Aos domingos, parte da avenida é ocupada por faixas de ciclovias. Homens e mulheres, adultos e crianças, com bicicletas de diversos tipos e roupas de diferentes cores alegram e animam os que optaram pelo caminhar. São Paulo, no outono, de temperatura amena, oferece o Parque Ibirapuera. Pela Pellegrino, antes do parque, encontra-se o bairro Moema e suas ruas com nomes de índios e pássaros brasileiros, lembra a diversidade do Brasil tropical, uma prova de bom local para se viver, apesar do imenso concreto das cidades. O paulistano se realiza no Ibirapuera. Dentro do parque caminha-se em torno do lago. Observar os prédios que se sobressaem acima das árvores é a mesma sensação dos parques do centro de Nova York. Uma visão da imaginação. Algo existente e produzido pelas cidades.
            Retornar pela Pellegrino, descer por suas ladeiras, observar melhor suas árvores e prédios, libera boas sensações. Mesmo com milhões de habitantes, a cidade é o nosso melhor habitat. Não temos saída, mais de 80% da população vive e viverá em uma cidade. Um imenso condomínio, regras civilizatórias devem ser ampliadas e executadas. Aprender desde a infância. Usar a imaginação nas regras e em sua divulgação. Em vez de grandes letreiros, de grandes placas, pequenos sinalizadores. Surpreende-me o sinal de identificação do metrô paulistano. Pequeno. Discreto. Um sinal quase humano. Porém, podemos viver com milhões de pessoas. Podemos nos encontrar em qualquer ponto do planeta. Mas, gradativamente, voltamos ao nosso bairro, nossa rua, residência, quarto e computador. Sozinhos, dentro de nós mesmos. Voltamos ao nosso espaço: micro espaço. Aos conflitos internos. Nossas angústias, medos, egoísmo e agressividades. Conviver, seja em uma pequena ou grande cidade, dependerá desses acertos. A beleza de uma cidade sempre será encontrada. Em uma grande Avenida ou pequena rua. No fim, a cidade é o melhor local para se viver e morrer.

Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Torquato Neto, Cogito: “eu sou como eu sou/ pronome/ pessoal intransferível/ do homem que iniciei/ na medida do impossível/ eu sou como eu sou/ agora/ sem grandes segredos dantes/ sem nomes secretos dentes/ nesta hora/ eu sou como eu sou/ presente/ desferrolhado indecente/ feito um pedaço de mim/ eu sou como eu sou/ vidente/ e vivo tranquilamente/ todas as horas do fim.”

