domingo, 26 de março de 2017

Previna-se

É o nome da Campanha Nacional da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) para prevenção da doença renal crônica. A insuficiência renal crônica, deficiência completa na função dos rins, leva a necessidade da terapia renal substitutiva - hemodiálise, e posterior transplante, tornou-se uma epidemia mundial em consequência do envelhecimento da população, da sobrevida maior do diabético, obesidade e aumento das pessoas adultas com hipertensão arterial sistêmica, pressão alta no entendimento da população. No passado, a doença renal crônica era causada, principalmente, pelas nefrites e cálculos (pedras). Na atualidade, o diabetes mellitus e hipertensão são as mais frequentes. Nestes dois casos elas são silenciosas, não apresentam dor, e os sinais e sintomas da doença só aparecem em estágios avançados da morbidade. Normalmente nascemos com dois rins e localizam-se na região lombar, nas costas, um de cada lado, cada rim pesa em torno de 150 gr e mede 12 cm. Podemos nascer e viver com um rim só, tanto que em vida podemos doar um rim para um parente que venha a precisar. O rim filtra 25% de todo o nosso sangue a cada minuto, com isso elimina toxinas nocivas ao nosso organismo; mantém o equilíbrio de água e sal dentro do corpo humano; produzem hormônios para evitar a anemia e fortalecer nossos ossos e também os hormônios para controle da pressão sanguínea. Os rins possuem uma boa reserva funcional, e com isso, mesmo com lesão em suas células, podem por vários anos compensar essa perda. Por isso o alerta de “doença silenciosa”. Existe dor, muitas vezes insuportável, em caso de cólica renal, infecções urinárias e renais, nesses casos a disfunção, quando aparece, é reversível, dita insuficiência renal aguda. O exame de urina simples (EAS) e a dosagem da uréia e creatinina no sangue, exames baratos e de fácil realização, são recomendados principalmente para hipertensos, obesos, diabéticos e os com história na família de doença renal. A perda de proteína na urina é um bom marcador de lesão vascular renal e sistêmica. Diminuindo sua perda, controlando a hipertensão e mudanças de hábitos alimentares, diminuindo o sal na alimentação, podemos prevenir ou atenuar as doenças cardiovasculares - infarto do coração, derrame cerebral e insuficiência renal.
            Os sinais da doença renal: pressão alta, inchação nas pálpebras no período da manhã, sangue na urina, palidez cutânea e fraqueza. As pessoas com sinais de doença ou que já apresentam a doença renal devem evitar anti-inflamatórios. Estes são os remédios mais agressivos aos rins. A insuficiência renal crônica pode se manifestar em qualquer idade. Por isso, o alerta para a prevenção iniciar-se na infância – devemos ficar atentos às crianças com infecção urinária de repetição; com edema (inchaços) e adolescentes com sobrepeso e com tendência à intolerância ao açúcar (diabéticos) e elevação da pressão arterial. Previna-se. Realize exames periódicos da urina e dosagem da uréia e creatinina no sangue. Lembre-se do alerta, sempre. Não apenas no dia 9 de março – Dia Mundial do Rim.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia.

De Carlos Drummond de Andrade, em Farewell, Unidade: “As plantas sofrem como nós sofremos./ Por que não sofreriam/ se esta é a chave da unidade do mundo?/ A flor sofre, tocada/ por mão inconsciente./ Há uma queixa abafada/ em sua docilidade./ A pedra é sofrimento/ paralitico, eterno./ Não temos nós, animais,/ sequer o privilégio de sofrer.”

