segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Advento

Preparação para a chegada do Menino Jesus. A vinda do Natal. Da noite feliz. O Advento está presente nos meses de novembro/dezembro (os quatro domingos que antecedem o Natal). Neste ano, diferente dos anos anteriores, um grande presépio foi montado no centro de Cachoeiro de Itapemirim. Para os Cristãos é a representação do estábulo onde nasceu Jesus – o episódio bíblico do seu nascimento. Segundo São Jerônimo, o presépio em que Maria deu a luz era de barro, provavelmente uma saliência natural de rocha. E de barro são as esculturas, em tamanho real, no presépio da Praça Jerônimo Monteiro. As esculturas são de autoria do artista pernambucano Zezito de Tracunhaém, produzidas em 2006, a pedido de D. Ignez Cola. Por isso, para mim, e para muitos cachoeirenses, foi uma surpresa a leitura do Jornal Espírito Santo de Fato, em 07 de dezembro, quarta-feira, e o destaque: “Ladrões não perdoam nem o Menino Jesus”, a escultura foi roubada do presépio, na noite de segunda. No domingo, um dia antes, ao sair da Banca da Tereza, deparei-me pela primeira vez com a montagem. Além das esculturas e da simplicidade alegórica – reproduzindo com fidelidade o ambiente e as circunstancias da época; observei, também, bem ao lado, uma faixa do Lions Club Frade e a Freira e o pedido para doação de brinquedos para as crianças carentes da nossa cidade. No Advento nos tornamos diferentes, crescemos em espiritualidade, o desejo de doação se eleva. Mesmo que a maldade e a violência se espalhem por nossa sociedade. Ainda assim, o desejo de fazer o bem permanece. No domingo, observei próximo ao presépio, vários pequenos pacotes, as doações aconteciam. Logo adiante, nos Correios, as cartas de crianças com pedidos ao Papai Noel foram respondidas; o Bazar organizado pela Mara Resende, e várias mulheres da nossa sociedade, torna-se um sucesso de solidariedade e o Brechó do Núcleo Feminino da Unimed Sul Capixaba arrecadou mais do que o necessário para a aquisição de óculos para as crianças do ensino fundamental da Escola Florisbelo Neves. As boas ações em nossa cidade vão se espalhando. Por isso, resolvi ignorar a notícia do Jornal. Preferi acreditar no Advento e nas coisas boas que ele anuncia.
À noite, ainda na quarta-feira, ouço o advogado Gustavo, filho de Ariette Moulin. Ele disse, acredito nas palavras da minha mãe: “Não houve roubo. Não podemos roubar aquilo que está por vir. Estamos no Advento. É a preparação para a chegada do Menino Jesus. Ele foi retirado para preservar a fidelidade aos fatos.” Ele completou, seguindo o pensamento da Ariette: Um bom Cristão deve crer. A esperança e fé são nossas virtudes. As virtudes são exercitadas e exaltadas nesses dias natalinos. Pensei: ele retornará. Na noite do dia 24 de dezembro – no Natal, ele chegará. O bom ladrão completará o nosso presépio. E, as coisas acontecerão a seu tempo! Teremos uma noite feliz.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

Do poeta cachoeirense, Newton Braga, em Lirismo Perdido, Liricamente:

“Meu velho lirismo voltou, de repente. / Eu estava distraído, na tarde evanescente, / pensando em coisas vagas, sem motivo, / quando ele veio a mim, triste, emotivo, / a me falar de coisas do passado, / e ficou esquecido, estático, a meu lado./ velho lirismo/...
Eu fiquei quase comovido./ Pensei que houvesse já morrido/... Mas não... Inda não morreu de todo em mim / [...] E, afinal, é bem melhor assim.../ Faz bem este lirismo...”.

Caos na Saúde

“Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficientes naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. Precisamos de outro olhar: sensível às mazelas em que vivemos em nossos hospitais. Mas, com seu olhar modificado, poderá ver em nossos olhos toda angústia e ansiedade. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Em cada cidade sulina existe um hospital filantrópico. Acreditamos em sua sensibilidade, temos esperança de dias melhores. Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. A cada dia, nós prestadores de serviços, percebemos as carências se avolumando e a qualidade do atendimento se comprometendo. A falta de material é crescente. O esforço físico é imenso, a angústia também. É algo a olho nu, não precisamos de números ou estatísticas. Bastam nossos sentidos. Algo vai mal e se assemelha ao que passamos no fim do século passado. Em 1999, os portões da Santa Casa de Cachoeiro se fecharam. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. Temos medo de encaminhar nossos pacientes para a Grande Vitória, o caminho é longo, as curvas são acentuadas, já o fizemos anteriormente e muitos não retornaram. A BR 101 é uma estrada da morte. “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” É o que nos resta.
O texto foi escrito há mais de um mês. Nada mudou. No absurdo das condições em que atendemos ao SUS, sinto-me como um homem em queda de um prédio de dez andares. A cada momento, o governo diz: “Está tudo bem!” No avanço da queda, ele repete: “Está tudo bem!” Eu percebo se aproximar o chão, nada posso fazer, o trauma é inevitável. Perdi a esperança. A única voz que ouço é a dos pacientes e de seus familiares, uma voz rouca de abandonados pelos cantos dos hospitais. Com o natal, a esperança deveria persistir. É... O silêncio que ouvimos, não anima a saúde do sul do Espírito Santo. 


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Newton Braga, poeta cachoeirense, em Lirismo Perdido, “Eu continuo a fazer versos”: “Eu continuo a fazer versos.../ Velha doença que eu apanhei na adolescência,/ quando me deixarás?/ Jamais, talvez.../ E, afinal, é um vício bom, esse de contar a toda gente/ um bocado daquilo que se sente,/ que está dentro de nós... e que não se pode dizer a qualquer um/ porque seria indiscrição, fraqueza, sentimentalismo.../ E eu continuo a fazer versos...”

domingo, 11 de dezembro de 2016

Mistérios

Dos muitos mistérios da minha infância, o que mais me intrigava era o pé da minha avó que não preenchia por inteiro o sapato ou chinelo e, por isso mesmo, consumia a parte lateral dos calçados. Também, as missas e vestimentas franciscanas de Santo Antônio que ela me fazia vestir em 13 de junho e desfilar pelo bairro da Ilha de Vitória. Outros pequenos e grandes mistérios me seguiram na idade adulta. Apesar das muitas dúvidas que minha avó me deixou, a maioria foi com coisas alegres e divertidas.  Uma dessas era a venda de alguns quilos, que a mãe do meu pai, em uma atitude caridosa realizava. Certa vez, ela me achou muito magro, o que era uma verdade, e resolveu me passar algumas gorduras. Com certa resistência entreguei as minhas poucas moedas de um cofre, que guardava com muito zelo e carinho, repassei ao primeiro mendigo que encontrei em frente à nossa casa. Entreguei apesar de ele nada entender, e por isso mesmo nem agradecer, repassei como fora recomendado, com formalidade ao primeiro transeunte, na esperança do ganho de alguns quilos. Para minha tristeza, constatei que as poucas moedas foram usadas no bar da esquina em troca de uma pinga. Acho que a simpatia foi quebrada pela cachaça. Pois, passei toda minha adolescência na magreza. Falava, também, sobre seu santo preferido, Santo Antônio, dizia que nascera em Lisboa, chamava-se Fernando, para os ibéricos significa ardoroso na paz. Transformou-se em Antônio de Pádua, em homenagem à cidade italiana escolhida para viver e morrer.
Nos dias atuais, procuro me distanciar dos mistérios, prefiro as coisas que compreendo e entendo com facilidade. Um assunto instigante é o transcendentalismo. Em certa ocasião acompanhei várias respostas para a transcendência. Entre homens e mulheres houve uma quase unanimidade: Deus, como resposta. Silenciei. Apenas ouvi. Dia desses, apresentei-me a um desconhecido, rapidamente começamos a conversar e logo parecíamos amigos de longa data. A conversa não era inteligente e nem de assuntos complicados, mas fluía sem necessidade de medir palavras, sem preocupação de agradar. Quem sabe a amizade, seja a resposta. Com o horário de verão, desperto ainda na escuridão. Logo, por cima do Itabira o clarão do amanhecer aparece e com ele um vermelhão se apresenta acima dos morros. Assim, presencio um momento especial da natureza, o nascer do dia. Penso... Será isso a transcendência?

Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Czeslaw Milosz: “Em sua essência, a poesia é algo horrível:/ nasce de nós uma coisa que não sabíamos/ que está dentro de nós,/ e piscamos os olhos como se atrás de nós/ tivesse saltado um tigre,/ e tivesse parado na luz, batendo a cauda/ sobre os quadris.”

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Biguás, Lambaris, Garças...

