domingo, 29 de janeiro de 2017

Folha Seca

Neste verão, Cachoeiro encontra-se diferente. Em fim de dezembro, início de verão, o rio Itapemirim transbordou. Mais uma enchente em nossa história. A cidade em polvorosa discutia a enchente de maior intensidade, a lembrança da enchente dos anos 30 e 40 sempre retorna. Aquela que Rubem Braga descreve, com jeito de menino travesso, em suas crônicas. Mas, a nossa enchente, a do século XXI, a mais recente, tem lá suas travessuras e beleza. É sempre assim, com a cheia do rio, ficamos em dúvida, se cuidamos da cidade e das pessoas ou observamos o rio. Cuidamos das pessoas e corremos ao rio. Entre o rio e a cidade, ficamos com o rio. Na verdade, ao escolhermos o rio, damos vida à cidade, pois, o rio é a razão da existência da cidade. Os bens materiais, substituímos; para o rio não há substituto. Sem o rio, não existiremos. Ontem: eu vi uma folha seca. Não era uma simples folha. Eram muitas folhas secas, estavam abaixo das árvores da Avenida Francisco Lacerda de Aguiar e na Rua Rui Barbosa, em Cachoeiro de Itapemirim. Curioso, nas árvores, não se apresentavam folhas secas, elas estavam verdes, como o esperado e desejado. O vento, de tempo em tempo, derramava as folhas, elas por ação do sol ou pelo calor do nosso asfalto, rapidamente desidratavam. Não só as folhas das árvores comuns, mas as flores menores do Ipê amarelo. Todas juntas aos meus pés. Olhei a mistura de flores e folhas e segui em frente. Busquei o rio Itapemirim no centro da cidade. Era fim de tarde, por vários momentos parava, voltava o olhar ao chão, em alguns instantes eu entristecia: a beleza anterior de folhas e flores pelas ruas da nossa cidade era substituída pelo lixo. A sujeira pela terra deixada pela última cheia do rio e pelo temporal. Caminhei, o rio me alegraria. Após as chuvas torrenciais do fim de dezembro, após vários dias do Itapemirim transbordante, voltamos às preocupações pela seca. Não guardamos a água. Elas chegaram e se perderam em direção ao mar. A folha seca que eu vi ao descer o morro do Gilberto Machado lembrou-me um amor perdido: uma “folha morta”. Era uma imagem triste, uma folha solitária, como uma pessoa que perde uma grande paixão. Entre as folhas secas e mortas sobressaiam-se as flores amarelas dos Ipês, com elas, a esperança do amor sobrevivente.
Em nossa história, a folha seca foi motivo de comemorações. Didi, da seleção brasileira, chutava e a bola fazia piruetas no ar (tal qual uma folha ao vento), ganhava a meta adversária em mais um gol do Brasil. Era a década 50/60 do século passado. As folhas secas, das ruas cachoeirenses, chegaram mais cedo neste ano. Intrigante, está misturada à terra deixada pelas chuvas e pela cheia do Itapemirim. As folhas secas das nossas ruas, por breve instante, lembram uma “folha morta” de um fim de amor. Quando olhamos atentamente, faz lembrar a folha de uma página de livro; quando virada, um novo mundo se apresenta.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Tomás Antonio Gonzaga, em “Marília de Dirceu”, Soneto IV: “Ainda que de Laura esteja ausente,/ Há-de a chama durar no peito amante;/ Que existe retratado o seu semblante,/ Se não nos olhos meus, na minha mente. [...]”

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Caos na Saúde

Há dois meses, escrevi: “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficientes naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. Precisamos de outro olhar: sensível às mazelas em que vivemos em nossos hospitais. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. Algo vai mal e se assemelha ao que passamos no fim do século passado. Em 1999, os portões da Santa Casa de Cachoeiro se fecharam. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. Temos medo de encaminhar nossos pacientes para a Grande Vitória, o caminho é longo, as curvas são acentuadas, já o fizemos anteriormente e muitos não retornaram. “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” É o que nos resta.
Há mais de um mês, escrevi: nada mudou. No absurdo das condições em que atendemos ao SUS, sinto-me como um homem em queda de um prédio de dez andares. A cada momento, o governo diz: “Está tudo bem!” No avanço da queda, ele repete: “Está tudo bem!” Eu percebo se aproximar o chão, nada posso fazer, o trauma é inevitável. Perdi a esperança. A única voz que ouço é a dos pacientes e de seus familiares, uma voz rouca de abandonados pelos cantos dos hospitais. Com o natal, a esperança deveria persistir. É... O silêncio que ouvimos, não anima a saúde do sul do Espírito Santo. 
Hoje: percebo e ouço movimento na área da saúde. Algo confuso. São promessas de um novo Hospital (isto é bom, porém ouvimos promessas anos atrás, e é algo para médio ou longo prazo). A questão atual é da urgência e emergência dos maiores hospitais da região sul. Não se resolve apenas com Boa Gestão, necessita-se de recursos financeiros – estes estão bem abaixo do necessário. Fico com a impressão de um individuo com uma casa antiga e sem garagem, recebe de presente uma Mercedes. Mas, na verdade, necessita de um fusca com o tanque cheio de combustível, para que o leve e traga do seu trabalho. Muitas vezes, no hospital, ficamos assim, com aparelhos e área física novos, mas sem os recursos humanos ou materiais para seu funcionamento.  



