sexta-feira, 24 de junho de 2016

Explicação de Poesia sem ninguém pedir

Um pouco de poesia...

De Adélia Prado, “Explicação de Poesia sem ninguém pedir”: “Um trem de ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento.”

Como queres que eu te queira

“Não canse quem te quer bem”. Li a frase em crônica de jornal de fim de semana. Na verdade, a pergunta deveria ser: Por que nos agredimos tanto? A resposta parece óbvia: só uma pessoa bem próxima (trabalho, escola, família) para nos ouvir. E cansamos de várias maneiras. Com lamúrias, mau humor, agressões físicas, indiferenças... Por isso, aquele que não tem o convívio mais intimo e diário, fica com as aparências. E assim, a máxima: “Ele ou ela parece tão manso”. E recebem de volta: “Viva com ele ou ela”. Dorme e verá. Em Buenos Aires, no letreiro de uma loja de Shopping Center, eu vi: “Como queres que eu te queira”. Não sei se o espanhol é exatamente este. Lembra uma provocação amorosa. Tratava-se de uma loja de lingerie. Lembra uma paixão, tempos que cedemos e nos colocamos à disposição de outra pessoa. Mas, poderia ser para todas as formas de amor e cuidado. Uma forma evoluída e educada de tratamento para aqueles que nos querem bem e, também, para os que não conhecemos. Evitaríamos palavras que machucam tanto quanto a força física. Deixaríamos a indiferença perdida e lembrada apenas em letras de músicas de paixões não resolvidas. Na música pode constar: “Quem eu quero não me quer / Quem me quer mandei embora...” Em nossa vida, as coisas da paixão seriam esquecidas. E na razão das coisas, voltaria à pergunta: Como deseja ser tratado?
            No dia a dia é frequente em hospitais o mau humor de pacientes com aqueles que os rodeiam. Com familiares ou prestadores de serviços. É verdade que muitas vezes o cansaço do trabalho ou dos cuidados não facilita o bom relacionamento. São manifestações diversas em enfermarias de doenças crônicas ou Pronto Socorro. Estar saudável ou alegre pode ser uma agressão para aquele com manifesta tristeza. Como se devessem sentir as mesmas dores ou indisposições. O reconhecimento pelo cuidado é raro. Por mais que se cuide, não é o bastante. Não acho o agradecimento necessário. Aqueles que cuidam, familiar ou profissional da saúde, cuidam pelo dever ou porque gostam. Não devem esperar nada em troca. Mas, o mundo seria bem melhor se, além da disposição de fazer o bem, existisse o desejo e iniciativa de agradecer daqueles que recebem. E que cada um percebesse que o seu problema ou dificuldade não é único, nem o maior de todos. E que cada um, por mais que não aparente, carrega dores e tristezas suas e de outros. Portanto, merece um descanso e um olhar de agradecimento.
           

Abril, 2011.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Papel Passado

Um pouco de poesia...

De Libério Neves, “Papel Passado”: “Se, por acidente, moléstia ou velhice, algum dia eu vier a ver-me (resto) imóvel no lençol, a depender, por caridade ou pelo amor, do vosso gesto difícil, esse gesto de lavar meus panos de matéria e de limpar os meus resíduos deste mundo.../ isto será profundo para vós e doloroso para mim./ E certamente é certo que não terei palavras, nem gestos, para vos agradar./... quando (eu) assim restar, imovelmente mudo, contudo ainda vivo, estarei a todo instante, em mente, beijando as vossas mãos em mim santificadas... essencial talvez à filtração da alma.”

Um Novo Hospital

Durante a VI Bienal Rubem Braga, na Praça de Fátima, em Cachoeiro de Itapemirim, fiquei com a impressão de que a cura poderia vir com a palavra escrita ou falada. Doses de poesia em manhãs de melancolia. A poesia como remédio. Coisas de sonhadores, você pode pensar e dizer, mas algo possível para muitos dos sinais e sintomas onde não encontramos justificativas, nem mesmo em imagens de radiologia de máquinas de última geração. Deixei a Bienal com uma certeza: precisamos de livrarias e bibliotecas para substituir farmácias e hospitais. Porém, o pensamento, com as coisas das letras e das palavras, durou o fim de semana. Logo, na segunda-feira, voltei à realidade. Com o toque do telefone e a história do paciente, percebi que a poesia não seria suficiente, ele encontrava-se em pronto-socorro lotado e necessitava de um leito para internação hospitalar. É... Uma triste constatação. A doença e os acidentes, mesmo com todos os cuidados, acontecerão. E vivemos tempos difíceis, a carência de leitos em hospital é grande e crescente. Uma realidade regional e nacional – na rede pública e privada. Por isso, uma notícia alvissareira: novo hospital da Unimed Sul Capixaba. O hospital, na rodovia Cachoeiro/Safra, atingirá dois objetivos: ampliar e qualificar o atendimento médico hospitalar da Cooperativa e impulsionar economicamente uma região fora do centro de Cachoeiro, bem como todo sul capixaba. O Cooperativismo é uma das melhores formas para o empreendimento empresarial e econômico de uma região e país. Na verdade uma evolução social, desde as sociedades iniciáticas da idade média (pedreiros, ferreiros, sapateiros...). A construção do novo hospital é um desafio com riscos inerentes a um grande empreendimento. E o que mudou para que os cooperados, em Assembleia, decidissem pela construção? A forma para a viabilização financeira. O investimento será via fundo imobiliário. Com cotas do fundo para o investidor cooperado, e se necessário, não cooperado. Com adesão opcional.
O novo hospital é uma boa notícia. Para a Cooperativa médica, e muito, também, para todos os 30 municípios do sul capixaba. Em especial, Cachoeiro de Itapemirim. Para a decisão, além das questões da necessidade de leitos hospitalares/serviços a serem implantados e os aspectos econômicos, foram utilizados as ferramentas da democracia. Os riscos e benefícios foram discutidos e a grande maioria aceitou o desafio. Sobressaíram-se a liberdade, exercícios do direito à palavra e à divergência de ideias. Da Assembleia, para a construção do hospital, não participei. Dentre as razões para o não comparecimento, incluo o tempo de vida – idade cronológica. Achei que não devia comparecer, ia votar em benefício próprio. Não pelo futuro local de trabalho. E sim, pelo local plausível que terei como paciente.