Na beira do rio Itapemirim procuro observar suas margens e o seu leito. Mas, a atenção maior, sempre retorna para o deslizamento das águas. As águas do nosso rio continuam dependentes da ajuda de São Pedro. Acho que o nosso santo padroeiro não anda muito satisfeito com as coisas do Brasil, menos ainda com os residentes em Brasília. Ainda assim, São Pedro não perde a esperança com os cachoeirenses, e envia, de tempos em tempos, uma enxurrada, para a alegria dos pescadores do Itapemirim. Um desses conhecedores do Itapemirim é o torneiro mecânico Dejair Dias Machado. Quando longe da oficina, e da mecânica pesada, procura o rio em sua parte mais serelepe. Ele conhece de perto aquilo que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente sugeriu aos estudantes da cidade. Pediu aos alunos que escolhessem a espécie de animal silvestre símbolo cachoeirense. Sugeriu: Biguá, Macaco Barbado, Sapo de Chifre, Coleiro, Lontra, Robalo, Paca, Chauá, Jaguatirica, Tucano de Bico Preto. Sobre o rio, Dejair me contou: O rio melhorou nos últimos anos, as águas encontram-se mais limpas, de barco desço até próximo à Usina Paineiras, busco a proximidade do mar. Fico bem próximo à foz do rio. Porém, entre o rio e o mar, prefiro o nosso rio. Espontaneamente escolhe a Garça, sem preferência entre a branca ou cinza, uma ave que faz companhia ao pescador. A Garça aguarda, de longe, pacientemente, que seja oferecido o peixe; diferente é o Biguá (Mergulhão), aumentou, em número, com a limpeza do rio, gosta de competir com o pescador na busca do peixe, busca preferencialmente o “Viola”, um peixe que se assemelha a um pequeno “Cascudo”; com tristeza lembra-se da diminuição do Lambari (Piaba); gosta mesmo é do Robalo - um peixe nobre, e ele voltou às nossas águas e bem próximo ao Centro da cidade. Também se apresentam em nosso rio: Tainha, Traíra, Tilápia e Grumatan. “Bicho danado” é o Martim-pescador, mantém distância do rio, e das alturas, com rapidez, mergulha no rio para com o peixe voltar.
O Lambari (Piaba) dos rios brasileiros, do Itapemirim também, na mesa do pescador, anima uma conversa e dá asas à imaginação sobre o tamanho do peixe que por pouco não foi fisgado e outras histórias; o Biguá, a ave aquática “preta” e de dorso cinza, como presente da natureza, lembra os pescadores do Itapemirim, e a todos nós, de agradecer a São Pedro por enviar as chuvas. Nosso padroeiro transforma o leito seco do Itapemirim em um “rio molhado”. Um rio molhado, encharcado pelas águas da chuva, é a alegria dos nossos dias.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia..

De Manoel de Barros, em Poesia Completa: “Na língua dos pássaros uma expressão tinge a seguinte./ Se é vermelha tinge a outra de vermelho./ Se é alva tinge a outra dos lírios da manhã./ É língua muito transitiva a dos pássaros./ Não carece de conjunções nem de abotoaduras./ Se comunica por encantamentos./ E por não ser contaminada de contradições/ A linguagem dos pássaros/ Só produz gorjeios.”

domingo, 27 de novembro de 2016

Cartas e Brechós

“Querido Papai Noel, eu tenho 8 anos, sou filho de um pai preso e uma mãe que usa drogas. Moro com minha avó e minha tia. Sou de família carente, tenho poucos brinquedos, nunca tive uma bicicleta. Mas fico olhando as crianças brincarem e fico imaginando com seria a minha de marcha. Ficarei muito feliz se eu ganhar, preciso também de material escolar para estudar. Muito obrigado! Deus abençoe você!” Foi a carta que retirei nos Correios. Tem um número de registro na parte superior da missiva, através dele localizam o protocolo e o endereço da criança. Um Projeto dos Correios para o Natal de nossas crianças carentes pelo Brasil afora. São milhares de cartas semelhantes a essa. Retire a sua e durante o mês de novembro entregue o presente para a criança que você escolher. Na carta que retirei existem dois pedidos: a bicicleta com marchas e o material escolar. O material escolar vem grifado em amarelo, como se um adulto tivesse corrigido o pedido. Resolvi atender ao pedido como se fosse o verdadeiro Papai Noel, adquiri a bicicleta com marchas, da minha cor preferida: vermelho. Quando criança foi a cor da minha primeira bicicleta, encontrava-me próximo aos 10 anos de idade. Até então, meu pai fazia a opção pelo material escolar, e dizia: “É a riqueza maior que posso te deixar – os estudos.” Quando se aproxima o Natal, dia 25, mudamos. Mesmo racional, optei pelo brinquedo. Mesmo que não seja a solução para o futuro do meu escolhido. Pensei e pedi a Papai Noel: mantenha afastado do meu país, do Brasil, todos os corruptos. Aqueles que desviam o dinheiro público e matam a esperança desta e de muitas outras crianças. Abortam a chance de educação e saúde que merecem. Papai Noel dê firmeza e sabedoria àqueles que julgam e punem esses desgraçados. Eles não permitem nossas crianças sonharem. E nos deixam o pesadelo. Porém, no meio das palavras tristes, identifiquei o início de uma boa redação. No meio da escrita, por um momento, a tristeza desapareceu e, a imaginação, a fantasia, deu lugar a uma bicicleta com marchas.
Bem, além das cartas nos Correios, você pode ajudar, para este Natal, outras crianças. Trata-se do Projeto Vi Ver Unimed. São cinquenta crianças do ensino fundamental de Cachoeiro, Escola Florisbelo Neves, com algum grau de deficiência visual. Foram selecionadas após exame oftalmológico. O Projeto é do Núcleo Feminino da Unimed Sul Capixaba e dos professores da escola municipal. Os óculos serão adquiridos com o fundo arrecadado do Brechó de artigos femininos (roupas, sapatos e bolsas) e masculinos. O Brechó acontecerá no primeiro final de semana de dezembro, no Shopping-Cachoeiro. Na entrega do último óculos, a criança disse: “Mãe, vou poder ver a lua.” Neste mês de novembro a lua estará bem próxima de nós, bem cheia. Mas, para os próximos meses, as crianças precisarão de óculos para enxergar as letras dos seus cadernos e a lua que estará bem distante.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, Alguma poesia, O que fizeram do Natal: “Natal./ O sino longe toca fino./ Não tem neves, não tem gelos./ Natal./ Já nasceu o deus menino./ As beatas foram ver,/ encontraram o coitadinho (Natal)/ mais o boi mais o burrinho/ e lá em cima/ a estrelinha alumiando./ Natal./ As beatas ajoelharam/ e adoraram o deus nuzinho/ mas as filhas das beatas/ e os namorados das filhas,/ mas as filhas das beatas/ foram dançar Black-bottom/ nos clubes sem presépio.”

domingo, 20 de novembro de 2016

Os Diferentes

Nascem prontos os artistas, os gênios. Pronto para nos mostrar a beleza que a vida é ou poderia ser. Nem sempre desfrutam do dom de sua genialidade, de seus encantos. Muitas vezes caminham para a autodestruição sem sentido. Como se a genialidade consumisse o desejo de uma vida terrena. Fugissem do seu tempo. Vivem através das obras, da música, da poesia, dos contos, das idéias, da imagem e da memória de muitos. Nesses, o despertar é bem cedo, na infância ou juventude. Podemos viver muitos anos, viveremos cada vez mais, contaremos muitos anos. Fruto do controle de doenças infecciosas, do uso racional de antibióticos, das vacinas, do saneamento básico e dos hábitos saudáveis. Porém, mesmo assim, a genialidade, o despertar do artista se fará em sua juventude. Assim foi com Einstein, Freud, Carl Jung, Da Vinci, Caravaggio, Cazuza, Pelé, Maradona, Amy, Rubem Braga, Sergio Sampaio...
            Na literatura brasileira, no início do Império, lembro Joaquim Manuel de Macedo. Médico. Conhecido como Dr. Macedinho. Torna-se, aos 24 anos de idade, um dos primeiros romancistas brasileiro. Apresenta, em forma de folhetim, o romance “A Moreninha”. Depois, com as crônicas em jornais da época, passa a explicar e mostrar as coisas dos amores e o cotidiano do Rio de Janeiro. Rubem Braga, em crônicas sobre Artes e Artistas, da Editora Autêntica – 2016, conta a ideia de Gilberto Freyre: “Com o passar dos anos, e já envelhecidos, o poder criativo cresce.” Cita, como exemplo, Pablo Picasso. Rubem concorda com a vitalidade e capacidade laborativa do pintor catalão, quanto à criativa nem tanto. Ele escreve: por volta dos setenta anos, Picasso “parou de inventar moda.” Pintou por mais vinte, porem, sua arte parou de ser subversiva. Seguiu uma rotina. Não via em sua constatação nenhum demérito. Também, nada conclusivo. Logo adiante fala de Carlos Scliar, pintor gaúcho, aos 50 e poucos anos, na prefeitura de Porto Alegre, com seus painéis: mexeu, viveu, e deu uma revirada de mesa.
            Claro que, a falta da genialidade não impede o aparecimento de muitas capacidades. Fica a dúvida de Émil Cioran: “O que eu sei aos 60, sabia aos 20: 40 anos de um longo e inútil trabalho de verificação.” Acho que não. Prefiro Confúcio: “Aos 15 anos, orientei meu coração para aprender. / Aos 30, plantei meus pés firmemente no chão/... Aos 70, eu podia seguir as indicações do meu próprio coração, pois o que eu desejava não mais excedia as fronteiras da justiça.” Estes, com a transpiração, perseverança e disciplina organizam nosso mundo. Mas, é na beleza da genialidade e na loucura das inspirações que nos sentimos humanos. São as loucuras dessas pessoas diferentes que transformam e impulsionam a vida.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, poeta do pantanal, em Poesia Completa, Uns homens estão silenciosos: “Eu os vejo nas ruas quase que diariamente./ São uns homens devagar, são uns homens quase que misteriosos./ Eles estão esperando./ Às vezes procuram um lugar bem escondido para esperar./ Estão esperando um grande acontecimento./ E estão silenciosos diante do mundo, silenciosos./ Ah, mas como eles entendem as verdades/ De seus infinitos segundos.”

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Um pouco de poesia...

Santo Agostinho, Sobre a vida feliz: “Então, minha mãe disse: Se a pessoa quer coisas boas e as tem, então é feliz; mas se quer coisas más, muito embora as possua, é miserável. [...] É menos miserável aquele que não consegue alcançar o que quer do que aquele que quer alcançar o que não convém. Assim é a primeira coisa útil da vida, a saber, nada em demasia.”

