sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Um pouco de poesia

Do poeta cachoeirense, Newton Braga, Lirismo Perdido: “Esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas.”

Olimpíadas

Os jogos olímpicos, no Brasil, se foram. No domingo, 21 de agosto, a chama olímpica se apagou. O Rio 2016 foi um sucesso aos olhos do mundo. Inclusive aos olhos de muitos da imprensa internacional que questionavam a capacidade brasileira para a realização dos jogos. As imagens transmitidas em televisores do mundo foram de céu limpo, sol forte e praias de areias irradiantes. Confirmando em quadras, ginásios e estádios o sucesso olímpico. Mas, aos nossos olhos, em olhar minucioso, o que restou? Ao fim, o que nos trouxe os jogos olímpicos? Obras de infraestruturas, exposição de belezas naturais, capacidade superativa de atletas e organizadores. Tudo restrito a uma cidade, e também, a um custo muito alto. Nos jogos e nas obras estruturais a confirmação do “jeitinho” brasileiro de fazer as coisas, algo que devemos mudar. Socialmente, não avançamos. Parecia uma festa para uma pequena parte da sociedade. Os jogos olímpicos – Rio 2016, expos toda nossa contradição. Por causa dela aparentamos um povo feliz, alegria a flor da pele. Vivemos com a angústia. E instalamos farmácia em cada esquina. Nas ruas, avenidas e morros a guerra civil não declarada oficialmente. Pelas ruas do Rio de Janeiro o medo. Em poucos segundos, em uma falha de aplicativo de celular, uma curva, uma ladeira ou em um morro: um tiro e uma morte. No mundo virtual dos jogos televisivos, as cores bonitas dos uniformes dos atletas; pelas ruas e morros o sangue de mortes evitáveis. Permaneceremos, após os jogos olímpicos, em um mundo real de nossas cidades: reféns das desigualdades sociais, geradoras de morros e periferias que assustam nossa vida diária e nos leva ao medo permanente. A música, a dança, toda nossa riqueza cultural apresentada na abertura dos jogos olímpicos, tão admirados por nós e o restante dos povos, mundo afora, não serão suficientes para acabar com nosso medo. Valeu a pena sonhar? Pelo que nos espera nos próximos meses em mundo real brasileiro? Não sei.

O conflito é imenso. Parte de mim, no Centro do Rio de Janeiro, mesmo com toda sujeira da Baía de Guanabara, com a retirada do concreto da Via Perimetral, e um olhar mais atento nos museus – Arte do Rio (MAR) e Museu do Amanhã (arquitetura lindíssima), diz que sim, valeu a pena. Contudo, a razão, aquilo que nos inquieta a mente e nos leva a pensar, questiona a todo o momento: para tornar a região portuária carioca tão bela, e bem cuidada, precisávamos de uma Olimpíada? Precisávamos gastar tanto? Acho que não. Os homens do serviço público e do mundo político acharam que sim. Precisavam. E deixaram uma conta imensa. Restam-me os Deuses olímpicos para reclamar. O Cristo Redentor é carioca. Certamente se encantou com a festa e a Olimpíada. Vigia e protege as belezas naturais e as coisas da Cidade Maravilhosa. Não vai querer ouvir as queixas do capixaba.

Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Um pouco de poesia ...

Do poeta, contista e romancista moçambicano, Mia Couto, Idades: “No início,/ eu queria um instante./ A flor./ Depois,/ nem a eternidade me bastava./ E desejava a vertigem/ do incêndio partilhado./ O fruto./ Agora,/ quero apenas/ o que havia antes de haver vida./ A semente.”

A flor do deserto desabrochou!