Junho, 2016.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Doação

Do poeta mineiro Libério Neves, “Doação”: “Dou minha matéria à terra./ Entanto antes apresento o corpo a ti, doutor, para a ciência dos teus dentros./ ... Vês no avesso em mim a pele, mas não seus arrepios de febre ou dor ou medo no amplo dos meus pelos./ ... Vês os nervos estendidos com suas cordas dormidas, e nunca sabes perceber as vibrações mais vivas dos meus íntimos tremores./ ... Então eu dou à terra pulmões e unhas e ossos e outras partes  singulares./ Não posso dar os versos, não posso meus arrepios...”.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Flor do deserto

No dia das mães, dei de presente para Fabiola, minha esposa, mãe dos meus filhos, Helomar e Vitor, uma planta. A escolha foi feita em floricultura de Vila Velha, localizada sob a terceira ponte, em uma parte bonita das duas cidades, tendo como destaque a baía de Vitória e o Convento da Penha no morro Canela Verde. A floricultura é ampla, com muitas plantas e flores, com perfumes e cores variadas. Pena que, logo adiante, encontra-se toda mazela social dos nossos dias. Algo presente sob as pontes de cidades pelo mundo afora. Apesar do impacto com a deteriorização social, a floreira, as flores e as plantas, o perfume e as cores, me levaram a outro mundo, um mundo de fantasia, da beleza natural. A floreira me persuadia, eu balançava entre uma ou outra. Procurava a planta ainda sem a flor, buscava a que pudesse viver por mais de três anos. Porém, entre o tempo de vida e a beleza, me decidi pela exuberância rústica da “flor do deserto”, algo estranho, pois apesar da aparência do vaso em que se encontrava e da organização da areia e pedregulhos, da haste de 30 a 40 cm e sua cor vibrante, suas extremidades não apresentavam receptáculos e, assim, nada indicava o aparecimento de órgãos florais. Resolvi confiar, pois a floreira garantiu, a flor aparecerá, basta muito sol. A flor, ainda que solitária, nascerá. Bom... Pensei. Em Cachoeiro, na sacada do apartamento, sol pela manhã e por todo o dia, não faltará. Ela disse mais: o consumo de água é pequeno, basta regá-la uma vez por semana. Foi o bastante para a decisão final, vou levá-la. Em Cachoeiro, a flor do deserto desabrochará.
Passaram-se alguns dias, quase mês, a floração ainda não aconteceu. Pela manhã, bem cedo, procuro a sacada do apartamento e a planta. Apesar da beleza diferente, a flor que tanto espero ainda não se mostrou. Mesmo sem a floração, contribui para o embelezamento do apartamento. Bem mais que a pimenteira. Esta, nem beleza e nem o fruto de sua haste se apresentam. Vitor, meu filho mais novo, em sua mocidade, não aparenta ansiedade, vai regando as duas plantas, confiante na pimenteira e no nascimento da flor. Eu, com angústia à flor da pele, lembro-me da floreira, penso em cobrar garantias. O tempo para a floração está se esgotando. Pensei, para uma próxima vez, adquirir uma orquídea ou uma rosa, de preferência, uma flor enorme que produza grande quantidade de néctar e que alimente insetos e passarinhos, ou que produza polens e que seja levado pelo vento e torne-se um agente polinizador. No dia seguinte, voltei à flor do deserto, ela resiste ao sol forte de Cachoeiro, parece exercitar a paciência, pensei melhor, resolvi esperar. Com as virtudes que apresenta, certamente virá uma bela flor, semelhante a uma tulipa, a beleza da vida virá com o tempo. É o que espero.



Sergio Damião Santana Moraes