Caos na Saúde

“Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficientes naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. Precisamos de outro olhar: sensível às mazelas em que vivemos em nossos hospitais. Muito embora, na verdade, necessitemos mesmo é de um milagre. Mas, com seu olhar modificado, poderá ver em nossos olhos toda angústia e ansiedade. Nós: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, administrativo. Enfim: os profissionais de saúde do sul capixaba. E, principalmente, aqueles que mais sofrem pela insegurança na saúde: os pacientes. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Em Cachoeiro: 03 grandes hospitais filantrópicos (Santa Casa – católico; Hospital Evangélico e Hospital Infantil – espírita) e um hospital do Estado (CAPAAC – psiquiátrico); Santa Casa em Castelo, Guaçuí, Iúna e Casa de Caridade em Alegre. Na grande Vitória: Santa Casa de Vitória e Hospital Evangélico de Vila Velha. No norte do Estado: Santa Casa de Colatina. Há mais de cem anos foi fundada a Santa Casa de Cachoeiro. A população sulina é solidária e altruística, precisa do seu olhar para manter as portas abertas dessas Instituições. Sua origem é sulina, queremos acreditar em sua sensibilidade, temos esperança em dias melhores.
Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. A cada dia, nós prestadores de serviços, percebemos as carências se avolumando e a qualidade do atendimento se comprometendo. A falta de material é crescente. O esforço físico é imenso, a angústia também. É algo a olho nu, não precisamos de números ou estatísticas. Bastam nossos sentidos. Algo vai mal e se assemelha ao que passamos no fim do século passado. Em 1999, os portões da Santa Casa de Cachoeiro se fecharam. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. O medo e a insegurança, na área de saúde hospitalar, se agigantam. Temos medo de encaminhar nossos pacientes para a Grande Vitória, o caminho é longo, as curvas são acentuadas, já o fizemos anteriormente e muitos não retornaram. A BR 101 é uma estrada da morte. “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” É o que nos resta.



Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 6 de novembro de 2016

Um pouco de poesia...

Santo Agostinho, Sobre a vida feliz: “Então, minha mãe disse: Se a pessoa quer coisas boas e as tem, então é feliz; mas se quer coisas más, muito embora as possua, é miserável. [...] É menos miserável aquele que não consegue alcançar o que quer do que aquele que quer alcançar o que não convém. Assim é a primeira coisa útil da vida, a saber, nada em demasia.”

Alhures

Li, certa vez, uma assertiva: Em um bom texto devem constar duas a três palavras cujo significado desconhecemos. Não sei se isto é verdade. É verdade que, quando consultamos o dicionário, e retornamos da leitura, a palavra desvendada enaltece a crônica, o texto ganha corpo e imaginação. Como tomar um bom vinho em uma taça apropriada. Lembro-me de alguns textos. Um deles, anos atrás, falava de “notícias alvissareiras”. Algo sobre a importância da escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada (Rio de Janeiro-2016). Mas, “aí está o busílis”, não pode ser esquecido, pois, assim como foi animador e esperançoso a escolha do Brasil para a Copa e o Rio de Janeiro para as Olimpíadas, as contas e orçamentos das obras de infraestrutura na Cidade Maravilhosa tornaram-se um pesadelo. Perdemos a chance pelo excesso ufanístico. Além da permanência da violência e do mosquito Aedes.
            Pensei em Alhures, pois todos nós, mesmo por um momento na vida, gostaríamos e procuramos estar em outro lugar. Li um conto, do séc. XV, um jovem para fugir a uma punição cumpre uma ordem da rainha, viaja pelo mundo em busca do maior desejo das mulheres. A liberdade foi o que uma senhora centenária sentenciou ao ser inquirida, mas o desejo da liberdade não fica restrito as mulheres. Rubem Alves, escritor e professor paulista, falecido anos atrás, descreve em um dos seus livros o relacionamento entre um menino e seu passarinho. O pássaro mostrava-se feliz com a amizade, das suas andanças pelo mundo sempre retornava com as notícias e através de um canto alegre as contava ao amigo. O menino gradativamente, pela imaturidade e insegurança, se apossa do passarinho por medo dele voar e não mais voltar, o aprisiona em uma gaiola, a mais bela das gaiolas, a mais linda e confortável das redondezas, mesmo assim, a tristeza toma conta do pássaro, ele lentamente adoece e esquece o canto. O menino percebe a tristeza com o aprisionamento e o liberta. Prefere a alegria e a satisfação de um novo encontro, mesmo com a incerteza da volta. Prefere o risco de ficar apenas com as lembranças. A liberdade e o amor devem caminhar juntos. O amor que aprisiona é egoísta. Quando amamos, desejamos voltar sempre, não é necessário corrente. Os liames são afetivos. Afixados na alma. Os elos feitos de ferro enferrujam e se rompem. O amor quando em parceria com a liberdade nunca se encontra alhures. Com o corpo e alma livres, o amor se aproxima. 



Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 30 de outubro de 2016

Um pouco de poesia...

De João Cabral de Melo Neto, em A educação pela pedra, Habitar o tempo: “[...] Portanto: para não matá-lo, matá-lo;/ matar o tempo, enchendo-o de coisas;/ em vez do deserto, ir viver nas ruas/ onde o enchem e o matam as pessoas;/ pois como o tempo ocorre transparente/ e só ganha corpo e cor com seu miolo/ (o que não passou do que lhe passou),/ para habitá-lo: só no passado, morto.”

Tabuada

“2 x 2 são quatro.” Não podemos negar e muito menos esquecer. É um fato. Algo objetivo e esperado. Está escrito na matemática. Um grupo de ciências (aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, cálculos, etc.) que estuda por meio do raciocínio dedutivo as propriedades dos seres abstratos (números, figuras geométricas, funções, espaços, etc.) e as relações estabelecidas entre si. Seu uso nos leva a exatidão rigorosa. Portanto 2 x 2 são quatro. Nem sempre o desejado. Podemos criar expectativas, ilusão em certos momentos da vida, mas na realidade o resultado sempre será o quatro. Para ser diferente, só com magia, em um mundo virtual, um outro mundo. O mundo da fantasia, algo da nossa imaginação. Quando criança, por diversas vezes, viajei por este mundo, hoje não é mais possível.  
Bem... Você pode até querer o número diferente do quatro, a ilusão será temporária, bem pouco tempo, um tempo inexorável, tão certo como a finitude humana. Logo será cobrado pela operação aritmética equivocada e fantasiosa. Pode argumentar: deixo um espaço vazio, posso refazer a qualquer tempo a operação. Acrescentar: na vida temos as coisas subjetivas. Coisas que não explicamos. Aparecem no tempo. É verdade. Ainda assim, um caminho perigoso. Os números não mentem. Deixam marcas. Também é verdade que o tempo não tem a precisão matemática. Menos ainda a exatidão. O tempo faz e refaz. Ele pode somar e multiplicar, diminuir e dividir em momentos diversos de nossas vidas. Mas ele faz e refaz ao seu bem querer. Temos que ter paciência. Porém, temos pressa. Quando criança, minha mãe tomava a tabuada. Enquanto cozinhava, perguntava: 7 x 7. Eu dizia: 49. E, 7 x 8. Eu demorava a responder, engasgava, e ela ajudava: cinquenta... Eu completava: seis. Enquanto ela mexia a panela de arroz, ou de feijão, mostrava um sorriso de satisfação e dizia: parabéns pela resposta certa. Quando perguntava 2 x 2, eu gritava, esta eu sei. Não precisa ajudar. São quatro. Ela completava: não se esqueça nunca. Para toda a sua vida. Em todos os momentos. Viva a conta certa e não se arrependerá. Hoje, ela não pode lembrar a tabuada. Perdeu a memória. Lembro por ela. Em certo sentido, a tabuada, lembrava uma cantilena. Para alguns colegas era uma lenga-lenga, um nhem – nhem – nhem. Na cozinha da nossa casa, junto às panelas de arroz e feijão, nunca pensei assim. Tempos depois, nem sempre o 2 x 2 se apresentava com um resultado claro e evidente. Resultados diferentes apareceram. Lembrava da tabuada e rapidamente refazia a operação aritmética. E a vida voltava ao fluxo esperado e desejado. Vivemos buscando o número diferente, muitas vezes o infinito. As máquinas atuais permitem isso. Tornaram-se perigosas. Prefiro a tabuada da minha mãe. Simples. Sem erro. Não mente. É o que é.



Sergio Damião Santana Moraes

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Um pouco de poesia...

Do líder espiritual tibetano Dalai Lama: “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido.”

