segunda-feira, 17 de julho de 2017

Caos na Saúde

Há sete meses, escrevi: “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficiente naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. A cada dia, nós, prestadores de serviços, percebemos as carências se avolumando e a qualidade do atendimento se comprometendo. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. Há seis meses, escrevi: nada mudou. No absurdo das condições em que atendemos ao SUS, sinto-me como um homem em queda de um prédio de dez andares. A cada momento, o governo diz: “Está tudo bem!” No avanço da queda, ele repete: “Está tudo bem!” Eu percebo se aproximar o chão, nada posso fazer, o trauma é inevitável. Perdi a esperança. A única voz que ouço é a dos pacientes e de seus familiares, uma voz rouca de abandonados pelos cantos dos hospitais. Há três meses: percebo e ouço movimento na área da saúde. Algo confuso. São promessas de um novo Hospital (isto é bom, porém ouvimos promessas anos atrás, e é algo para médio ou longo prazo). A questão atual é da urgência e emergência dos maiores hospitais da região sul. Não se resolve apenas com Boa Gestão, necessita-se dos recursos financeiros – estes estão bem abaixo do necessário. Há dois meses: permanecemos como antes. É verdade que, de longa data, a saúde pública apresenta complicações crônicas com agudizações. Isso leva à insegurança.
Hoje: empréstimo à Santa Casa de Cachoeiro pela Caixa Econômica Federal. A Caixa, apesar de Estatal, é um banco. E bancos cobram dívidas e juros. Governador, como bom economista que és bem sabe, pois alguém já disse e escreveu: “Não existe almoço grátis.” Para pagar as dívidas, e manter serviços, os hospitais precisam da ajuda efetiva do Estado. E, esta, ainda não chegou. Sem esta ajuda será um eterno endividamento e crises agudas. É verdade, também, que existe o mutirão das cataratas. Os idosos enxergarão melhor. Isso é bom. Ficamos agradecidos. Porém, o risco, para o governo, é que eles enxergarão melhor, com isso poderão ver o que os jovens já enxergaram: as mazelas da saúde pública permanecem como sempre.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, José: “E agora, José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou,/ e agora, José?/ e agora, você?/ você que é sem nome,/ que zomba dos outros,/ você que faz versos,/ que ama, protesta?/ e agora, José?/ [...] Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia,/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, para onde?”