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Fernando Pessoa, poeta português, em suas Citações: “Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter, uns para os outros, uma amabilidade de viagem.”

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Rubem Braga: 100 anos

“12 de janeiro de 2013, seu centenário!” Uma exposição no Palácio Anchieta marcou a passagem em nosso Estado. Acho que a exposição deveria ter começado por nossa cidade, na “Casa dos Braga”. Mesmo assim, a exposição foi uma boa iniciativa e, após ser apresentada pelo país afora, aguardamos sua chegada à nossa terra. Quatro livros nos ajudam a entender o escritor e ser humano nascido em Cachoeiro. Amante, como poucos, desta terra, aquele que, fez a crônica tornar-se uma forma literária reconhecida e desejada. Suas fotos lembram um homem “ranzinza”, porém, seus textos desfazem a imagem inicial e fica um ser sensível, capaz de lembrar-se de coisas que só as crianças lembrariam. Coisas do mistério Rubem Braga. Para entender os mistérios de sua personalidade, os livros: “Rubem Braga - Um Cigano Fazendeiro do Ar”, de Marco Antonio de Carvalho, uma Biografia; “Na Cobertura de Rubem Braga”, de José Castello, histórias de seu apartamento, Rio de Janeiro, local para sua privacidade e convívio com os amigos, local para seu jardim; “O Jornalismo Literário de Rubem Braga na Guerra”, de Cláudia Sabadini e Rondinelli Tomazelli, registro do cronista na Segunda Guerra Mundial, junto com a FEB em 1945, e seu retorno após 25 anos, à Itália; “200 crônicas escolhidas de Rubem Braga” uma reunião de seus melhores textos de 1935 e 1977, da editora Record.
            Das “200 crônicas”, algumas sobre a cidade: “Em Cachoeiro”, de 1947, relata o Centro Operário em frente sua casa e da nobreza de Cachoeiro de Itapemirim, por conta de suas pessoas, um maestro da banda local, lembra um lorde; “Histórias de Zig”, crônica sobre o cachorro da casa, enterrado sob o velho pé de fruta-pão do quintal; “Quinca Cigano”, relata os pios de aves da família Coelho na Ilha da Luz e o velho tio, um cigano solitário; “O Cajueiro”, é o relato da carta da irmã mais moça sobre a queda da árvore, lembra que foi em fim de setembro e estava carregada de flores; “Os Trovões de Antigamente”, refere-se aos ecos do nosso vale e como são diferentes os trovões do velho são Pedro, em Cachoeiro; “A minha glória literária”, é o despertar do cronista com suas composições e ironias. Entre as “200 escolhidas”, gosto, também: “A viajante”, trecho desta crônica encontra-se gravada na entrada da nossa Rodoviária. Voltando a Cachoeiro: “Os sons de Antigamente”, lembra do relógio de sua casa, adquirido pela família, o “relógio que não diz coisa com coisa”, como um amigo alertou. O relógio que marcou a morte do pai e da mãe, relógio que, por falta de zelo e da nossa memória, não existe mais.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Fernando Pessoa, poeta português, “Não é verdade que a vida seja dolorosa ou que seja doloroso pensar na vida”, mas Doer: “O que me dói não é/ O que há no coração/ Mas essas coisas lindas/ Que nunca existirão...”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Um pouco de poesia...

De Fernando Pessoa, poeta português, em Citações: “Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente.”