domingo, 2 de julho de 2017

Diálogos Médicos

O médico pergunta a idade do paciente. Ele responde: sessenta anos. Na verdade, continua, são sessenta anos e meio, pois, o pai demorou em registrar. O senhor sabe como era... O médico pergunta o nome. Bom doutor era Perfides, mas, com o tempo ficou Fidinho, era muito estranho, e feio, Perfides. O médico impacientava-se com a demora para uma simples identificação. Em outro dia de trabalho, na urgência do hospital, interna uma presidiária. História criminal sugestiva de tráfico de drogas do norte do país para a região sudeste. Ela poderia estar trazendo drogas para os nossos filhos e muitos outros adolescentes, foi o que pensou. O dever profissional supera o constrangimento inicial. A presidiária, pela dor abdominal e atraso menstrual (amenorréia), necessita permanecer internada para investigação c1inica. Por pior que fosse o hospital, ainda assim, era melhor que o presídio, imaginou o médico. Dois dias depois ela apresentava-se melhor, para maior segurança necessitava permanecer hospitalizada. Ela solicita alta do hospital. Quero retornar ao presídio, diz. O médico argumenta. Ela insiste: no presídio tenho amigas que me cuidam. Sinto-me melhor lá, conclui. Dias depois encontra no pronto socorro um rapaz com dor abdominal e lombar intensa sugestivo de có1ica renal. A mãe pede: doutor não faça muitos remédios. Não aplique um analgésico forte. Prescreva o remédio em forma de comprimido. Ele estranha e pergunta a razão. Prefiro meu filho com dor e no hospital, do que no presídio... O portão do hospital, local estratégico na entrada para o trabalho, encontra-se fechado. Por uma câmera ele é avistado e pelo interfone ouve o funcionário. Pelas perguntas ele imagina um novato. Identifique-se, diz o neófito. Ele apresenta um nome com sobrenomes misturados. A porta é aberta. Pelo interfone o médico confere se ele entendera o nome. O funcionário questiona. Qual seu nome? O médico visita os pacientes e retorna rapidamente. Solicita abertura do portão. O noviço repete, identifique-se. O médico: eu já entrei, só quero sair.
O atendimento na saúde brasileira, Sistema Único de Saúde (SUS), desde a promulgação da última Constituição (1988) funciona assim: “Um dever do Estado e um direito de todos.” No papel uma perfeição, a prática longe disso. Mesmo assim, um avanço comparado a muitos países. Os Estados Unidos da América do Norte encontra-se em um impasse. O país mais rico do mundo, o que mais gasta em saúde (percentagem do PIB), entretanto o de maior número de pessoas (52 milhões) sem qualquer tipo de garantia de atendimento. Nós brasileiros, apesar dos diálogos conflitantes e confusos, temos a lei do nosso lado. Pode não haver o atendimento na prática diária, mas está escrito que temos o direito. Coisa de brasileiro, primeiro faz a lei e depois decide quem paga a conta. Isto é, a decisão do financiamento fica, sempre, para depois.  O americano, por isso um dos motivos para a revolta com o presidente Trump, além de sua insensatez, primeiro pergunta quem paga a conta para depois dizer se todos têm o direito. Eles sabem que não existe “almoço grátis”.  O Simes (Sindicato dos Médicos) adverte, em Cachoeiro, quanto ao processo de seleção para contratação de médicos, pela prefeitura, não tem diálogo. Não podemos aceitar salários aviltantes.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Ana Cristina Cesar, “olho muito tempo o corpo de um poema”: “olho muito tempo o corpo de um poema/ até perder de vista o que não seja corpo/ e sentir separado dentre os dentes/ um filete de sangue/ nas gengivas”

Athayr Cagnin

Anos atrás presenciei um momento histórico de Cachoeiro de Itapemirim. Foi a comemoração dos noventa anos de idade do poeta Athayr. Do professor, como gostava de ser chamado. Na ocasião, antes de suas palavras finais: Moema lembrou o pai, Deusdedit Baptista, e recitou uma das poesias do Cagnin; Mirtes Machado levou seu diário com as observações e elogios escritos pelo professor em 1947; Wilson Rezende relatou algumas histórias do amigo. A imortalidade do Athayr foi atestada naquele momento. Não só pela Academia Cachoeirense de Letras, pelos seus versos e rimas, mas também pelo carinho recebido dos muitos alunos ali presentes. Eu pensei na semelhança do Athayr com o rio Itapemirim, razão maior da cidade. O Athayr, aparentemente abatido - pela curvatura do tronco e passos lentos, logo é revigorado e expõe toda a força da memória, lucidez e impostação da voz. Assim é o rio, nosso Itapemirim, com as chuvas ele volta forte, encachoeirado. Se não pode ser navegado, não importa; se não serve à economia, serve à nossa imaginação. As chuvas dão vida nova ao Itapemirim; o sorriso da Diva mantinha o vigor do Athayr. Na época, chovia bastante, a força do rio era grande. Em um domingo, pela manhã, foi assim, por um período curto, como um pequeno verso, uma leve rima, o bastante para homens e crianças se juntarem ao leito do Itapemirim. Ao caminhar junto ao rio, eu vi uma menina de tranças em alegre brincadeira com o pai. Com uma linha e anzol, uma brincadeira de pai e filha junto às águas do Itapemirim. Longe dos homens, bem no meio do rio, onde as forças das correntezas se mostravam mais intensas, procurei as garças, não as encontrei. Deparei com algo inusitado: um pato, de penas escuras, em direção contrária as forças da água. Não parecia cansado, pelo contrário, mantinha-se persistentemente em sua trajetória. O dia, após as chuvas, na beira do rio, se assemelha aos dias que vivi na ilha de Vitória. Vivia em um “braço de mar”, em suas águas calmas, levemente salobra, tal qual a água do rio. O ponto de referência era o velho Cais dos Aviões que nunca pousaram. Diferente é a outra ponta da ilha, a Praia do Canto e Suá, com sua água fortemente salgada, fria e alta. Nas águas mansas do “braço de mar”, os manguezais se formavam. Os mangues foram aterrados e com ele desapareceu parte das criaturas do mar.
            A história de Cachoeiro conta em parte com a história do professor Athayr. O confrade, também imortal, Estelemar Martins, em seu livro didático de poesias, define o poeta como aquele que tem a arte de cantar o belo, materializar a alma na combinação de versos, lapidar rima como um diamante raro. A poesia de Cachoeiro ficava mais bonita quando Athayr combinava perfeitas rimas para sua Diva. Com a reforma da Casa dos Braga, e a lembrança do Athayr, com a poesia e a crônica, suporto melhor os dias tristes da política nacional.

Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, No meio do caminho: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra./ Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas./ Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra.”

domingo, 11 de junho de 2017

Botox

No mundo, em especial na América Latina, a crise para a classe média cada vez mais se intensifica - renda diminuindo e impostos aumentando.  A ansiedade aumenta com a falta de liberdade e democracia em países vizinhos como a Venezuela. Para os mais pobres, nada diferente, apenas o aumento do desemprego com a diminuição da atividade econômica, mais ainda no nosso país. O empobrecimento associado à degradação social nos leva ao medo. Nem mesmo as belezas naturais da região em que vivemos melhoram nosso fado. Para os brasileiros, mais que a mudança econômica, é a mudança cultural que importa. No sertão pernambucano o Jegue foi substituído pela motocicleta. Além de mais poluidora, a motocicleta aumenta em dez vezes o acidente com risco de morte e de sequela definitiva. Com os impostos aumentando, atividade econômica oscilante, insegurança pessoal e em trânsito, mesmo nas regiões do interior, com tudo isso, a preocupação da classe média para com a estética, o cuidado com a pele, músculos e com os excessos de gordura localizada tornam-se supérfluos e artigos de luxo nos dias atuais. Apesar do orçamento doméstico apertado pela dificuldade financeira, o brasileiro tem seus jeitinhos. E existem também, os obsessivos, os narcisos e os que crêem na aparência como integrante do processo para a saúde. Para esses, justifica-se o gasto da reserva da poupança e até mesmo ultrapassar o vermelho do cheque especial com os itens do embelezamento. A beleza não tem preço, acreditam.
Alternativa: conquistar amigos. Por isso, em tempos de crises e valorização da beleza corporal, da estética, o profissional com mais amigos é o dermatologista. Motivo: a sobra do frasco do botox. Dia desses, um conhecido dermatologista recebeu telefonema de um colega médico. Imaginou tratar-se de uma apresentação de algum caso clinico referente à doença de pele. Alguma coisa que pudesse opinar e ajudar. Para surpresa, o colega de medicina se queixava do aparecimento de uma ruga, mais precisamente na testa, entre as sobrancelhas. Sentia-se incomodado com a marca, que se intensificava pela manhã junto com sua imagem refletida no espelho. Dizia já ter clamado por são Bartolomeu, protetor dos dermatologistas, e inclusive, procurado a figura do afresco da Capela Sistina (Vaticano), o Juízo Final, de Michelangelo Buonarroti. Com paciência, o dermatologista ouvia... O colega comentava os novos silicones. Os implantes desnecessários e de risco. Em busca de uma perfeição, as mulheres são capazes de tudo, concluía. Da Lipo tinha uma opinião: com as mortes e infecções observadas recentemente, as mulheres deveriam fazer uma lipoaspiração em cérebro, só assim parariam de pensar “bobagens”. E voltariam à realidade humana. Mas, apesar de externar essa opinião sobre as mulheres e seus desejos relativos à estética e beleza corporal, o médico assustava-se com a própria ruga. Um trauma toda manhã. Queixava-se da ruga e também da marca de expressão em torno dos lábios, da carga de trabalho e dos valores pagos pelos convênios, nas consultas e procedimentos. Após muitas queixas, por fim, fez o pedido. Pediu a sobra do botox. O dermatologista concordou mais pelas queixas e por se tratar de um colega de profissão. Com a concordância do dermatologista, o médico agradeceu e fez seu último pedido. Pediu ao especialista em pele: ”Não dá para reservar uma sobra para minha esposa?”.


 Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Cecília Meireles, Nadador: “O que me encanta é a linha alada/ das tuas espáduas, e a curva/ que descreves, pássaro da água!/ É a tua fina, ágil cintura,/ e esse adeus da tua garganta/ para cemitérios de espuma!/ É a despedida, que me encanta,/ quando te desprendes ao vento,/ fiel à queda, rápida e branda./ E apenas por estar prevendo,/ longe, na eternidade da água,/ sobreviver teu movimento...”

Amor, paixão e loucura

            
O que define a paixão? Rosa Montero, articulista do jornal espanhol El País, autora do livro Paixões, afirma que a essência é a alienação. O apaixonado sai de si mesmo e se perde no outro, naquilo que imagina do outro. Para o ensaísta suíço Denis de Rougemont, em História do amor no ocidente, o amor feliz não tem história. Só o amor ameaçado é digno de um romance. A paixão tem uma força alienante. Zeus, o deus de todos os deuses grego, foi condenado por Afrodite, deusa do amor carnal e etéreo, a perseguir ninfas e mulheres mortais, e assim, muitas vezes, cair no ridículo. O amor é representado por um menino nu, porque é uma emoção que não se pode ocultar. Cupido, na mitologia, apresenta-se com venda nos olhos, porque o amor não percebe os defeitos do outro. O amor é cego. A paixão cega, só o sentimento amoroso ilumina.
            Na idade média surgiu o amor cortês e a impossibilidade da relação. Duas lendas do amor impossível se apresentam em Tristão/Isolda e Lancelot/rainha Guinevere. Antes disso, com o primeiro casal da criação, Adão se declarava para Eva, “Onde Eva estiver lá é o paraíso”. Bom, se não disse, deveria ter dito. Santo Agostinho escreveu que a paixão é uma fantasia, uma alucinação, a pessoa amada é apenas uma desculpa que damos para alcançar a emoção do apaixonar-se. Desidério Erasmo (Erasmo de Roterdã – 1466/1536) publicou o Elogio à Loucura. Afirmou que a loucura torna as mulheres amáveis. Para a psicanalista Betty Milan a busca do ser humano é pela completude. Cita Lacan: O amor é o desejo impossível de ser um quando há dois. O mito da completude inicia-se na mitologia grega. Éramos um só. Zeus nos cortou pela metade com receio da nossa força. Desde então a busca de nos tornarmos um só. Na literatura muito se falou sobre o amor. Livros clássicos como Madame Bovary (Gustavo Flaubert); Lolita (Vladimir Nabokov); Ana Karênina (Tostoi), Dom Casmurro (Machado de Assis) e Amor e Erotismo – A Dupla Chama (Octavio Paz). No budismo zen, existe um enigma: “Se você bate na palma da mão, qual o som mais forte – o da mão esquerda ou o da mão direita?” No amor, no contato das mãos, uma emite e a outra facilita a propagação do som. Na paixão... a harmonia desaparece. A neurociência e a neurobiologia começam a desvendar as transformações cerebrais que ocorrem em uma pessoa apaixonada. A química, a coisa de pele, as quais nossos poetas descrevem tão bem, em um futuro podem ser decifradas e, uma pílula do amor pode matar a beleza da paixão. A pílula, talvez, possa ajudar nos comportamentos e ciúmes doentios e evitar os crimes passionais. Eu? Prefiro os sonetos. De Camões, pai dos poetas da língua portuguesa: “Amor é um fogo que arde sem se ver; / é dor que desatina sem doer...” Do paulista Vicente de Carvalho: “Não me culpeis a mim de amar-vos tanto, / mas a vós mesma e à vossa formosura, / pois se vos aborrece, me tortura / ver-me cativo assim de vosso encanto...”