A planta que presenteei Fabiola, minha esposa, em maio, dia das mães, chama-se “Flor do Deserto”. Na verdade, quando a encontrei, ainda não era uma flor. Quando a vi, em Vila Velha, sob a ponte que liga a cidade Canela Verde com Vitória, em floricultura bem junto às águas salobras da nossa baía, a jardineira me contou, e eu relatei em crônica de meses atrás, que daquela planta que me encantara nasceria belas flores. Com o encantamento, confiei em sua floração, e a jardineira confirmou: “Sob o sol de Cachoeiro de Itapemirim, aparecerá uma linda flor. ” Porém, por dias, e depois meses, a decepção foi grande. Dia após dia, de manhã bem cedo, antes do alvorecer, buscava a planta e nada diferente encontrava: nenhum sinal da floração. Mas, agosto chegou, ainda com a timidez do sol e com os fatos ruins da nossa história – história do Brasil. Contudo, para minha surpresa, ela escolheu esse mês para desabrochar. Acho que foi um presente dos céus. Uma influência do meu pai. O mês do seu aniversário.
Quem sabe a beleza do texto da cachoeirense Kelly Wandermuren Thompson, advogada, e estudante de psicologia da São Camilo, possa explicar a razão do desabrochar: “Hoje, e não ontem, nem o amanhã. Apenas hoje, em presença infinita. Um lapso de 24 horas. Hoje, em que se vive o agora, sem pressões ou projeções. Instante, marca indelével do momento sentido. Momento escultor de imagens que amanhã já esquecerei. Hoje que não quer renovação, não quer mudança, apesar de saber que elas virão, ainda assim, fulgura nas certezas da esperança. Hoje, somente hoje, desejosa calmaria me invade. Traz a sensação da transcendência que ultrapassa o gotejar do tempo. Quando nesse hoje, o tempo já não importa, a ponto de ser esquecido ou desprezado, ele se eterniza em encontro marcado nas lacunas das palavras não ditas. Basta o silêncio que se adianta com a paz. Um amanhã sereno e livre de preocupações. ”
Pela manhã eram três brotos. Durante o dia: sol forte. À noite um dos brotos desabrochou e uma linda flor se apresentou. Diante da flor e dos dois brotos vermelhos da flor do deserto: eu permaneci, em silêncio. Naquele instante, deixei o pensar e as palavras para outro dia. Preferi o prazer do momento. O prazer da imagem. O desabrochar da flor, a leitura do texto, o vermelho em minha retina, me fez esquecer as preocupações do futuro.

Sergio Damião Santana Moraes

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Um pouco de poesia...

De Álvares de Azevedo, em Lira dos Vinte Anos, Lembrança de Morrer:

“Quando em meu peito rebentar-se a fibra,/ Que o espírito enlaça à dor vivente,/ Não derramem por mim nem uma lágrima/ Em pálpebra demente./ E nem desfolhem na matéria impura/ A flor do vale que adormece ao vento:/ Não quero que uma nota de alegria/ Se cale por meu triste pensamento. [...] Só levo uma saudade – é dessas sombras/ Que eu sentia velar nas noites minhas.../ E de ti, ó minha mãe! pobre coitada/ Que por minhas tristezas te definhas! [...] Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz, e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida....”

