domingo, 11 de junho de 2017

Botox

No mundo, em especial na América Latina, a crise para a classe média cada vez mais se intensifica - renda diminuindo e impostos aumentando.  A ansiedade aumenta com a falta de liberdade e democracia em países vizinhos como a Venezuela. Para os mais pobres, nada diferente, apenas o aumento do desemprego com a diminuição da atividade econômica, mais ainda no nosso país. O empobrecimento associado à degradação social nos leva ao medo. Nem mesmo as belezas naturais da região em que vivemos melhoram nosso fado. Para os brasileiros, mais que a mudança econômica, é a mudança cultural que importa. No sertão pernambucano o Jegue foi substituído pela motocicleta. Além de mais poluidora, a motocicleta aumenta em dez vezes o acidente com risco de morte e de sequela definitiva. Com os impostos aumentando, atividade econômica oscilante, insegurança pessoal e em trânsito, mesmo nas regiões do interior, com tudo isso, a preocupação da classe média para com a estética, o cuidado com a pele, músculos e com os excessos de gordura localizada tornam-se supérfluos e artigos de luxo nos dias atuais. Apesar do orçamento doméstico apertado pela dificuldade financeira, o brasileiro tem seus jeitinhos. E existem também, os obsessivos, os narcisos e os que crêem na aparência como integrante do processo para a saúde. Para esses, justifica-se o gasto da reserva da poupança e até mesmo ultrapassar o vermelho do cheque especial com os itens do embelezamento. A beleza não tem preço, acreditam.
Alternativa: conquistar amigos. Por isso, em tempos de crises e valorização da beleza corporal, da estética, o profissional com mais amigos é o dermatologista. Motivo: a sobra do frasco do botox. Dia desses, um conhecido dermatologista recebeu telefonema de um colega médico. Imaginou tratar-se de uma apresentação de algum caso clinico referente à doença de pele. Alguma coisa que pudesse opinar e ajudar. Para surpresa, o colega de medicina se queixava do aparecimento de uma ruga, mais precisamente na testa, entre as sobrancelhas. Sentia-se incomodado com a marca, que se intensificava pela manhã junto com sua imagem refletida no espelho. Dizia já ter clamado por são Bartolomeu, protetor dos dermatologistas, e inclusive, procurado a figura do afresco da Capela Sistina (Vaticano), o Juízo Final, de Michelangelo Buonarroti. Com paciência, o dermatologista ouvia... O colega comentava os novos silicones. Os implantes desnecessários e de risco. Em busca de uma perfeição, as mulheres são capazes de tudo, concluía. Da Lipo tinha uma opinião: com as mortes e infecções observadas recentemente, as mulheres deveriam fazer uma lipoaspiração em cérebro, só assim parariam de pensar “bobagens”. E voltariam à realidade humana. Mas, apesar de externar essa opinião sobre as mulheres e seus desejos relativos à estética e beleza corporal, o médico assustava-se com a própria ruga. Um trauma toda manhã. Queixava-se da ruga e também da marca de expressão em torno dos lábios, da carga de trabalho e dos valores pagos pelos convênios, nas consultas e procedimentos. Após muitas queixas, por fim, fez o pedido. Pediu a sobra do botox. O dermatologista concordou mais pelas queixas e por se tratar de um colega de profissão. Com a concordância do dermatologista, o médico agradeceu e fez seu último pedido. Pediu ao especialista em pele: ”Não dá para reservar uma sobra para minha esposa?”.


 Sergio Damião Santana Moraes

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