Dia do Médico

Dia 18 de outubro. A saúde é um completo bem estar físico, mental e social. Um direito do cidadão e um dever do Estado. É o que está escrito em nossa Constituição, desde 1988. Os transtornos da afetividade/depressões se acentuam. Separar as doenças físicas das psíquicas não é tarefa fácil. Por isso, o exercício da medicina é uma arte. A arte de ouvir, de auscultar, de palpar e agir. Uma profissão mais que milenar. Mística. Desde os tempos remotos. A sabedoria da mitologia grega já nos mostrava o caminho (Asclépio – Deus da medicina, e suas filhas: Higéia - Deusa da medicina preventiva e Panacéia - Deusa para a cura de todas as doenças e males), sabiam claramente que, assim como um pai não pode privilegiar um dos seus filhos, a medicina não deve esquecer a prevenção em favor da cura - a harmonia deve prevalecer. A cristianização acrescentou a caridade. A arte da medicina iniciou-se nas mãos dos cirurgiões e suas habilidades, suas improvisações e suas técnicas cirúrgicas. Associou-se ao poder da observação clínica, muitas vezes simples, como o ato de lavar as mãos e com isso a diminuição das mortes das mulheres no após parto com a diminuição da infecção puerperal. E, evoluiu nos atos anestésicos do fim do século XIX, permitindo as cirurgias modernas. Em 12 de outubro de 1916 nascia Edson Rebello Moreira, pediatra cachoeirense, fundador do Centro de Estudos da Santa Casa de Cachoeiro. Ele tinha a compreensão exata do ser médico.
            Com a evolução da medicina, sua alta tecnologia, não é mais possível recuperar a imagem retratada em quadros: um leito domiciliar, um moribundo e ao seu lado um médico. A morte não é mais permitida nas residências, nos transferimos para os leitos das Unidades de Terapia Intensiva com os aparelhos de respiração e monitores. Aceitarmos a finitude humana, a morte é inevitável, é uma oportunidade de vivermos em paz. Ainda assim, é possível a profissão médica ser exercida baseada na relação humana dos sentimentos. Por mais que pareçamos frios, nos alegramos com o sorriso de uma criança ou adulto recuperado. Mesmo quando cansados de plantões e dias acumulados de trabalho. O aforismo hipocrático deve nos acompanhar: “Curar quando possível; aliviar quando necessário e consolar sempre.”



Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 16 de outubro de 2016

Um pouco de poesia...

De Manuel Bandeira, em Libertinagem – Estrela da Manhã, “Trucidaram o Rio”: “Prendei o rio/ Maltratai o rio/ Trucidai o rio/ A água não morre/ A água que é feita/ De gotas inermes/ Que um dia serão/ Maiores que o rio/ Grandes como o oceano/ Fortes como os gelos/ Os gelos polares/ Que tudo arrebentam.”

Tarde Chuvosa

Desci o morro do Gilberto Machado em direção à beira do rio, final de semana diferente em Cachoeiro de Itapemirim, o sol se ausentava do nosso céu desde o início da tarde, nuvens escuras tomaram seu lugar, o horizonte, sem o sol, encontrava-se negro. Tão logo alcancei a Ponte de Ferro, no centro da cidade, uma chuva fina se apresenta. Pensei em retornar ao apartamento... Após breve hesitação, resolvi prosseguir. Mantive o passo junto ao leito do rio. Ele, o rio, nos leva a isso, seguir em frente, é o seu destino, sua sina. Segui em direção contrária, segui em direção à Ilha da Luz; ele, em direção ao mar. Após alguns metros, as gotas das águas que desciam das nuvens intensificaram-se, encharcando meu corpo, turvavam minha visão como lágrimas em momentos de êxtases. Apesar da intempérie, fixei meus olhos nas coisas do rio, seu leito e margens. Na calçada da beira do Itapemirim apresentavam-se poucos transeuntes. A chuva afastava as pessoas. Eu, ao longe, tinha como companhia a garça e o mergulhão. Destacavam-se, no centro do rio, as penas esbranquiçadas da garça, contrastavam com o negro do mergulhão e o verde das águas. Apesar da determinação nos passos, não era o que esperava para o fim de tarde do sábado, procurara o lazer, encontrei o frio. No corpo, as roupas molhadas; na mente, as dúvidas; perguntas diversas de uma vida toda - passado e presente. Buscava respostas nas águas da chuva que se encontrava com as do rio modificado. Permaneci como antes. Caminhei com a chuva, não sabia dizer sobre o momento diferente (ora aproveitava as gotas das águas; ora pensava em fugir). A chuva, diferente do sol, nos faz sair da inércia quando incomoda de imediato, muda temperatura do corpo e altera emoções. Mas: era aquela chuva; outras chuvas, em um lugar distante de Cachoeiro, não tiveram o mesmo efeito. Cachoeiro me leva a pensar. Talvez, pela presença das coisas conhecidas à minha volta ou pela intimidade com as águas do seu rio. Enquanto pensava, a chuva acariciava minha face, preenchia o leito do rio e gradativamente emoldurava o Itapemirim.
             No domingo, bem cedo, o frescor do sol, sua claridade e luminosidade, se apresentaram no céu de Cachoeiro. O rio mais encachoeirado, límpido, com ruídos fortes e sons inebriantes, festejava os seus pescadores. Ele exibia a brancura das garças e os mergulhões garantiam a pureza das suas águas. Voltei aos passos pela calçada, carregava as dúvidas do dia anterior. No domingo, não pensei, apenas apreciei o nosso rio e deixei as respostas para uma próxima chuva.




Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 9 de outubro de 2016

Um pouco de poesia...

De Pablo Neruda, em Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Isto é simples: “Muda é a força (me dizem as árvores) e a profundidade (me dizem as raízes) e a pureza (me diz a farinha de trigo). Nenhuma árvore me disse: ‘Sou mais alta que todos.’ Nenhuma raiz me disse: ‘eu venho de mais fundo.’ E nunca o pão disse: “ Não há nada como o pão.”

Outubro rosa/Novembro azul

Tratamos mal nossas crianças e mulheres. A sociedade, mesmo com toda evolução tecnológica, ainda assim, não cuida. As agressões são diárias, e a todo instante, no Brasil e mundo afora, mais ainda na África e na Ásia. Por isso, considero significante a escolha da paquistanesa (Malala) e do indiano (Satyarthi) para o Prêmio Nobel da Paz de anos atrás. Ela ousou ao denunciar o sistema e pedir escola para todas as meninas do seu país; ele dedicou mais da metade dos seus 60 anos na luta pela libertação de crianças de trabalho escravo. Em Cachoeiro e em cada município brasileiro a preocupação deve ser diária, pois as agressões físicas e psicológicas às nossas mulheres são enormes e a ignorância masculina para com elas e para com seu próprio corpo é crescente. Medidas simples como exercício diário, alimentação balanceada e não fumar são negligenciadas. Esperamos sempre pelo novo remédio. Pelo milagre da cirurgia... No Brasil, na América e nos países europeus, há vários anos o outubro veste-se de rosa. Uma cor significativa em beleza. O Câncer de Mama é destacado - sua prevenção e tratamento precoce em busca da cura. Porém, desejamos muito mais que a procura do nódulo. As mulheres necessitam da liberdade, da perda de preconceitos, da conquista da autoestima, da prevenção de outras doenças, a defesa contra violências... A mulher, neste mês, e em todos os meses, deve se olhar, tocar e sentir o próprio corpo, valorizar não só a estética, a beleza externa e aparente, mas também a harmonia do corpo e alma. No novembro azul, a cor forte da prevenção e detecção, também precoce, do Câncer de Próstata. Uma glândula pequena, própria do homem, onde armazenamos espermatozóides e partilhamos vidas.
Mas, se valorizamos o rosa do outubro e o azul do novembro, não podemos esquecer o restante dos dias do ano. Algo próprio do brasileiro: emoção. Somos emotivos; esquecemos da solidariedade. Ficamos na superficialidade das coisas. O que nos falta para despertar enquanto Cidade, Estado, País e mundo civilizado? Acho que devemos fugir da superficialidade. Aprofundarmo-nos nas causas, nos envolvermos nos problemas sociais e públicos. Pintamos o corpo de rosa, vestimos azul, colocamos faixas em sacadas de prédios públicos e privados, iluminamos o Cristo Redentor e... tapamos os olhos para o restante das mazelas para com as mulheres. Valorizamos exames radiológicos de última geração para detecção de nódulos em mamas e esquecemos rapidamente as mulheres mortas em clinicas de abortos clandestinos; esquecemos que mulheres são espancadas em suas residências. Necessitamos, sim, do outubro rosa e do novembro azul: homens e mulheres sem diferenças, se prevenindo de doenças. Não podemos esquecer que nos meses seguintes as mulheres morrerão por causas que não queremos ver, pensar ou discutir. Precisamos conversar sobre os outros meses do ano não tão coloridos.



Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 2 de outubro de 2016

Um pouco de poesia...

Do poeta moçambicano, Mia Couto, em poemas escolhidos, Saudade: “Magoa-me a saudade/ do sobressalto dos corpos/ ferindo-se de ternura/ dói-me a distante lembrança/ do teu vestido/ caindo aos nossos pés...”

