terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Caos na Saúde

Há três meses, escrevi: “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficiente naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. Precisamos de outro olhar: sensível às mazelas em que vivemos em nossos hospitais. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. Algo vai mal e se assemelha ao que passamos no fim do século passado. Em 1999, os portões da Santa Casa de Cachoeiro se fecharam. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. Há dois meses, escrevi: nada mudou. No absurdo das condições em que atendemos ao SUS, sinto-me como um homem em queda de um prédio de dez andares. A cada momento, o governo diz: “Está tudo bem!” No avanço da queda, ele repete: “Está tudo bem!” Eu percebo se aproximar o chão, nada posso fazer, o trauma é inevitável. Perdi a esperança. A única voz que ouço é a dos pacientes e de seus familiares, uma voz rouca de abandonados pelos cantos dos hospitais. Com o natal, a esperança deveria persistir. É... O silêncio que ouvimos, não anima a saúde do sul do Espírito Santo. Há um mês: percebo e ouço movimento na área da saúde. Algo confuso. São promessas de um novo Hospital (isto é bom, porém ouvimos promessas anos atrás, e é algo para médio ou longo prazo). A questão atual é da urgência e emergência dos maiores hospitais da região sul. Não se resolve apenas com Boa Gestão, necessita-se dos recursos financeiros – estes estão bem abaixo do necessário. Muitas vezes, no hospital, ficamos assim, com aparelhos e área física novos, mas sem os recursos humanos ou materiais para seu funcionamento.  
Hoje: permanecemos como antes. É verdade que, de longa data, a saúde pública apresenta complicações crônicas com agudizações. Porém, a fase aguda em que nos encontramos parece não ter fim, e com perspectiva de piora, existem sinais evidentes. Isso leva à insegurança. O perfeito atendimento médico – hospitalar é uma das melhores formas de garantia da vida. A área social em harmonia nos faz seguros. Infelizmente, no sul do estado, estamos longe disso. 




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Ferreira Gullar, em Poemas Escolhidos, “Dois e dois: quatro”: “Como dois e dois são quatro / sei que a vida vale a pena/ embora o pão seja caro/ e a liberdade pequena/ Como teus olhos são claros/ e a tua pele, morena/ como é azul o oceano/ e a lagoa, serena/ como um tempo de alegria/ por trás do terror me acena/ e a noite carrega o dia/ no seu colo de açucena/ - sei que dois e dois são quatro/ sei que a vida vale a pena/ mesmo que o pão seja caro/ e a liberdade, pequena.”

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

“Sem causar mal”

É o nome do livro do Dr. Henry Marsh, neurocirurgião inglês, Chefe do Departamento de Cirurgia do George’s Hospital, em Londres, desde 1987. Premiado em dois documentários sobre a sua vida e carreira. Ele comove e surpreende com sua escrita. O nome do livro, ele tomou de um aforismo hipocrático: “Em primeiro lugar, não causarei mal...” Recebi o livro do Fernando Fittipaldi, nefrologista como eu, trabalhamos juntos há mais de trinta anos. Ele disse: “Comprei dois, um para você e outro para mim. Acho que você vai gostar.” Gostei. São histórias, várias crônicas, com temas instigantes, todas ligadas ao trabalho médico do Henry. Relatos de cirurgias em tumores e acidentes vasculares cerebrais, anomalias congênitas... Além do seu trabalho humanitário em Kiev – Ucrânia. Fittipaldi completou: “Histórias semelhantes as que vivemos na nefrologia do nosso dia a dia.” Concordei. As questões da medicina são os conflitos humanos, não poderiam ser diferentes em qualquer lugar do mundo, carregamos todos em nosso DNA. Dr. Henry, antes de se decidir pela medicina, trabalhou em hospital psiquiátrico, foi técnico de enfermagem, cuidava dos pacientes demenciais, em hospital psiquiátrico. Banho, higiene intima e alimentação ele oferecia. No livro, conta o seu dia em centro cirúrgico e os dilemas pelas questões sociais e afetivas de pacientes, familiares e equipe. Algo presente em todos os hospitais do planeta. No seu relato do exercício da medicina, percebemos que as dificuldades encontradas são bem semelhantes, seja em Londres, Kiev ou Brasil. A piora na qualidade do atendimento e exercício da medicina são evidentes com a queda do poder econômico e social. Algo que no Brasil, e no sul do estado capixaba, conhecemos bem. Mas, os conflitos humanos e carências afetivas mais que se assemelham.