domingo, 19 de março de 2017

Crônica

A crônica, como alguns contos, é um texto curto. A crônica inicia-se em jornais cariocas em formato de “folhetim”, algo proveniente da influência francesa. Na literatura brasileira um dos primeiros cronistas foi José de Alencar. Machado de Assis, nos anos cinquenta do século XIX, aos vinte anos de idade, inicia neste gênero literário toda a sua verve irônica e crítica. Amadurece, e se notabiliza, nos contos e romances, sem nunca abandonar a crônica. Muitos o seguiram neste gênero literário: João do Rio, Raquel de Queirós, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga - cachoeirense que produziu os melhores textos curtos: a crônica moderna. A origem da palavra nos leva a pensar no tempo (do grego khronós). O fato jornalístico e o cronista, muitas vezes, se confundem. Os textos, nos jornais, são curtos. O jornalista e o cronista registram, igualmente, um momento da urbe, da rua, das pessoas - instantes da vida e do mundo. Diferente da visão jornalística - que registra o presente para que se faça o futuro; a crônica parece fixar-se no presente com as influências passadas - recentes e remotas. Na crônica buscamos as experiências vividas, reminiscências, vida da infância e adolescência, lembranças de pais, amigos e momentos marcantes, sem nenhuma preocupação com o futuro.
O cronista esmiúça o tempo em busca das suas lembranças, mas o seu relato, sua fixação, sua necessidade é o presente. Seu relato, muitas vezes, lembra o jornalístico, sem a preocupação do fato real. Ele mascara, busca ficção. O cronista e o jornalista se assemelham na observação dos fatos; se diferenciam nos relatos. A verdadeira crônica, apesar de registrar o presente - um tempo marcado na cidade e nas vidas das pessoas, ela se torna atemporal mesmo quando registramos em seu fim: o dia, mês e ano. Pois: uma garça, um bem-te-vi, um homem solitário em volta de um rio ou parque, um homicídio ou um acidente serão sempre os mesmos. Muda apenas o olhar e o sentimento do cronista ao descrevê-los. O cronista, ao esmiuçar o tempo, busca a verdade e encontra a simplicidade das coisas da vida. Neste momento, se satisfaz. O relato jornalístico deve incluir minúcias dos fatos para que o leitor obtenha suas próprias conclusões. O cronista busca, com sutileza, quase imperceptível, aquilo que está à volta, aquilo que desfaz a violência, a agressividade, a destruição e a feiura na natureza. Busca as amenidades... Ele deve descrever as coisas que nos faz humanos, mesmo nos momentos tristes da humanidade. Ele não deixa a maldade e a violência desfazerem a beleza da vida. Vai alertando sobre as razões da alma. Modificam rios, lagos, praias, passarinhos, sorrisos, lágrimas... Relatam paixões e amores que tornam a vida emocionante. Mesmo que dentro de si nada disso exista.



Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, em O menino e os Grandes, Porta da Rua: “Vive aberta a porta da rua,/ ninguém entra para furtar./ Por que se fecharia a casa?/ Quem que se lembra de furtar?/ Pois se há vida na casa, a porta/ há de estar, como a vida, aberta./ Só se fecha mesmo esta porta/ para quedar, ao sonho, aberta.”

sexta-feira, 10 de março de 2017

“Manga”

Ruimar Marques (Manga): soube do nome recentemente. Até então, semanas antes, até o fim do ano de 2016, encontrava-o diariamente, cumprimentava-o e a conversa, ou uma brincadeira, fluía. Curioso, não havia necessidade de nomes ou apelidos. Foi assim o ano de 2016 e anteriores: estacionava o carro sob a ponte que liga a Avenida Francisco Lacerda de Aguiar à Santa Casa de Cachoeiro. Deixava-o bem em frente ao Lavador e seguia em direção ao serviço de hemodiálise. Também, não me atentara, sobre o nome e a propaganda: “Lavador do Manga”. Nunca usei do serviço, ainda assim, ficava tranquilo, como um pacto de cidadania, sabia que existia segurança, nada precisava ser dito. Manga apresentava dificuldade em pronunciar algumas palavras, e ainda, em alguns movimentos – fora acometido por um Acidente Vascular Cerebral devido o descontrole da pressão arterial sistêmica – algo frequente em nossa população. Isto, entretanto, não impedia que agradasse as pessoas que ali passavam ou procuravam o serviço do seu Lavador.
Em 06 de fevereiro, segunda-feira, dia mais tenso da paralisação dos policiais militares do nosso estado, pela manhã, encontrava-me no pronto socorro da Santa Casa. De repente, um alvoroço, as pessoas falavam sobre um “arrastão” proveniente das imediações do hospital infantil. Rapidamente fecharam as portas do hospital. Lembrei-me do meu carro. Desci em direção à ponte, no caminho, com a rua praticamente deserta, dos carros ouvia o alerta: Rápido! Saia da rua! Com receio abri a porta do meu carro. Observei, pelo retrovisor, que o Manga não se encontrava – lembrei que em todo mês de janeiro, ou melhor, no ano de 2017, não o tinha visto. Dei por falta no momento que precisava de apoio, certamente me sentiria seguro com a sua presença – algo que me acostumara nos últimos anos. A lembrança da sua ausência foi rápida. Dei partida ao carro e busquei um lugar seguro. Viajei, por alguns minutos, pela Ponte de Ferro, através do rio Itapemirim, em meio ao caos e ao terror. No trajeto, até um lugar seguro, fui pensando no tempo de vida, nas memórias e nos sonhos. Na realidade das coisas e em nossas sensações. Em nossas sensações buscamos a verdade: encontramos mistérios. No dia seguinte, terça-feira, 07 de fevereiro, ainda sob a influência do medo, sem estacionar o carro, passei em frente ao Lavador. A filha se encontrava, perguntei sobre o Manga. Ela informou sobre o falecimento. Em fim de dezembro, ela disse. No dia anterior, quando retirei o carro em busca de um lugar seguro, necessitava atender ao hospital Evangélico (Heci). No caminho, observei motos, com peças e caixas, passavam pelo meu carro em grande velocidade (adultos e adolescentes), estavam com os produtos de saques e da barbárie que vivíamos. Ao chegar ao Heci, vi um pássaro – um canário sobre a corrente que protegeria meu carro. A cor amarela do seu peito se destacava. Em sonho, busquei um tempo futuro. Viver o sonho. O sonho do pássaro amarelo e de liberdade. Será possível?