Boatos

“Está correndo um boato de que você morreu. Confirma?” Respondi: estou bem vivo. Um abraço. “Graças a Deus. Cambada de gente para inventar coisas. Quando me falaram levei um susto tão grande que meu coração disparou.” O diálogo aconteceu através de mensagem do WhatsApp, no domingo à noite. O boato iniciara-se na terça-feira. Quando recebi a mensagem fiquei em dúvida sobre o “confirma”. Desejava confirmar minha morte ou o boato? Bem... Achei melhor afirmar que estava vivo, portanto, a morte era um boato. Agradeci pela preocupação que demonstrava. De terça a domingo, nos cinco ou seis dias da semana, foram intensos em notícias. Mais ainda, por serem em comunicação instantâneas, aleatórias – mensagens online não confirmadas.  Apesar do tamanho da nossa cidade, onde as informações podem ser mais bem verificadas, ainda assim, os desencontros das notícias foram enormes. Na terça, pela manhã, me encontrava no consultório, as pessoas ligavam e a secretária me informava: “Doutor, ligaram e pediram seu nome completo, queriam fazer uma oração pelo senhor.” E o que você disse, perguntava. “Disse que o senhor estava vivo e estava atendendo normalmente. Ela aproveitou e marcou uma consulta para amanhã à tarde”.
Nos grupos de WhatsApp perguntavam por mim e eu respondia, quando afirmava a presença em vida, logo comentavam: “Se não foi o Damião, deve ter sido o outro colega médico. ” O boato é bem diferente do “boca a boca” de tempos atrás. No “boca a boca” se checava a informação e logo o desmentido. No boato atual, embora rápido, é uma mensagem gravada, e pode ser lida dias depois, e persistir na tela do celular ou do computador por um tempo bem maior que na memória dos que recebiam a informação do “boca a boca”. Em tempos atuais, não precisamos da presença física do comunicador, o mundo é virtual. A dúvida, no caso do boato, é bem maior e angustiante. Tanto que, no dia seguinte, na quarta-feira, em grupo de WhatsApp, a mensagem de confirmação da morte de um dos médicos Sergio, permanecia. Com as mensagens atuais, morrer ou viver, não afetam as emoções. É apenas isso, uma mensagem na tela. De tudo, veio a esperança. Recebi uma palavra, com a pessoa me falando, bem próximo aos meus ouvidos: “O boato da morte é a esperança de muitos anos de vida.” Fiquei com a impressão que, no Brasil, e em Cachoeiro, o velho ditado popular que aprendi – “o povo aumenta, mas não inventa”, com a rede social atual, se transformou em “o povo passou a inventar”. Nas minhas leituras e crônicas posso inventar – criar um mundo de fantasia, inofensivo, algo bem diferente do mundo virtual da rede social.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, em A Rosa do Povo: “Em verdade temos medo./ Nascemos escuros./ As existências são poucas: Carteiro, ditador, soldado./ Nosso destino, incompleto./ E fomos educados para o medo./ Cheiramos flores de medo./ Vestimos panos de medo./ De medo, vermelhos rios vadeamos./ Somos apenas uns homens/ e a natureza traiu-nos./ Há as árvores, as fábricas, doenças galopantes, fomes./ Refugiamo-nos no amor,/ este célebre sentimento,/ e o amor faltou: chovia, ventava, fazia frio em São Paulo...”

Nosso Itapemirim

Meses atrás escrevi: mesmo com toda tristeza, pelo mar de lama – rejeito de minério de ferro da barragem Samarco, em Mariana (Minas Gerais), que assola o Rio Doce, ainda assim experimentei momentos de alegria ao caminhar junto ao Itapemirim, no centro de Cachoeiro e, por toda Avenida Beira-rio. Foi em fim de semana, logo após as chuvas, em domingo pela manhã. A euforia permanecia por toda caminhada, observava nuvens em nosso céu, um prenúncio de dias melhores para o rio, agricultura e animais. Parece estranho que tão pouco aos olhos de muitos me faça tão feliz. É... A alegria daquele fim de semana não se confirmou. Vivemos com as alternâncias do tempo e o sofrimento do rio. Eu vejo: “Na paisagem do rio / difícil é saber onde começa o rio; / onde a lama começa do rio; / onde a terra começa da lama; / onde começa o homem naquele homem. [...] Um cão, porque vive, é agudo. / O que vive não entorpece. / O que vive fere. / O homem, porque vive, choca com o que vive. / Viver é ir entre o que vive...” Eu vi o rio Itapemirim, e o Doce, como o poeta João Cabral de Melo Neto viu os rios pelo mundo afora. Acho que o medo do poeta ao enxergar a lama dos rios é o que sinto ao ver o Itapemirim. O Rio Doce, bem antes do mar de lama da Samarco, já se encontrava em situação catastrófica. Já apresentava sinais de abandono em suas nascentes, desmatamento em seu entorno e um mar de esgoto em seu leito. A decretação de sua morte, ou perda de vidas nas profundidades de suas águas nos próximos anos, era anunciada e prevista pelos ambientalistas. A empresa Samarco deu o tiro derradeiro.
Por isso, a lama descrita nos versos do João me amedronta. Mais ainda quando lembro as imagens do rio do norte capixaba. Por alguns dias abandonei a caminhada em torno do nosso rio Itapemirim. Fui forçado. A dor em membro inferior esquerdo não me deixa caminhar. O rio passei a observar do alto das pontes. Não vejo as garças e as pedras se sobressaem na paisagem. Vejo mato, areia... Uma tristeza sem fim. Uma dor maior que a minha dor física. No tempo em que caminhava ao lado do rio: eu via o barco, o homem e sua rede. Hoje: o pequeno volume d’água, o grande número de pedras, a diminuição da minha visão. Quem sabe? O reflexo do sol nas grandes pedras à mostra no leito do rio. Ou? As palavras do poeta João. Não sei. Só sei que vejo um homem desaparecendo no areal do nosso rio. Pensando melhor, bem sei, não consigo enxergar com nitidez devido ao medo. Medo de acontecer o desaparecimento do nosso rio, assim como despareceu o Rio Doce. O rio do norte capixaba – o rio que o meu pai me apresentou na infância (meu primeiro rio). Antes de ele desaparecer totalmente, apresentava sinais que se assemelham ao Itapemirim. O meu medo é que desapareça o rio que escolhi para viver o resto dos meus dias.