Sergio Damião Sant´Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Pedro Kilkerry, “Sobre um mar de rosas que arde”: “Sobre um mar de rosas que arde/ Em ondas fulvas, distante,/ Erram meus olhos, diamante,/ Como as naus dentro da tarde./ Asas no azul, melodias,/ E as horas são velas fluidas/ Da nau em que, oh! alma, descuidas/ Das esperanças tardias.”

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Mulher: mãe e médica

No mês de maio: homenagear as mulheres é fácil. Difícil é mudar comportamento do homem. Os homens surpreendem-se com a capacidade feminina de realizarem tantas tarefas ao longo do dia. Ser mulher é isso: filha, nora, tia, avó, madrinha, cunhada, esposa, mãe e profissional (médica, professora, contadora, dona de casa...). Não importa, ser mulher, no final, é se fazer presente em tarefas múltiplas - a dupla ou tripla jornada de trabalho. Começam como filhas – verdadeiras aprendizas, junto à mãe crescem com o aprendizado e preenchem de alegria a vida de irmãos e parentes, alegram os lares. Quando adultas, enfeitam a vida de filhos e maridos. Alegram a casa que ajudaram a construir. As mulheres vão mais longe, além das tarefas com filhos, casa, cônjuge... Não se esquecem do enfeite no cabelo, na blusa... Menos ainda da bolsa, dos óculos, coisas que as deixam, dia a dia, mais bonitas. Tudo isso sem perderem a sensibilidade. As coisas que sentem, que nós homens demoramos em ver, “percebem em um piscar de olhos”. Coisas sutis, como as necessidades emocionais dos que nos envolvem. Coisas sutis de nossos filhos. Necessidades que vão além das coisas físicas e materiais. Não satisfeitas, avançam na qualidade profissional.
É assim com as mulheres. É assim com a médica Fabiola de Freitas Moraes. Nasceu em Vila Velha, município capixaba “Canela Verde”– próximo ao Convento da Penha. Formada na Escola de Medicina da Santa Casa de Vitória - Emescam, em 1981. Na dúvida entre oftalmologia e pediatria, optou pelas crianças. Aperfeiçoou-se em São Paulo – Santa Casa. Chegou a Cachoeiro de Itapemirim em 1986. Quando iniciei na maçonaria, em 1992, logo se entrosou ao departamento feminino da Loja Maçônica Fraternidade e Luz. Na ocasião, médica pediatra da Prefeitura, entristecia-se com o estado de saúde das crianças cachoeirenses. Deparou-se no Morro do Corte Grande, hoje, Bairro Nossa Senhora da Aparecida, com os altos índices de desnutrição e mortalidade infantil. Os Maçons e cunhadas da Fraternidade e Luz assumiram o projeto de cadastrar, nutrir e acompanhar as crianças do bairro. Foram realizadas consultas pediátricas; distribuído, regularmente, leite e cestas básicas de alimentos. Com a integração da Pastoral da Saúde e da Infância: a pesagem, palestras de orientações para a promoção da saúde e entregas de filtros passaram a ser feitas. Foram muitos anos de trabalho, os anos da década final do século XX. A médica que permanece na pediatria, agora no Aquidabã e no Bairro Village, além do serviço em Gestão e Auditoria em saúde da rede privada (Unimed Sul Capixaba), percebe que gradativamente a desnutrição retorna em nossas crianças. São outros tempos, são passados mais de vinte anos. Outras formas de abordagem, novas experiências e condições de atendimento à saúde se apresentam. Mas, no Brasil, a fome e a miséria, essas são cíclicas – acompanham o baixo nível educacional, a baixa renda e a falta de empregos. Cabe a nós, Cidadãos e Maçons, ficarmos atentos às questões sociais. Tenho certeza que a pediatra Fabíola está muito atenta às questões que se apresentam. Fico feliz, e orgulhoso, por seu crescimento profissional e humano. Parabéns para todas as mães.