Doce de Leite

Rubem Braga, em uma de suas crônicas, enumerou as “Boas coisas da vida”. Não me recordo se o doce de leite foi incluído na lista. Mas, se não foi, tomo a liberdade e, com muita ousadia, corrijo o deslize. Falo do doce de leite para contar sobre o mineiro de Senhora de Oliveira. Também não sei informar se a cidade ainda existe ou se é mesmo esse o nome da urbe. Na verdade, da cidade pouco sei contar. Digo, apenas, que lá nasceu o amigo Juvenal. O “Juvenal da Selita”. Ele, por muitos anos, foi o responsável técnico da Selita, Cooperativa de Laticínios da nossa cidade e uma referência para todos os capixabas, assim como a Chocolate Garoto no município de Vila Velha. A Selita só precisa melhorar sua distribuição e tornar-se mais conhecida fora do nosso estado para que se apaixonem por seus produtos.  Anos atrás, Juvenal me sensibilizou e instigou quando disse que produziria o doce de leite sem açúcar (diet). Desde que me assumi diabético, vivo a procura dos produtos sem açúcar e os que são substituídos por outro adoçante. O diabetes é uma doença onde o açúcar no sangue (glicemia) mantém-se elevado. Não precisamos esperar sinais e sintomas da doença. Pelo contrário, podemos preservar a qualidade de vida desde que se faça a prevenção das complicações da doença. Em seu início, e por longo tempo, nada sentimos ou percebemos de diferente. Uma evolução silenciosa, assim como a hipertensão arterial sistêmica. O diabetes acontece por falta da insulina - hormônio produzido no pâncreas, ou pela baixa ação deste hormônio nas células do organismo - o que geralmente acontece na pessoa obesa. Pode acontecer em pessoas jovens, as quais, frequentemente, dependem da insulina para o tratamento. E, em pessoas com mais idade, acima dos 40 anos. Pode ser em indivíduos magros (produzem pouco insulina) e em obesos (resistência das células à ação da insulina). Portanto: a história familiar, obesidade e sedentarismo influenciam sua incidência.
            Na maioria das vezes, o controle do açúcar no sangue (glicemia) pode se fazer com mudanças de hábitos - alimentar e comportamental. Sendo assim: o açúcar deve ser abolido; consumo de verduras e legumes incentivados; moderação nas massas (carboidratos) e exercícios físicos regulares. É difícil aceitar mudanças. Porém, acho que a gula, um pecado capital, é mais fácil de moderar. O poeta diria que: difícil é controlar, e moderar, o desejo em uma paixão amorosa. Nesses dois casos (paixão e gula): “Não querer é poder!” Por isso, quando passo na loja da Selita e adquiro o doce de leite sem açúcar, penso: como uma coisa tão simples pode se tornar tão desejada e alegrar meu dia? Talvez não seja só o doce, e sim a magia de quem o fez. Juvenal aposentou-se e encontra-se em sua cidade natal. Mas, com o seu doce diet, ajudou-me a moderar o desejo de consumir a torta de nozes do Belas Artes.


Sergio Damião Santana Moraes

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

MapleBear

Anos atrás, conheci um lindo país. Por mais ou menos duas semanas passeei pela costa leste do Canadá (Toronto, Otawa, Quebec e Montreal), o lado Atlântico. Além de bonito, multicultural. Duas línguas: inglês e francês. Nessas línguas, um pedido de desculpas do primeiro ministro aos aborígines pela truculência dos europeus. Segundo maior extensão territorial do mundo, com apenas 30 milhões de habitantes. Apesar de seis meses por ano estar embaixo da neve e da necessidade da cidade subterrânea, junto ao metrô, um povo alegre e simpático. Encontrei lagos e rios com águas límpidas. Admirei jardins bem conservados, pinheiros e flores diferentes. Conheci alces, florestas e cataratas. Viajei por estradas maravilhosamente conservadas, sem necessidade de privatização, sem cobrança de pedágios. Ouvi sobre o sistema educacional e saúde pública exemplar. O governo devolve o imposto cobrado com serviços básicos e essenciais de qualidade. Quase não vi policial nas ruas, mas sabia e pude comprovar que, quando necessário, eles aparecem de pronto e são implacáveis no cumprimento do dever. Não se pode caminhar com bebida alcoólica em vias públicas. Assisti shows em praças, e a lei era respeitada. Caminhei à noite em Montreal e Toronto, algumas ruas escuras, sentia-me seguro. No retorno da viagem, encontrei Cachoeiro com poluição visual intensa e vários outdoors espalhados pelas vias públicas; jovens sem pernas e braços internados em nossos hospitais, vítimas de acidentes com motocicletas. No caminho de Quebec para Montreal fica a Igreja de Sainte Anne, mãe de Maria. Lembro-me dos sinos bem no alto da torre, penso no poeta inglês Donne: “Nunca mandes indagar por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.” Os sinos dobram por mim e por todos nós. No Brasil, com as mazelas sociais, todos nós perdemos um pouco.

            Agora, em Cachoeiro, a MapleBear é uma boa opção de Escola Infantil Bilíngue de ensino canadense. Quando criança aproveitei a chance dos estudos, isso fez a diferença em minha vida. Acredito na educação como algo modificador da nossa sociedade, mais ainda das crianças. Na adolescência, e na vida adulta, a fluência no inglês me fez falta – não era valorizado nas escolas públicas e continua não sendo. O português e a matemática são fundamentais. Entretanto, com o mundo atual globalizado, fico imaginando um pai ou mãe com condições financeiras, bem como, o setor público - governantes, que não valorizam a iniciação do ensino da segunda língua e sua opções culturais para nossas crianças. Um verdadeiro atraso.  

Um pouco de poesia...

Do poeta português, Fernando Pessoa, das suas citações: “O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: querer a lua como se houvesse meio de a obter.”