Sergio Damião Sant’Anna Moraes

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Um pouco de poesia

De João Cabral de Melo Neto, O rio – O cão sem plumas: “Na paisagem do rio/ difícil é saber onde começa o rio;/ onde a lama começa do rio;/ onde a terra começa da lama;/ onde o homem, onde a pele começa da lama;/ onde começa o homem naquele homem. [...] Um cão, porque vive, é agudo./ O que vive não entorpece./ O que vive fere./ O homem, porque vive, choca com o que vive./ Viver é ir entre o que vive...”

Suicídio

O comportamento suicida aumenta em nossa sociedade. Uma tendência mundial. Inerente à modernidade: estilo de vida, consumo de drogas lícitas (álcool e tabaco) ou ilícitas (cocaína, crack...). Também, em nossas ruas e estradas, com a alta velocidade de carros e motocicletas, na imprudência da inobservância das leis do trânsito. Fruto de uma sociedade permissiva, falta de ações preventivas e ou educacionais. A todo  momento, risco de perda de uma vida. Mortes evitáveis, mortes traumáticas, ceifando vidas, deixando sequelas. Algo comum entre os nossos jovens. Além das causas externas, proveniente de estilos de vida e comportamento, o risco do suicídio aparece em doenças endógenas - ainda que sofram influências do meio em que vivemos. As depressões endógenas (manifestação de tristeza profunda, transtorno alimentar, distúrbio do sono, uma aparente falta de interesse pelas coisas da vida), algo bem além de uma tristeza momentânea por uma perda de algo ou pessoa querida. A depressão é crescente em nosso convívio. Motivo de alerta para a sociedade. Algo possível em todas as idades. Devemos observar as pessoas. Identificar sofrimentos e nos aproximarmos do outro. Na maioria das vezes são momentos. Tristeza passageira, coisas dos nossos sentimentos. Quando atentam contra a própria vida, ou a vida de alguém, sempre emitem sinais, dias ou horas antes. Bem antes de encontrarem-se sem esperança, sem apoio, em completa solidão, mesmo em meio à multidão. Os melancólicos profundos permanecem alheios às coisas da vida. Uma deficiência neuro-hormonal, passível de tratamento medicamentoso. No momento da depressão profunda, vão contra um dos maiores estímulos humanos - instinto da sobrevivência. A doença não é física, pois, convivendo com pacientes com doenças crônicas, com dores físicas, ainda assim, permanece a esperança de melhoras, permanece o desejo da cura. No transtorno mental, psicológico, uma dor diferente se apresenta: um físico perfeito e mente confusa em sentimentos. É o momento em que pedem ajuda. A necessidade da ajuda é iminente; o risco também. São alguns segundos... As ações para a prevenção do suicídio são fundamentais. Por ser um momento, dias após a tentativa do suicídio, o desejo é de manter a vida, evoluir, crescer...
Precisamos evitar estigmas: a grande barreira para a prevenção do suicídio. Com isso ficaremos atentos aos depressivos, alcoolistas, usuários de drogas ilícitas, doenças crônicas degenerativas. Alerta para aqueles que manifestam desejo do suicídio - mesmo que aparentemente não sejam convincentes. Alertas aos parentes próximos, colegas de trabalho, de escola...


Sergio Damião Sant’Anna Moraes