Sergio Damião Sant´Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, Coração numeroso: “Foi no Rio./ Eu passava na Avenida quase meia-noite./ Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis./ Havia a promessa do mar/ e bondes tilintavam,/ abafando o calor/ que soprava no vento/ e o vento vinha de Minas./ [...] O mar batia em meu peito, já não batia no cais./ A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu/ a cidade sou eu/ sou eu a cidade/ meu amor.”

Alcoólicos Anônimos

A história dos Alcoólicos Anônimos (A.A.) começa em 1935. Na ocasião, dois homens, que o álcool havia arruinado as vidas, decidiram mudar de comportamento e estilo de vida. Com o apoio de familiares e amigos passaram a se encontrar e dividir angústias e sofrimentos. Desde então, após compreensão dos efeitos e das diferentes sensibilidades das pessoas ao álcool, formaram Grupos com necessidades semelhantes e se espalharam pelo mundo afora. A partir de uma decisão a vida mudou. Até então, as promessas eram apenas promessas. Por muitas vezes, desfeitas. Eram considerados casos perdidos. Alcoolistas: aqueles que idolatram o álcool. Um desejo imenso em seu consumo. Bastava um gole. Pronto, todas as promessas eram desfeitas. A moderação no seu consumo, o efeito de alegrar a alma, não se apresenta nos alcoolistas. Outras formas para as alegrias podem ser criadas. Nos Grupos dividiam problemas e dificuldades. Esperança para a vida futura. Viver a virtude da prudência - fidelidade não apenas ao presente, mas principalmente ao futuro. Uma esperança para outros alcoólicos “sem esperanças”.
 Hoje, são milhões de homens e mulheres espalhados pelo mundo. Nos Alcoólicos Anônimos vivem uma irmandade que compartilham experiências a fim de resolverem seus problemas comuns e ajudar outros a se recuperar do alcoolismo. O requisito para ser membro é o desejo de parar de beber. Propósito único: manter-se sóbrio e ajudar outros alcoólicos a manterem a sobriedade. Os Alcoólicos Anônimos necessitam da cooperação da comunidade; aumentar a comunicação com a sociedade. Seus membros compartilham Doze Passos e Doze Tradições para a recuperação pessoal. Qualquer pessoa pode assistir as reuniões abertas do A.A. Nós profissionais da saúde podemos cooperar. Interagir e comunicar mais. Ajudar a diminuir o sofrimento do alcoolista. Ajudar a proporcionar uma vida saudável e produtiva.  Devemos conhecer os Doze Passos: começando em ajudá-los a aceitar que são impotentes perante o álcool e que perderam o domínio sobre suas vidas. Necessitam, durante esses passos, despertar uma espiritualidade que os farão seguros dia após dia. Precisamos conhecer As Doze Tradições: iniciando-os no bem-estar comum e aceitarem a reabilitação individual através do A.A. A tradição se completa no anonimato e no alicerce espiritual. Tendo o princípio acima da personalidade. Para nós profissionais da saúde importante entender que o alcoolismo é uma doença. Doença que tem cura. Cura que depende do alcoolista. O que muitas vezes não tem cura, ou solução, são as cicatrizes que ficam no alcoolista ou em outras pessoas. Grande parte das vezes, cicatrizes formadas pela demora em aceitar o tratamento. O tratamento existe. Depende de uma decisão pessoal. Não depende de ninguém mais. Exclusivamente da pessoa. Nenhum médico possui o remédio para a cura. A cura está nas reuniões da A.A. ou na decisão do alcoolista. Telefone: (28) 3522-0648.

Sergio Damião Sant´Anna Moraes