Saudade

Saudade dói. A dor não é física. Não tem ponto de localização no corpo. Ela se apodera do pensamento, da mente, das lembranças... Invade a visão do presente e parece que se perpetuará no futuro. A angústia é imensa. O medo também. Medo de sofrer. A saudade dói. Chega devagar e de repente se agiganta e ocupa todos os momentos da vida. Mesmo dos instantes do cotidiano. Buscamos o tempo. O tempo é o remédio. Um paliativo. Não existe cura para a saudade. Deixamos o tempo agir. Ele abranda a dor. Alivia a angústia. Cicatriza feridas. Ele age lentamente. Não é um tempo instantâneo. Para algumas saudades, o tempo parece tomar a forma infinita. O tempo, apesar de cicatrizar feridas, ele deixa a memória, e da memória as lembranças, e o lembrar traz a dor. Incomoda o viver. Viver passa a ser dependente do esquecimento. Esquecer, apagar uma memória, não depende da razão, depende dos nossos sentidos, e este, não dominamos totalmente. Depende do desejo, e o desejo é mais forte que o querer racional. Tenho saudades. Às vezes me pego triste, melancólico. São saudades... São muitas as fontes da saudade. Ela é parente do amor. Só sentimos saudades daquilo que amamos, do que desejamos. A saudade vem dos sentidos. Sentimos saudades do cheiro, do tocar, do ouvir, da voz, do gosto, do perfume... Das coisas que nos alegram e nos faz viver. A defesa para não sentir saudades, para não sofrer, é não amar; não desejar. Mas como não amar? Seria um não viver. Portanto, viver é sofrer. Viver é ter saudades. E ter saudades é sofrer. Somos fadados a sofrer. Os que amam, sofrem. Sofrem os pais, os filhos, os enamorados... A saudade aparece em um ponto de ônibus, em uma estação de trem, em uma rodoviária, em um aeroporto, em uma avenida, em uma rua, estacionamento... Ela se manifesta no olhar, na mão levantada do adeus, nas lágrimas da face ou na voz arrastada. Sofrem os que ficam no fim de uma cerimônia de sepultamento; no fim de um relacionamento; na viagem de um parente próximo. A saudade não esclarece a razão. Ela apenas se manifesta. O tempo e a não lembrança são os remédios.
Na primeira vez que presenciei uma dor fantasma, não entendi. Não entendia como uma dor podia se manifestar em um membro que não mais existia. Hoje, entendo. É a saudade. É a mesma saudade daquilo que não possuímos mais. Na dor fantasma, eu não entendia como ele podia se queixar, dias após a amputação, de dor mais forte do que quando o membro gangrenado estava unido ao restante do corpo. O cérebro, na dor fantasma, lembrava da parte do corpo retirada. Sentia saudade de parte do corpo. A dor não pertencia à razão, não era consciente, era sentida pelas lembranças de seus neurônios. O cérebro sentia saudade daquilo que um dia lhe pertencera. Assim nos apresentamos nas perdas. A saudade dói, incomoda como se parte de nós não mais existisse. É preciso reconstruir a parte perdida. Existem pedaços em nossa volta que podemos juntar e assim abrandar a saudade.



Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 25 de setembro de 2016

Um pouco de poesia...

Do moçambicano, Mia Couto, em poemas escolhidos, Flores: “Ninguém/ oferece flores./ A flor,/ em sua fugaz existência,/ já é a oferenda./ Talvez, alguém,/ de amor,/ se ofereça em flor./ Mas só a semente/ oferece flores.”

Prisioneiro do Mar

Encontrava-se agitado. Não conseguia comunicar-se com as pessoas em sua volta. Sentia-se distante, solto no ar, no espaço, no universo. Na mente, buscava o infinito. Talvez fosse essa a explicação para a escolha de sua moradia preferencial - o mar. Em alto-mar sentia-se livre. A pesca aliviava suas tensões, apagava seus conflitos e acalmava seu espírito. Fora dali não o entendiam. Em terra firme, confiná-lo no manicômio foi a solução. Em terra firme incomodava a sociedade. Amedrontava os vizinhos e envergonhava os familiares. Internado permaneceu. Longo tempo, dias, meses... Tão longo que perdera a noção do dia e da noite. Não entendiam suas necessidades e carências. A cada agitação, a cada grito, mais reação. Remédios, novas drogas. Falava, mas não escutavam. Pedia ajuda, chamava pela mãe, pai, irmãos, não era atendido. Não ouviam o grito dos excluídos mentalmente. Foi esquecido pela sociedade, pela família. Continuava gritando, cada dia mais forte. Cada dia mais alto. Quem sabe assim passariam a ouvi-lo. Agredia. Procurava chamar a atenção. Algo incomodava. Eram lembranças estranhas. Em sua memória não enxergava a mãe, não encontrava o pai, nem identificava os irmãos. Em suas lembranças encontrava-se sozinho. A solidão assustava.
Os remédios ajudaram por um breve tempo - curto tempo. Suficiente para rotularem como melhoras - a volta da lucidez e a normalidade. Logo percebera a realidade. Enxergava no pátio a presença de muitos pais, muitas mães, muitos irmãos, menos os seus. Foi o bastante. Uma nova onda. Novos tremores. Nova agitação. Amarrado, contido no leito, permaneceu. Os remédios não mais aliviavam a tensão, agitava-se mais e mais. Sentia saudade; sentia saudade do mar. Temia o choque. Uma alternativa terapêutica já experimentada. Queria o mar. Temia o choque: crescera com ele. Desde a adolescência sentira o choque das agressões físicas. Crescera com as agressões físicas dos pais. Crescera com o desprezo dos pais. Buscava o mar. Queria o mar de sua infância, da sua adolescência. Queria tocar a areia branca e quente, queria caminhar em direção à onda do seu mar. Sonhava... Ele criança sendo carregado pelo irmão em areia macia, branca e quente. Sonhava com os pais... Nunca entendera as agressões sofridas em casa. Não aceitavam suas diferenças. Era diferente das outras crianças, dos irmãos e dos outros adolescentes. E agora, dos outros adultos. Tornara-se um adulto diferente. Procurava uma razão: não encontrava. Uma explicação: nada, só o silêncio. Procurou ajuda, não encontrou. Encontrava-se sozinho, solitário. Tentava falar: não era ouvido. Por fim, buscou o mar, bem no fundo. Onde morava a melhor lembrança. Foi acolhido.

Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

Sonetos Portugueses, Fernando Pessoa: “Em torno a mim os mortos esquecidos/ Volveram todos. Eu em sonho os vi./ Se os amei, como foi que os esqueci?/ Se os esqueci, como foram queridos?/ Rápida vida, como os fizeste idos!/ Com que fria memória os lembro aqui!/ Já desleixo chorar o que perdi,/ Lembro-os longe da sombra dos sentidos./ Quando os perdi, pensei: Cada momento/ Me lembrará sua presença morta,/ Eterna em meu constante pensamento./ Mas lentamente a vida fecha a porta./ Fechada toda, o olhar está desatento./ Para longe de Deus quem me transporta?”

Sociedades Secretas

Existem desde os primórdios da humanidade. As crenças místicas de muitas sociedades secretas se baseavam nos ensinamentos herméticos. Isto é, o mundo material é um reflexo do espiritual. É a ideia básica do esoterismo dos antigos egípcios, do gnosticismo, da cabala. Para os egípcios, Osíris foi o Deus que transcendeu a morte e por isso relacionado a todos os aspectos de suas vidas (Ele julgava o morto conforme suas ações terrenas – estimulava o desenvolvimento da consciência ética e as normas de boa conduta). Os ritos de iniciação secreta grega eram estreitamente ligados às ideias de vida após a morte, pretendiam assegurar uma existência feliz após a passagem terrena. Três eram os mistérios gregos: Eleusinos, Dionísicos (Baco) e Órficos. Para os gregos, Dionísio era o Deus da alma, das árvores e da vida. O pinheiro é o que o melhor representava. Os Órficos acreditavam na metempsicose e em recompensas e punições para o espírito, conforme os méritos ou não em pessoa física. A filosofia grega foi um processo pelo qual, as concepções religiosas originais do Universo e mitos foram crescentemente racionalizadas. Os Essênios: uma antiga e obscura comunidade religiosa judaica, uma possível relação com Jesus e seus ensinamentos. Em 1947 foram descobertos os manuscritos do Mar Morto. A Gnose remete aos primeiros cristãos, aos retiros dos ascetas que se isolavam na Palestina e Egito em busca de conhecer Deus (a busca da centelha divina - a luz que nos habita). O gnosticismo foi influenciado pelo Zoroastrismo da Pérsia. Grande parte dos gnosticistas místicos eram ligados a Tiago -  irmão consanguíneo de Jesus. Pitágoras, filósofo grego, exerceu enorme influência no pensamento ocidental. Mais ainda na Renascença. Para o pitagorismo a essência das coisas é o número, as relações matemáticas. Dizia: “Deus usa a matemática para escrever o Universo.” A matemática, geometria e a música são a base da expressão do pitagorismo.
Poucas ordens religiosas foram tão envolvidas em mistérios como a Ordem dos Cavaleiros do Templo de Salomão ou dos Templários. Fundados na França durante a primeira Cruzada para tomar Jerusalém dos muçulmanos (1095-1099). No séc. 14, devido a Inquisição, dispersaram. Mas, por toda Europa, difundiram suas tradições místicas, inovações arquitetônicas (construção de Catedrais) e conhecimentos navais. O último Grão-Mestre Templário foi Jacques DeMolay. A maçonaria não é uma sociedade secreta. Pois, possui registro civil, local para suas reuniões, seus membros são conhecidos e respeitados na sociedade. Também, não é uma religião. Ela é uma sociedade iniciática (transmite seus conhecimentos e ensinamentos de forma organizada para aqueles que assim o desejam). Tem como objetivo a evolução social de toda humanidade, com tolerância às diferenças.


Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Um pouco de poesia...

Do poeta cachoeirense Newton Braga, em Lirismo Perdido, “O mal que te desejo”: “Bem sabes que, se um dia, na estrada da vida,/ o destino me destacasse entre os humanos,/ como um eleito sobrenatural,/ e colocasse ao alcance de minhas mãos vazias/ a flor raríssima e sonhada/ que os homens chamam de felicidade,/ eu a colheria, carinhosamente,/ e iria depositá-la a teus pés,/ como oferenda de meu pobre amor./ [...] No entanto, eu te desejo um mal,/ eu te desejo um sofrimento enorme, sem remédio:/ - perdoa: que tu sentisses, de mim,/ a saudade que sinto de ti.”