Maçonaria

A maçonaria é uma escola filosófica. Iniciática. Ensina gradativamente, aos seus iniciados, as virtudes humanas. O grande segredo da maçonaria é este: altruísmo - uma disposição para o bem. Despertar no homem sua melhor parte. Não só para uma vida nas relações materiais mundanas, mas, principalmente, seu aprimoramento espiritual. A maçonaria difere de um Clube de Serviço, onde a filantropia se faz presente integralmente.  Busca aprimorar o homem para a vida profana – aspectos intelectuais e humanitários. A filantropia é uma de suas missões. As virtudes teologais: fé, esperança e caridade, são sempre presentes em seu meio. Sem elas, perdemos o sentido humano - a compaixão.  Por ser milenar em sua filosofia, eclética, com os vários ensinamentos e aprendizados absorvidos das várias civilizações, ela possui uma simbologia. Com ela aprende-se a importância da discrição, humildade, fraternidade e de se livrar das vaidades. Vencer paixões e vícios. A simbologia, assim como foi importante para os primeiros humanos, com suas pinturas rupestres – desenhos e gravuras nas paredes das cavernas, facilita gravar e refletir os ensinamentos. O Templo, lugar onde os maçons se reúnem, e formam suas Lojas, é onde guardam e preservam seus símbolos. Símbolos que se formaram e fizeram ao longo dos séculos. Provém dos egípcios, gregos e romanos. Da cultura ocidental e oriental. Dos artesões – pedreiros e arquitetos, responsáveis pela construção das catedrais da idade média. Na ocasião, os mestres (parte proveniente da Ordem dos Cavaleiros Templários) - pedreiros livres para exercerem sua profissão, transmitiam seus conhecimentos aos aprendizes. Reuniam-se em Guildas - local próprio para uma reunião. Com a evolução da sociedade, sua industrialização, a Inglaterra e vários países da Europa, não mais necessitaram desses artesãos. Em 1717, em Londres, nasce a maçonaria moderna, dita especulativa (filosófica), em substituição à maçonaria operativa (dos artesãos). Gradativamente, as ideias iluministas são incorporadas. Ideias como: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Suas influências se fizeram presentes na independência dos Estados Unidos e do Brasil. Permaneceram no Brasil Império com a contribuição na libertação da escravidão e formação da República. Em Cachoeiro, destacou-se o maçom Bernardo Horta, como um dos mais ilustres republicanos.
São trezentos anos da moderna maçonaria. Muitos mitos. Grande parte, sem fundamento. Fruto da ignorância e preconceito. A maçonaria, como instituição, é perfeita; os homens não. Sendo assim, podem errar. Na verdade, a perfeição é somente para Deus. Pela perfeição do Universo, o chamamos de Supremo Arquiteto do Universo. O maçom é alertado, dia a dia, para o caminho virtuoso. O coração do verdadeiro maçom é sensível ao bem. Neste momento, no Brasil e no mundo, onde os valores éticos e morais estão comprometidos, bem como a intolerância e preconceitos raciais e de gênero exacerbados, cada vez mais a necessidade de mudanças de rumo se faz necessário. Instituições como a maçonaria devem se fazer presentes e atuantes.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Chacal, rápido e rasteiro: “vai ter uma festa/ que eu vou dançar/ até o sapato pedir pra parar./ aí eu paro/ tiro o sapato/ e danço o resto da vida.”

Avenida Pellegrino

A mais elegante de São Paulo. Parte dela, seus últimos dois quilômetros, da Vila Olímpia até o Parque do Ibirapuera, mais ainda. Arborizada. Edifícios, maioria moradia, de arquitetura instigante. Um contraste com a Avenida Santo Amaro que a cruza em seu início. De contraste em contraste as cidades crescem. A partir do momento que mudamos dos campos, e criamos as cidades, fomos aprendendo a viver em comunidades. Algo incipiente, mas em evolução. Alcançamos a perfeição biológica, ainda evoluímos no social e ambiental. Existem dúvidas se teremos tempo para as evoluções necessárias. Caminhar ou pedalar pela Pellegrino é um alento. Comparada à Avenida Paulista (coração financeiro paulista), a Pellegrino nos conforta.  Suas árvores, suas subidas e descidas, diz que sim, teremos tempo para amadurecer. Aos domingos, parte da avenida é ocupada por faixas de ciclovias. Homens e mulheres, adultos e crianças, com bicicletas de diversos tipos e roupas de diferentes cores alegram e animam os que optaram pelo caminhar. São Paulo, no outono, de temperatura amena, oferece o Parque Ibirapuera. Pela Pellegrino, antes do parque, encontra-se o bairro Moema e suas ruas com nomes de índios e pássaros brasileiros, lembra a diversidade do Brasil tropical, uma prova de bom local para se viver, apesar do imenso concreto das cidades. O paulistano se realiza no Ibirapuera. Dentro do parque caminha-se em torno do lago. Observar os prédios que se sobressaem acima das árvores é a mesma sensação dos parques do centro de Nova York. Uma visão da imaginação. Algo existente e produzido pelas cidades.
            Retornar pela Pellegrino, descer por suas ladeiras, observar melhor suas árvores e prédios, libera boas sensações. Mesmo com milhões de habitantes, a cidade é o nosso melhor habitat. Não temos saída, mais de 80% da população vive e viverá em uma cidade. Um imenso condomínio, regras civilizatórias devem ser ampliadas e executadas. Aprender desde a infância. Usar a imaginação nas regras e em sua divulgação. Em vez de grandes letreiros, de grandes placas, pequenos sinalizadores. Surpreende-me o sinal de identificação do metrô paulistano. Pequeno. Discreto. Um sinal quase humano. Porém, podemos viver com milhões de pessoas. Podemos nos encontrar em qualquer ponto do planeta. Mas, gradativamente, voltamos ao nosso bairro, nossa rua, residência, quarto e computador. Sozinhos, dentro de nós mesmos. Voltamos ao nosso espaço: micro espaço. Aos conflitos internos. Nossas angústias, medos, egoísmo e agressividades. Conviver, seja em uma pequena ou grande cidade, dependerá desses acertos. A beleza de uma cidade sempre será encontrada. Em uma grande Avenida ou pequena rua. No fim, a cidade é o melhor local para se viver e morrer.

Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Torquato Neto, Cogito: “eu sou como eu sou/ pronome/ pessoal intransferível/ do homem que iniciei/ na medida do impossível/ eu sou como eu sou/ agora/ sem grandes segredos dantes/ sem nomes secretos dentes/ nesta hora/ eu sou como eu sou/ presente/ desferrolhado indecente/ feito um pedaço de mim/ eu sou como eu sou/ vidente/ e vivo tranquilamente/ todas as horas do fim.”

domingo, 2 de julho de 2017

Diálogos Médicos

O médico pergunta a idade do paciente. Ele responde: sessenta anos. Na verdade, continua, são sessenta anos e meio, pois, o pai demorou em registrar. O senhor sabe como era... O médico pergunta o nome. Bom doutor era Perfides, mas, com o tempo ficou Fidinho, era muito estranho, e feio, Perfides. O médico impacientava-se com a demora para uma simples identificação. Em outro dia de trabalho, na urgência do hospital, interna uma presidiária. História criminal sugestiva de tráfico de drogas do norte do país para a região sudeste. Ela poderia estar trazendo drogas para os nossos filhos e muitos outros adolescentes, foi o que pensou. O dever profissional supera o constrangimento inicial. A presidiária, pela dor abdominal e atraso menstrual (amenorréia), necessita permanecer internada para investigação c1inica. Por pior que fosse o hospital, ainda assim, era melhor que o presídio, imaginou o médico. Dois dias depois ela apresentava-se melhor, para maior segurança necessitava permanecer hospitalizada. Ela solicita alta do hospital. Quero retornar ao presídio, diz. O médico argumenta. Ela insiste: no presídio tenho amigas que me cuidam. Sinto-me melhor lá, conclui. Dias depois encontra no pronto socorro um rapaz com dor abdominal e lombar intensa sugestivo de có1ica renal. A mãe pede: doutor não faça muitos remédios. Não aplique um analgésico forte. Prescreva o remédio em forma de comprimido. Ele estranha e pergunta a razão. Prefiro meu filho com dor e no hospital, do que no presídio... O portão do hospital, local estratégico na entrada para o trabalho, encontra-se fechado. Por uma câmera ele é avistado e pelo interfone ouve o funcionário. Pelas perguntas ele imagina um novato. Identifique-se, diz o neófito. Ele apresenta um nome com sobrenomes misturados. A porta é aberta. Pelo interfone o médico confere se ele entendera o nome. O funcionário questiona. Qual seu nome? O médico visita os pacientes e retorna rapidamente. Solicita abertura do portão. O noviço repete, identifique-se. O médico: eu já entrei, só quero sair.
O atendimento na saúde brasileira, Sistema Único de Saúde (SUS), desde a promulgação da última Constituição (1988) funciona assim: “Um dever do Estado e um direito de todos.” No papel uma perfeição, a prática longe disso. Mesmo assim, um avanço comparado a muitos países. Os Estados Unidos da América do Norte encontra-se em um impasse. O país mais rico do mundo, o que mais gasta em saúde (percentagem do PIB), entretanto o de maior número de pessoas (52 milhões) sem qualquer tipo de garantia de atendimento. Nós brasileiros, apesar dos diálogos conflitantes e confusos, temos a lei do nosso lado. Pode não haver o atendimento na prática diária, mas está escrito que temos o direito. Coisa de brasileiro, primeiro faz a lei e depois decide quem paga a conta. Isto é, a decisão do financiamento fica, sempre, para depois.  O americano, por isso um dos motivos para a revolta com o presidente Trump, além de sua insensatez, primeiro pergunta quem paga a conta para depois dizer se todos têm o direito. Eles sabem que não existe “almoço grátis”.  O Simes (Sindicato dos Médicos) adverte, em Cachoeiro, quanto ao processo de seleção para contratação de médicos, pela prefeitura, não tem diálogo. Não podemos aceitar salários aviltantes.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Ana Cristina Cesar, “olho muito tempo o corpo de um poema”: “olho muito tempo o corpo de um poema/ até perder de vista o que não seja corpo/ e sentir separado dentre os dentes/ um filete de sangue/ nas gengivas”