Com coragem fala de seus erros, temores e as coisas humanas de todos nós. Algo difícil de encontrarmos em nossa profissão. Na verdade, nos seres humanos de um modo geral. Pois: “O médico acha que é Deus; o neurocirurgião tem certeza.” Ele cultiva as virtudes da humildade e tolerância. Parece dizer, como Sócrates: “Só sei que nada sei.” Torna-se tolerante; aceita a opinião contrária. A todo o momento busca a Grécia antiga e o início da filosofia ocidental: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses.” Descreve, também, as falhas do sistema de saúde inglês, considerado um dos melhores programas de saúde pública do mundo. Mostra a carência de leitos hospitalares, demora em cirurgias... Algo para pensarmos: profissionais de saúde e sociedade brasileira. Existe tempo para viver e morrer. No momento, vivemos um dilema ético: com a evolução da medicina, as técnicas e aparelhos modernos são para poucos. Modernidade que a maioria da população não pode usufruir. Ainda assim, o sonho de uma medicina de qualidade pública, e universal, não deve acabar.



Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Adélia Prado, poetisa mineira, em “Morte Morreu”, em seu livro de Reunião de poesia: “Quando o ano acinzenta-se em agosto/ e chove sobre árvores/ que mesmo antes das chuvas já reverdeceram,/ da mesma estação levantam-se/ nossos mortos queridos/ e os passarinhos que ainda vão nascer./ “Ó morte, onde está tua vitória?”/ Eh tempo bom, diz meu pai./ A mãe acalma-se,/ tomam-se as providências sensatas./ Todos pra janela, espiar as goteiras:/ “Chuva choveu, goteira pingou/ Pergunta o papudo se o papo molhou.”/ Pergunta a menina se a vida acabou.”

Aurora

“Mais vale pensar que viver”, escreveu Fernando Pessoa, poeta português, no Livro do Desassossego. Conta mais: “Uma aurora no campo faz-me bem; uma aurora na cidade faz-me bem e mal, e por isso me faz mais que bem. Sim, porque a esperança maior que me traz bem, como todas as esperanças, aquele travo longínquo e saudoso de não ser realidade. A manhã do campo existe; a manhã da cidade promete. Uma faz viver; a outra faz pensar.” Era uma segunda-feira de manhã, ainda bem cedo, em fim de janeiro, no horário de verão, acordo em completa escuridão. Do apartamento, no bairro Gilberto Machado, da janela lateral, visualizava o Itabira e as várias pedras do entorno de Cachoeiro de Itapemirim. Minutos depois, apareciam os primeiros clarões sobre os montes. Um vermelhão se anunciava bem ao longe. Com o texto em mente poderia ter me dado por satisfeito. Ele descrevia a aurora, a natureza e a esperança. No meio de tudo sugeria a razão. Mas, tudo que necessitava naquele momento era a presença do clarão do dia. Na noite, sentia-me inseguro. Porém, o texto me pedia, mais que pedia, exigia o pensar. Pois, estava longe do campo, estava na cidade. E a complexidade das coisas da cidade nos leva a pensar. Era o primeiro dia útil da semana – segunda-feira. Neste dia, sinto-me inseguro. No campo, com a aurora, Fernando afirma que as coisas existem. Existe o orvalho preenchendo as flores e plantas; existe cheiro de terra molhada; existe a paz do canto do pássaro... Na cidade, preciso trabalhar e fazer com que as coisas aconteçam. Falta-nos tempo.

Do levantar da cama à observação das pedras, pensei no tempo de vida. Do meu tempo de vida. Na vida biológica e cronológica. Desde que me tornei diabético, deixei de contar os anos, mais vale a pena pensar e viver, do que contar anos. Mesmo assim, a cidade nos leva aos papéis, e eles contam os anos, algo inexorável. A todo o momento, somos obrigados a lembrar dos anos. Biologicamente, nenhuma alteração significativa. A idade cronológica, de tempo em tempo, mostra seus sinais. Vivi dois terços do tempo que tenho direito na terra: será mais ou menos?  Esta não é uma questão que me preocupa. Incomoda é a dor nas articulações. Há oito meses apresentei uma hérnia de disco lombar, algo pequeno, suficiente para impedir as coisas que gosto de fazer: caminhar e o jogo de futebol. Uma dormência irradiada por toda perna esquerda. Meses depois, voltei a caminhar, encontro-me alegre por retornar às coisas simples que nunca valorizara. Hoje, obedeço às limitações do corpo. Com os passar dos anos, valorizamos as pequenas coisas: andar, correr, ver, cheirar... As coisas que, quando novos, deixamos de enxergar. Entendemos naturais da vida e as queremos para sempre. Algo que não cuidamos. De tudo, resta-nos o sonho. Nele, a imprecisão da vida se desfaz. Os acidentes, acasos, desaparecem. Nele, deixamos de pensar. Nele, a aurora – nascer do dia, é um só. Nele, a magia da aurora é de todos nós.