Setembro Amarelo e Verde

Setembro é um mês diferente. Inicia a primavera, lembra as flores. Lembrança da pintura do florentino Sandro Botticelli e o Nascimento de Vênus.  A deusa do amor e beleza em uma concha sobre as espumas do mar em meio às pétalas de rosas. Em Cachoeiro, mês dos ipês e flamboyants, mudanças de cores e nas nossas emoções. Coisas subjetivas, que nos leva a pensar na vida. Nada mais oportuno que, usar este mês para campanhas pelo Brasil afora: prevenção do suicídio (Setembro Amarelo), isto é, evitar a morte; e, também, o Verde para doar órgãos e tecidos (órgãos sólidos – rim, coração, pulmão, fígado; tecidos e células – doação de sangue e córnea). Setembro Verde para promover a vida. Setembro nos faz solidários. O altruísmo, devido o amor e beleza, fica à beira da pele. Com isso pensamos no outro, em sua angústia, sua dor não física, seu desespero. O suicídio é uma causa de morte traumática crescente em todo o mundo, no Brasil inclusive. As causas são variadas: doenças psiquiátricas (depressão, esquizofrenia, transtorno do humor), causas comportamentais e estilo de vida, dificuldades financeiras, uso abusivo de álcool e outras drogas...  O suicídio tem o preconceito como um dos maiores obstáculos para diminuirmos sua incidência. A sociedade, bem como os familiares do suicida, se esconde. Não se conversa sobre o assunto. Interessante que, ao falarmos com uma pessoa que tentou o suicídio, horas ou dias depois do acontecimento, ele ou ela não mais manifesta o desejo de ceifar a vida. Porém, não é uma garantia de que as tentativas não mais acontecerão. Pelo contrário, logo em seguida a uma tentativa, são momentos que devemos ficar mais atentos. Familiares e equipe de saúde mental devem aumentar a vigilância. Que o amarelo das pinturas de Van Gogh, um artista que ceifou a vida, nos alerte sobre a prevenção. No Brasil, o dia do alerta é 10 de setembro.
Além de Amarelo, o mês é Verde. Mais que prevenir a morte, podemos doar vida, mesmo após a morte. A doação de órgãos e tecidos permite isso. Ainda que a paralisação completa da circulação e até do coração aconteça. A vida pode ser estabelecida em outra pessoa. Uma obra maravilhosa dos homens. A ciência em favor do corpo humano. Por isso, a comemoração em 27 de setembro, dia de Cosme e Damião, os Santos católicos, protetores dos transplantados, considerados os primeiros médicos a realizar um transplante. Um milagre da idade média. A vida em vida: doadores de sangue. Esquecemos, frequentemente, que essa é uma das ações mais solidárias. A doação em vida, doar sangue para parente próximo ou para um desconhecido e rim para um parente. Depende da nossa vontade.  A doação de outros órgãos, após a morte, depende de manifestar o desejo em vida e comunicar aos familiares. Portanto a ação solidária é parte da nossa consciência. Depende de nossa decisão. A doação de córneas deve ser incentivada. Permitir a recuperação da visão do amarelo e verde. Enxergar o Outubro Rosa, Novembro Azul e o branco da paz de dezembro, janeiro...



Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Um pouco de poesia

De Florbela Espanca, poetisa portuguesa do início do século XX, “É um não querer mais que bem querer”: “São mortos os que nunca acreditaram/ Que esta vida é somente uma passagem,/ Um atalho sombrio, uma paisagem/ Onde os nossos sentidos se poisaram./ São mortos os que nunca alevantaram/ De entre escombros a Torre de Menagem/ Dos seus sonhos de orgulho e de coragem,/ E os que não riram, e os que não choraram./ [...] Sobem-me aos lábios súplicas estranhas.../ Sobre o meu coração pesam montanhas.../ Olho assombrada as minhas mãos vazias...”

Vi Ver Unimed

 As ações sociais, o comprometimento comunitário de uma empresa, tornam-se essencial em nosso país. Uma realidade em empresas do mundo inteiro. Em nossa região a Cooperativa Médica Sul Capixaba - Unimed se sobressai nos 30 municípios sulinos. Em Cachoeiro de Itapemirim, nos últimos meses, o Núcleo Feminino Cooperativista se destaca. As mulheres – médicas, colaboradoras e esposas de médicos cooperados vão fazendo a diferença. Um projeto chama a atenção, significativo para as crianças, e de grande alcance humano e social: identificar crianças do ensino fundamental com deficiência visual. Um trabalho das mulheres da Cooperativa Médica Sul Capixaba em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. Realizado, inicialmente, na Escola Florisbelo Neves – Novo Parque. Com o apoio da diretora (Elisângela Chamon) e professores da Escola Florisbelo, após treinamento dos mestres, foram triados 449 alunos e identificadas 58 crianças para consulta oftalmológica na Unimed. O Grupo Unimed (Médicas: Fabiola, Delmontina, Stélida, Ermelinda e Regina; Esposas de cooperados: Paula e Marilza; Colaboradoras: Paula Matielo, Fátima Chicon, Rita Martins, Janete, Paula – da Casa do Cooperado e Aline) vão se revezando nos cuidados às crianças. Parece que, cuidar de outra pessoa, doar o tempo que muitas vezes não temos, satisfaz mais a quem cuida do que a quem é cuidado. No dia a dia, doa quem não tem tempo; aqueles que o tem, perde-se em divagações que o leva a angústia. Os sem tempo aproveitam cada minuto, cada segundo, e os transforma em ações. A retribuição não é em palavras, e sim, em olhares, um olhar de gratidão. Uma das primeiras crianças a receber o óculos apresentava uma deficiência visual importante, até então não identificada, quando recebeu as lentes, disse: “Mãe... Eu vou poder ver a lua!” Era um final de tarde, a noite se chegava, com o crepúsculo, o céu apresentava as primeiras estrelas, a lua se insinuava. Da varanda do auditório da Unimed, ele enxergou a lua em detalhes e se encantou. Naquela noite encantada, ele sonhou com o satélite e com o restante dos astros. No dia seguinte veria com nitidez as letras do seu livro.
Os projetos sociais, de forma particular ou de empresas, não são fáceis de manter. Muitos são os empecilhos: amadorismo, relacionamentos conflituosos, até as coisas do ser humano – invejas, intolerâncias... Coisas que não deixam o bem se concretizar. Mas, de tudo, acho que a motivação, o altruísmo, deve se impor. A ação social existe pela necessidade do ser humano em realizar o bem. Agir como o colibri em um incêndio de floresta. Em seu bico uma gota d´água. Não importa o tamanho da ação, e sim, o que ela desencadeia nos nossos sentimentos e nas outras pessoas. Assim como a criança demonstrou satisfação em ver a lua. Quando criança, junto ao meu pai, eu pedi: Pai... Ajude-me a enxergar o mar! Foi quando despertei para a beleza das coisas da vida.



Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Um pouco de poesia

Do poeta cachoeirense, Newton Braga, Lirismo Perdido: “Esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas.”

Olimpíadas

Os jogos olímpicos, no Brasil, se foram. No domingo, 21 de agosto, a chama olímpica se apagou. O Rio 2016 foi um sucesso aos olhos do mundo. Inclusive aos olhos de muitos da imprensa internacional que questionavam a capacidade brasileira para a realização dos jogos. As imagens transmitidas em televisores do mundo foram de céu limpo, sol forte e praias de areias irradiantes. Confirmando em quadras, ginásios e estádios o sucesso olímpico. Mas, aos nossos olhos, em olhar minucioso, o que restou? Ao fim, o que nos trouxe os jogos olímpicos? Obras de infraestruturas, exposição de belezas naturais, capacidade superativa de atletas e organizadores. Tudo restrito a uma cidade, e também, a um custo muito alto. Nos jogos e nas obras estruturais a confirmação do “jeitinho” brasileiro de fazer as coisas, algo que devemos mudar. Socialmente, não avançamos. Parecia uma festa para uma pequena parte da sociedade. Os jogos olímpicos – Rio 2016, expos toda nossa contradição. Por causa dela aparentamos um povo feliz, alegria a flor da pele. Vivemos com a angústia. E instalamos farmácia em cada esquina. Nas ruas, avenidas e morros a guerra civil não declarada oficialmente. Pelas ruas do Rio de Janeiro o medo. Em poucos segundos, em uma falha de aplicativo de celular, uma curva, uma ladeira ou em um morro: um tiro e uma morte. No mundo virtual dos jogos televisivos, as cores bonitas dos uniformes dos atletas; pelas ruas e morros o sangue de mortes evitáveis. Permaneceremos, após os jogos olímpicos, em um mundo real de nossas cidades: reféns das desigualdades sociais, geradoras de morros e periferias que assustam nossa vida diária e nos leva ao medo permanente. A música, a dança, toda nossa riqueza cultural apresentada na abertura dos jogos olímpicos, tão admirados por nós e o restante dos povos, mundo afora, não serão suficientes para acabar com nosso medo. Valeu a pena sonhar? Pelo que nos espera nos próximos meses em mundo real brasileiro? Não sei.

O conflito é imenso. Parte de mim, no Centro do Rio de Janeiro, mesmo com toda sujeira da Baía de Guanabara, com a retirada do concreto da Via Perimetral, e um olhar mais atento nos museus – Arte do Rio (MAR) e Museu do Amanhã (arquitetura lindíssima), diz que sim, valeu a pena. Contudo, a razão, aquilo que nos inquieta a mente e nos leva a pensar, questiona a todo o momento: para tornar a região portuária carioca tão bela, e bem cuidada, precisávamos de uma Olimpíada? Precisávamos gastar tanto? Acho que não. Os homens do serviço público e do mundo político acharam que sim. Precisavam. E deixaram uma conta imensa. Restam-me os Deuses olímpicos para reclamar. O Cristo Redentor é carioca. Certamente se encantou com a festa e a Olimpíada. Vigia e protege as belezas naturais e as coisas da Cidade Maravilhosa. Não vai querer ouvir as queixas do capixaba.

Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Um pouco de poesia ...

Do poeta, contista e romancista moçambicano, Mia Couto, Idades: “No início,/ eu queria um instante./ A flor./ Depois,/ nem a eternidade me bastava./ E desejava a vertigem/ do incêndio partilhado./ O fruto./ Agora,/ quero apenas/ o que havia antes de haver vida./ A semente.”