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Ferreira Gullar, em Poemas Escolhidos, “O trabalho das nuvens”: “Esta varanda fica/ à margem da tarde./ Onde nuvens trabalham./ A cadeira não é tão seca e lúcida, como o coração. [...] A tarde é/ as folhas esperarem amarelecer/ e nós o observarmos./ E o mais é o pássaro branco que voa – e que só porque voa e o vemos,/ voa para vermos. O pássaro que é branco/ não porque ele o queira nem porque o necessitemos: o pássaro que é branco/ porque é branco./ Que te resta, pois, senão aceitar?/ Por ti e pelo pássaro pássaro”

Luar de Cachoeiro

Acho que a lua, quando cheia, bem cheia, quase transbordando de algo desconhecido, fica mais bonita em Cachoeiro de Itapemirim. É verdade que os dias ensolarados, a falta de chuva dos últimos meses, o desaparecimento das nuvens do nosso céu, têm proporcionado espetáculos dos nossos astros. Principalmente o sol, do nascer até seu poente. Com o colorido das águas do mar, apesar da friagem do mar capixaba, ainda assim, o mar e as praias do sul capixaba, junto com a lua de Cachoeiro, se destacaram neste verão inusitado. Um clima diferente que parece se perpetuar. A lua cheia, quando em Cachoeiro, fica mais próxima da terra, procura se juntar ao rio Itapemirim e acomoda-se, desde cedo, como uma bola branca, no céu cachoeirense, se assemelha a uma velha nuvem. Mais tarde, ao anoitecer,  uma luz forte ilumina toda cidade. No fim de semana observei sua luminosidade, caminhava pela beira do Itapemirim em direção à Ponte de Ferro. A lua encontrava-se próxima ao Pico do Itabira, nossa pedra mágica, o luar se assemelhava ao efeito do arco-íris nas bordas do Itabira, com a lua não encontraremos um “pote de ouro”, encontramos a esperança. Quando deparo com a lua sobre a ponte cachoeirense fico diferente, como se o mistério da vida se anunciasse. Embora pequena, comparada aos astros restantes, ela se destaca no céu estelar e parece dizer: aqui fica a porta de toda transcendência, a porta do universo. Das coisas da eternidade.
Fico procurando na memória a forma da lua da minha infância. Não consigo lembrar. Não recupero as imagens. Acho que é o efeito da lua cachoeirense em minha retina, ela surpreende, faz a imaginação fluir e crescer no momento em que a vemos. A luminosidade do presente viaja em direção ao futuro, busca as melhores coisas e nos faz esquecer o passado. Por isso a força da lua no despertar dos enlouquecidos, despertar de paixões, de amores possíveis e impossíveis, dos... O luar empurra a pessoa em direção ao seu desejo, algo ensandecido, uma emoção pura, sem sinais da razão. Bem próximo do mais puro e inocente sentimento humano. A lua, com o passar dos meses, vai se formando no céu, mudando forma, influenciando mares, plantas, árvores, pássaros e a humanidade; muda até atingir a forma plena, cheia e imensa, do tamanho do coração e desejo de homens e mulheres. No céu de Cachoeiro, ela atinge a plenitude da beleza e criatividade.  


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Ferreira Gullar, em Poemas Escolhidos, “Traduzir-se”: “Uma parte de mim/ é todo mundo;/ outra parte é ninguém;/ fundo sem fundo./ Uma parte de mim/ é multidão;/ outra parte estranheza e solidão. [...] Traduzir uma parte/ na outra parte/ - que é uma questão de vida ou morte -/ será arte?”