Um pouco de poesia...

De Fernando Pessoa, poeta português, no Livro do Desassossego: “Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o não ter conseguido ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca das nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo  e independente; o outro submisso das contingências do que acontece.”

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Rua Oscar Freire

Gosto de caminhar pelas ruas das cidades. Qualquer cidade. Mais ainda pelas ruas de Cachoeiro em direção ao rio Itapemirim. Faço o trajeto até a Ilha da Luz. Ao caminhar, vemos detalhes da urbe. Detalhes do calçamento em torno das casas, lojas e prédios; da coleta e destino do lixo; das árvores e plantas próprias da região; bem como os hábitos da população, principalmente o uso adequado e racional da água.  É a melhor maneira de conhecermos um povo. O que vemos pelas ruas das nossas cidades é desanimador. Tanto pela parte pública, quanto pelo lado das pessoas.  Não é difícil constatar os contrastes em nosso país. Em todas as cidades brasileiras, um pouco melhor no sul do país. Além de não exigirmos a limpeza, degradamos o ambiente: jogamos latas e plásticos nos rios; destinamos e armazenamos mal o lixo a ser recolhido; resíduos de animais nas calçadas... Isto é, o lixo não é um problema de cada um de nós.  Não nos importamos onde ele vai estar desde que não esteja na porta do meu estabelecimento ou da minha casa. Para desaparecer o mosquito, precisamos mudar culturalmente. Antes das vacinas, que tanto procuramos e desejamos, devemos pensar em nosso lixo de cada dia. Um grau de civilização que precisamos alcançar.
 Dia desses, estava em São Paulo, revi uma rua: Rua Oscar Freire. Fica no bairro dos Jardins, na capital paulista. Já a conhecia de tempos atrás, na época da pós-graduação, na residência médica do Hospital das Clínicas. Morava na Rua Teodoro Sampaio, uma rua que corta a Oscar Freire, já no seu final, bem próximo à Avenida Dr. Arnaldo. Seu ponto mais charmoso é no encontro com a Rua Augusta. Apesar de todo luxo, beleza e ilusão da rua atual, Oscar Freire de Carvalho nasceu na Bahia. Médico, homem simples, formou-se na primeira Faculdade de Medicina do Brasil (Salvador). Faleceu na capital paulista no início dos anos vinte do Séc. passado. Médico Legista, pelos seus conhecimentos ajudou a fundar a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A convite do Prof. Arnaldo Vieira de Carvalho chefiou o Instituto Médico Legal (IML). Ao falecer, a rua ao lado do Instituto tomou o seu nome.  Com o tempo, a rua paulistana tornou-se uma referência em moda.  A beleza das lojas e o seu traçado tornaram-se conhecidos no Brasil e no Mundo. No dia em que a visitei, não caminhei. Sentei em frente a uma livraria e ali fiquei. Observei as pessoas, gente do mundo inteiro, permaneci horas junto à calçada, com o celular e jornal sobre a mesa. Não fui importunado, não sofri agressões e nem houve arrastões. Vi pessoas com animais; vi pessoas com carrinhos provenientes de uma feira livre... Coisas de uma Rua brasileira protegida da barbárie. À tarde, caminhei em Moema, bairro em que as vias públicas possuem nomes indígenas. Pelos seus arredores alcancei o Parque Ibirapuera, os raios do sol poente apresentavam-se sobre as árvores e mostravam luzes diferentes no alto dos monumentos e prédios. Um encantamento. Renovava minha esperança de um dia caminhar em Cachoeiro sem me entristecer com os lixos esparramados por nossas ruas.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Manuel Bandeira, em ESTRELA DA MANHÃ, “Poema do Beco”: “Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?/ - O que eu vejo é o beco.”