A flor do deserto desabrochou!


A planta que presenteei Fabiola, minha esposa, em maio, dia das mães, chama-se “Flor do Deserto”. Na verdade, quando a encontrei, ainda não era uma flor. Quando a vi, em Vila Velha, sob a ponte que liga a cidade Canela Verde com Vitória, em floricultura bem junto às águas salobras da nossa baía, a jardineira me contou, e eu relatei em crônica de meses atrás, que daquela planta que me encantara nasceria belas flores. Com o encantamento, confiei em sua floração, e a jardineira confirmou: “Sob o sol de Cachoeiro de Itapemirim, aparecerá uma linda flor. ” Porém, por dias, e depois meses, a decepção foi grande. Dia após dia, de manhã bem cedo, antes do alvorecer, buscava a planta e nada diferente encontrava: nenhum sinal da floração. Mas, agosto chegou, ainda com a timidez do sol e com os fatos ruins da nossa história – história do Brasil. Contudo, para minha surpresa, ela escolheu esse mês para desabrochar. Acho que foi um presente dos céus. Uma influência do meu pai. O mês do seu aniversário.
Quem sabe a beleza do texto da cachoeirense Kelly Wandermuren Thompson, advogada, e estudante de psicologia da São Camilo, possa explicar a razão do desabrochar: “Hoje, e não ontem, nem o amanhã. Apenas hoje, em presença infinita. Um lapso de 24 horas. Hoje, em que se vive o agora, sem pressões ou projeções. Instante, marca indelével do momento sentido. Momento escultor de imagens que amanhã já esquecerei. Hoje que não quer renovação, não quer mudança, apesar de saber que elas virão, ainda assim, fulgura nas certezas da esperança. Hoje, somente hoje, desejosa calmaria me invade. Traz a sensação da transcendência que ultrapassa o gotejar do tempo. Quando nesse hoje, o tempo já não importa, a ponto de ser esquecido ou desprezado, ele se eterniza em encontro marcado nas lacunas das palavras não ditas. Basta o silêncio que se adianta com a paz. Um amanhã sereno e livre de preocupações. ”
Pela manhã eram três brotos. Durante o dia: sol forte. À noite um dos brotos desabrochou e uma linda flor se apresentou. Diante da flor e dos dois brotos vermelhos da flor do deserto: eu permaneci, em silêncio. Naquele instante, deixei o pensar e as palavras para outro dia. Preferi o prazer do momento. O prazer da imagem. O desabrochar da flor, a leitura do texto, o vermelho em minha retina, me fez esquecer as preocupações do futuro.

Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Um pouco de poesia...

De Álvares de Azevedo, em Lira dos Vinte Anos, Lembrança de Morrer:

“Quando em meu peito rebentar-se a fibra,/ Que o espírito enlaça à dor vivente,/ Não derramem por mim nem uma lágrima/ Em pálpebra demente./ E nem desfolhem na matéria impura/ A flor do vale que adormece ao vento:/ Não quero que uma nota de alegria/ Se cale por meu triste pensamento. [...] Só levo uma saudade – é dessas sombras/ Que eu sentia velar nas noites minhas.../ E de ti, ó minha mãe! pobre coitada/ Que por minhas tristezas te definhas! [...] Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz, e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida....”

Boatos

“Está correndo um boato de que você morreu. Confirma?” Respondi: estou bem vivo. Um abraço. “Graças a Deus. Cambada de gente para inventar coisas. Quando me falaram levei um susto tão grande que meu coração disparou.” O diálogo aconteceu através de mensagem do WhatsApp, no domingo à noite. O boato iniciara-se na terça-feira. Quando recebi a mensagem fiquei em dúvida sobre o “confirma”. Desejava confirmar minha morte ou o boato? Bem... Achei melhor afirmar que estava vivo, portanto, a morte era um boato. Agradeci pela preocupação que demonstrava. De terça a domingo, nos cinco ou seis dias da semana, foram intensos em notícias. Mais ainda, por serem em comunicação instantâneas, aleatórias – mensagens online não confirmadas.  Apesar do tamanho da nossa cidade, onde as informações podem ser mais bem verificadas, ainda assim, os desencontros das notícias foram enormes. Na terça, pela manhã, me encontrava no consultório, as pessoas ligavam e a secretária me informava: “Doutor, ligaram e pediram seu nome completo, queriam fazer uma oração pelo senhor.” E o que você disse, perguntava. “Disse que o senhor estava vivo e estava atendendo normalmente. Ela aproveitou e marcou uma consulta para amanhã à tarde”.
Nos grupos de WhatsApp perguntavam por mim e eu respondia, quando afirmava a presença em vida, logo comentavam: “Se não foi o Damião, deve ter sido o outro colega médico. ” O boato é bem diferente do “boca a boca” de tempos atrás. No “boca a boca” se checava a informação e logo o desmentido. No boato atual, embora rápido, é uma mensagem gravada, e pode ser lida dias depois, e persistir na tela do celular ou do computador por um tempo bem maior que na memória dos que recebiam a informação do “boca a boca”. Em tempos atuais, não precisamos da presença física do comunicador, o mundo é virtual. A dúvida, no caso do boato, é bem maior e angustiante. Tanto que, no dia seguinte, na quarta-feira, em grupo de WhatsApp, a mensagem de confirmação da morte de um dos médicos Sergio, permanecia. Com as mensagens atuais, morrer ou viver, não afetam as emoções. É apenas isso, uma mensagem na tela. De tudo, veio a esperança. Recebi uma palavra, com a pessoa me falando, bem próximo aos meus ouvidos: “O boato da morte é a esperança de muitos anos de vida.” Fiquei com a impressão que, no Brasil, e em Cachoeiro, o velho ditado popular que aprendi – “o povo aumenta, mas não inventa”, com a rede social atual, se transformou em “o povo passou a inventar”. Nas minhas leituras e crônicas posso inventar – criar um mundo de fantasia, inofensivo, algo bem diferente do mundo virtual da rede social.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, em A Rosa do Povo: “Em verdade temos medo./ Nascemos escuros./ As existências são poucas: Carteiro, ditador, soldado./ Nosso destino, incompleto./ E fomos educados para o medo./ Cheiramos flores de medo./ Vestimos panos de medo./ De medo, vermelhos rios vadeamos./ Somos apenas uns homens/ e a natureza traiu-nos./ Há as árvores, as fábricas, doenças galopantes, fomes./ Refugiamo-nos no amor,/ este célebre sentimento,/ e o amor faltou: chovia, ventava, fazia frio em São Paulo...”

Nosso Itapemirim

Meses atrás escrevi: mesmo com toda tristeza, pelo mar de lama – rejeito de minério de ferro da barragem Samarco, em Mariana (Minas Gerais), que assola o Rio Doce, ainda assim experimentei momentos de alegria ao caminhar junto ao Itapemirim, no centro de Cachoeiro e, por toda Avenida Beira-rio. Foi em fim de semana, logo após as chuvas, em domingo pela manhã. A euforia permanecia por toda caminhada, observava nuvens em nosso céu, um prenúncio de dias melhores para o rio, agricultura e animais. Parece estranho que tão pouco aos olhos de muitos me faça tão feliz. É... A alegria daquele fim de semana não se confirmou. Vivemos com as alternâncias do tempo e o sofrimento do rio. Eu vejo: “Na paisagem do rio / difícil é saber onde começa o rio; / onde a lama começa do rio; / onde a terra começa da lama; / onde começa o homem naquele homem. [...] Um cão, porque vive, é agudo. / O que vive não entorpece. / O que vive fere. / O homem, porque vive, choca com o que vive. / Viver é ir entre o que vive...” Eu vi o rio Itapemirim, e o Doce, como o poeta João Cabral de Melo Neto viu os rios pelo mundo afora. Acho que o medo do poeta ao enxergar a lama dos rios é o que sinto ao ver o Itapemirim. O Rio Doce, bem antes do mar de lama da Samarco, já se encontrava em situação catastrófica. Já apresentava sinais de abandono em suas nascentes, desmatamento em seu entorno e um mar de esgoto em seu leito. A decretação de sua morte, ou perda de vidas nas profundidades de suas águas nos próximos anos, era anunciada e prevista pelos ambientalistas. A empresa Samarco deu o tiro derradeiro.
Por isso, a lama descrita nos versos do João me amedronta. Mais ainda quando lembro as imagens do rio do norte capixaba. Por alguns dias abandonei a caminhada em torno do nosso rio Itapemirim. Fui forçado. A dor em membro inferior esquerdo não me deixa caminhar. O rio passei a observar do alto das pontes. Não vejo as garças e as pedras se sobressaem na paisagem. Vejo mato, areia... Uma tristeza sem fim. Uma dor maior que a minha dor física. No tempo em que caminhava ao lado do rio: eu via o barco, o homem e sua rede. Hoje: o pequeno volume d’água, o grande número de pedras, a diminuição da minha visão. Quem sabe? O reflexo do sol nas grandes pedras à mostra no leito do rio. Ou? As palavras do poeta João. Não sei. Só sei que vejo um homem desaparecendo no areal do nosso rio. Pensando melhor, bem sei, não consigo enxergar com nitidez devido ao medo. Medo de acontecer o desaparecimento do nosso rio, assim como despareceu o Rio Doce. O rio do norte capixaba – o rio que o meu pai me apresentou na infância (meu primeiro rio). Antes de ele desaparecer totalmente, apresentava sinais que se assemelham ao Itapemirim. O meu medo é que desapareça o rio que escolhi para viver o resto dos meus dias.