Athayr Cagnin

Anos atrás presenciei um momento histórico de Cachoeiro de Itapemirim. Foi a comemoração dos noventa anos de idade do poeta Athayr. Do professor, como gostava de ser chamado. Na ocasião, antes de suas palavras finais: Moema lembrou o pai, Deusdedit Baptista, e recitou uma das poesias do Cagnin; Mirtes Machado levou seu diário com as observações e elogios escritos pelo professor em 1947; Wilson Rezende relatou algumas histórias do amigo. A imortalidade do Athayr foi atestada naquele momento. Não só pela Academia Cachoeirense de Letras, pelos seus versos e rimas, mas também pelo carinho recebido dos muitos alunos ali presentes. Eu pensei na semelhança do Athayr com o rio Itapemirim, razão maior da cidade. O Athayr, aparentemente abatido - pela curvatura do tronco e passos lentos, logo é revigorado e expõe toda a força da memória, lucidez e impostação da voz. Assim é o rio, nosso Itapemirim, com as chuvas ele volta forte, encachoeirado. Se não pode ser navegado, não importa; se não serve à economia, serve à nossa imaginação. As chuvas dão vida nova ao Itapemirim; o sorriso da Diva mantinha o vigor do Athayr. Na época, chovia bastante, a força do rio era grande. Em um domingo, pela manhã, foi assim, por um período curto, como um pequeno verso, uma leve rima, o bastante para homens e crianças se juntarem ao leito do Itapemirim. Ao caminhar junto ao rio, eu vi uma menina de tranças em alegre brincadeira com o pai. Com uma linha e anzol, uma brincadeira de pai e filha junto às águas do Itapemirim. Longe dos homens, bem no meio do rio, onde as forças das correntezas se mostravam mais intensas, procurei as garças, não as encontrei. Deparei com algo inusitado: um pato, de penas escuras, em direção contrária as forças da água. Não parecia cansado, pelo contrário, mantinha-se persistentemente em sua trajetória. O dia, após as chuvas, na beira do rio, se assemelha aos dias que vivi na ilha de Vitória. Vivia em um “braço de mar”, em suas águas calmas, levemente salobra, tal qual a água do rio. O ponto de referência era o velho Cais dos Aviões que nunca pousaram. Diferente é a outra ponta da ilha, a Praia do Canto e Suá, com sua água fortemente salgada, fria e alta. Nas águas mansas do “braço de mar”, os manguezais se formavam. Os mangues foram aterrados e com ele desapareceu parte das criaturas do mar.
            A história de Cachoeiro conta em parte com a história do professor Athayr. O confrade, também imortal, Estelemar Martins, em seu livro didático de poesias, define o poeta como aquele que tem a arte de cantar o belo, materializar a alma na combinação de versos, lapidar rima como um diamante raro. A poesia de Cachoeiro ficava mais bonita quando Athayr combinava perfeitas rimas para sua Diva. Com a reforma da Casa dos Braga, e a lembrança do Athayr, com a poesia e a crônica, suporto melhor os dias tristes da política nacional.

Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, No meio do caminho: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra./ Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas./ Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra.”