Sergio Damião Sant’Anna Moraes

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Um pouco de poesia

De João Cabral de Melo Neto, O rio – O cão sem plumas: “Na paisagem do rio/ difícil é saber onde começa o rio;/ onde a lama começa do rio;/ onde a terra começa da lama;/ onde o homem, onde a pele começa da lama;/ onde começa o homem naquele homem. [...] Um cão, porque vive, é agudo./ O que vive não entorpece./ O que vive fere./ O homem, porque vive, choca com o que vive./ Viver é ir entre o que vive...”

Suicídio

O comportamento suicida aumenta em nossa sociedade. Uma tendência mundial. Inerente à modernidade: estilo de vida, consumo de drogas lícitas (álcool e tabaco) ou ilícitas (cocaína, crack...). Também, em nossas ruas e estradas, com a alta velocidade de carros e motocicletas, na imprudência da inobservância das leis do trânsito. Fruto de uma sociedade permissiva, falta de ações preventivas e ou educacionais. A todo  momento, risco de perda de uma vida. Mortes evitáveis, mortes traumáticas, ceifando vidas, deixando sequelas. Algo comum entre os nossos jovens. Além das causas externas, proveniente de estilos de vida e comportamento, o risco do suicídio aparece em doenças endógenas - ainda que sofram influências do meio em que vivemos. As depressões endógenas (manifestação de tristeza profunda, transtorno alimentar, distúrbio do sono, uma aparente falta de interesse pelas coisas da vida), algo bem além de uma tristeza momentânea por uma perda de algo ou pessoa querida. A depressão é crescente em nosso convívio. Motivo de alerta para a sociedade. Algo possível em todas as idades. Devemos observar as pessoas. Identificar sofrimentos e nos aproximarmos do outro. Na maioria das vezes são momentos. Tristeza passageira, coisas dos nossos sentimentos. Quando atentam contra a própria vida, ou a vida de alguém, sempre emitem sinais, dias ou horas antes. Bem antes de encontrarem-se sem esperança, sem apoio, em completa solidão, mesmo em meio à multidão. Os melancólicos profundos permanecem alheios às coisas da vida. Uma deficiência neuro-hormonal, passível de tratamento medicamentoso. No momento da depressão profunda, vão contra um dos maiores estímulos humanos - instinto da sobrevivência. A doença não é física, pois, convivendo com pacientes com doenças crônicas, com dores físicas, ainda assim, permanece a esperança de melhoras, permanece o desejo da cura. No transtorno mental, psicológico, uma dor diferente se apresenta: um físico perfeito e mente confusa em sentimentos. É o momento em que pedem ajuda. A necessidade da ajuda é iminente; o risco também. São alguns segundos... As ações para a prevenção do suicídio são fundamentais. Por ser um momento, dias após a tentativa do suicídio, o desejo é de manter a vida, evoluir, crescer...
Precisamos evitar estigmas: a grande barreira para a prevenção do suicídio. Com isso ficaremos atentos aos depressivos, alcoolistas, usuários de drogas ilícitas, doenças crônicas degenerativas. Alerta para aqueles que manifestam desejo do suicídio - mesmo que aparentemente não sejam convincentes. Alertas aos parentes próximos, colegas de trabalho, de escola...


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

domingo, 24 de julho de 2016

Um pouco de poesia...

De Manuel Bandeira, Vou-me embora pra Pasárgada: “Vou-me embora pra Pasárgada/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei/ Vou-me embora pra Pasárgada/ Vou-me embora pra Pasárgada/ Aqui eu não sou feliz/ Lá a existência é uma aventura/ De tal modo inconsequente/ Que Joana a louca de Espanha/ Rainha e falsa demente/ Vem a ser contraparente/ Da nora que nunca tive/ [...] E quando eu estiver mais triste/ Mas triste de não ter jeito/ Quando de noite me der/ Vontade de me matar – Lá sou amigo do rei – Terei a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei/ Vou-me embora pra Pasárgada.”

Realidade e Ficção

Nos corredores do hospital de psiquiatria, vivenciamos a pequena distância entre a razão e a insanidade, o poder da imaginação humana e sua capacidade de devanear. Entre as palavras e as ações são instantes. Segundos, como um raio. Mesmo que imaginados ou arquitetados em longo tempo. O tempo, na mente humana, se faz instantâneo, proveniente do misterioso tempo passado. Entender esses mistérios é um enorme desafio. Uma boa maneira para decifrar os labirintos da mente é a literatura - contos e romances. Os escritores criam seus personagens, traçam seu perfil psicológico, desnudam fraquezas humanas, descrevem mazelas sociais e mentais. Muitas vezes, o próprio autor é o personagem. No diário de Maura Lopes Cançado, ela vai relatando sua vida em manicômio. Nascida em família mineira, rica, na década de 30 do século passado. Tão rica que, aos vinte anos de idade, possui seu próprio avião. Aprende a pilotar. Com a morte do pai, perde a fortuna e começa a apresentar sinais de transtorno mental. Após trabalho no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, interna-se em clínica psiquiátrica. Em seu diário – “Hospício é Deus”, conta os maus tratos no hospital e suas fantasias. O que mais me intriga no texto da Maura, tanto no diário como em seus contos – “O sofredor do ver”, escritos no fim da década de 60, é a semelhança com a escrita da Clarice Lispector. Maura é contundente, avassaladora, acusadora e sofredora. Clarice é mística, amorosa e poética, impertinente com as coisas sociais. Mas assemelham-se na grandiosidade da escrita, na beleza da inteligência e inquietude. Não se contentaram com a superficialidade. De repente, vemos, nas duas, o limiar da loucura. Maura se deixa levar pela escuridão da mente, pelos seus labirintos. Não consegue o convívio social.  Clarice, apesar de reclusa, mantém-se por um fio, em uma sociedade que a admira, mas não a entende. Ler Maura e Clarice é buscar a alma humana, nossa humanidade, as razões do agir e pensar.
Dia desses, ao conversar com um dos presentes na enfermaria da clínica psiquiátrica, um dia depois dele tentar o suicídio, com os pulsos cortados e suturados, queixava-se da dor local e reclamava do atraso no curativo, nada mencionava sobre a autoagressão do dia anterior, solicitava alta hospitalar e jurava que naquele momento, mais do que nunca, desejava viver, aproveitando tudo de bom, e belo, que nela existe. No quarto ao lado, um rapaz de porte atlético, conversava com vizinho de enfermaria. Falavam coisas amenas. Nenhum sentimento de culpa pela agressão e morte de parente próximo. Horas depois, na leitura do diário da Maura, encontrava-me na página que conta como sufocou uma paciente no leito de quarto do manicômio. Crime acontecido um pouco antes dela se perder na escuridão da mente.



Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Sobre o fim e o começo

Recebi do Juarez Marqueti um DVD. Estava próximo à Santa Casa e levava comigo um livro de poesias do T. S. Eliot, selecionei: “O tempo presente e o tempo passado/ Estão ambos talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo passado./ Se todo tempo é eternamente presente/ Todo tempo é irredimível.” E conclui: “Em meu princípio está meu fim.” Era uma quinta-feira. No dia seguinte viajaria para Vila Velha. Na sexta, pela manhã, logo que alcancei a BR 101, acionei o DVD e passei a ouvir a voz do Juarez, inconfundível. Marcante. Em alto e bom som ouvia a tradução de músicas românticas da língua inglesa e francesa, a maioria americana e bem conhecida. Além da melodia agradável, as letras das músicas decifradas falavam de paixões, desilusões, esperanças, alegrias, angústias... Isto é, todos os sentimentos humanos. Entre uma melodia e outra, uma citação filosófica, tal como: entre a razão e a emoção, a que nos apegar? Algo difícil de responder. A razão é o que organiza a sociedade, se aproxima do que nos faz verdadeiramente humanos, um ser pensante e inteligente. Mas, é a emoção, com seus impulsos, que move o mundo e a humanidade. Não seríamos o que somos sem a coragem e a pulsão. Sem os considerados diferentes ou loucos. A razão se aproxima do amor, com suavidade, tranquiliza a alma, modera nossos desejos, liberta o pensamento; a emoção busca a paixão e devora a razão, e com isso acende desejos e domina nossos sentidos.

Pela BR, com o dia nublado, as melodias preenchiam meus sentidos, as letras das músicas eu gravava em memória. Ouvia: Para quem ama, não necessita de palavras, basta o olhar. O olhar é revelador. Para o apaixonado, a pessoa amada é única e primeira. A busca é pela completude (corpo e alma). Além das coisas da paixão amorosa, as melodias falavam da natureza, do sol e do céu, das cores do arco-íris, de amizades, do mundo maravilhoso em que vivemos. Com a música, imaginamos um mundo melhor, pessoas vivendo o seu dia, vivendo em paz – sem matar ou morrer. Com ela, desejamos a liberdade do pássaro, para terras distantes, em campos verdes e florestas, seguindo o vento, voando como o pombo - Skyline Pigeon. Ao chegar a Cachoeiro, procurei a poesia e li: “A única sabedoria a que podemos aspirar/ É a sabedoria da humildade: a humildade é infinita. [...] Lar é de onde se vem. À medida que envelhecemos/ O mundo se torna mais estranho, mais intrincada essa questão/ De distinguir mortos e vivos./ Não o intenso momento/ Isolado, sem antes e depois, / Mas toda uma vida ardendo a cada instante/ E não a vida de um homem apenas/ Mas a de antigas pedras que não podem ser decifradas./ Os velhos devem ser exploradores,/ Aqui ou ali, não interessa/ Devemos estar imóveis e contudo mover-nos/ Rumo à outra intensidade/ A uma união mais ampla, uma comunhão mais profunda/ Em meu fim está meu princípio.”

Sergio Damião Santana Moraes