segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Advento

Preparação para a chegada do Menino Jesus. A vinda do Natal. Da noite feliz. O Advento está presente nos meses de novembro/dezembro (os quatro domingos que antecedem o Natal). Neste ano, diferente dos anos anteriores, um grande presépio foi montado no centro de Cachoeiro de Itapemirim. Para os Cristãos é a representação do estábulo onde nasceu Jesus – o episódio bíblico do seu nascimento. Segundo São Jerônimo, o presépio em que Maria deu a luz era de barro, provavelmente uma saliência natural de rocha. E de barro são as esculturas, em tamanho real, no presépio da Praça Jerônimo Monteiro. As esculturas são de autoria do artista pernambucano Zezito de Tracunhaém, produzidas em 2006, a pedido de D. Ignez Cola. Por isso, para mim, e para muitos cachoeirenses, foi uma surpresa a leitura do Jornal Espírito Santo de Fato, em 07 de dezembro, quarta-feira, e o destaque: “Ladrões não perdoam nem o Menino Jesus”, a escultura foi roubada do presépio, na noite de segunda. No domingo, um dia antes, ao sair da Banca da Tereza, deparei-me pela primeira vez com a montagem. Além das esculturas e da simplicidade alegórica – reproduzindo com fidelidade o ambiente e as circunstancias da época; observei, também, bem ao lado, uma faixa do Lions Club Frade e a Freira e o pedido para doação de brinquedos para as crianças carentes da nossa cidade. No Advento nos tornamos diferentes, crescemos em espiritualidade, o desejo de doação se eleva. Mesmo que a maldade e a violência se espalhem por nossa sociedade. Ainda assim, o desejo de fazer o bem permanece. No domingo, observei próximo ao presépio, vários pequenos pacotes, as doações aconteciam. Logo adiante, nos Correios, as cartas de crianças com pedidos ao Papai Noel foram respondidas; o Bazar organizado pela Mara Resende, e várias mulheres da nossa sociedade, torna-se um sucesso de solidariedade e o Brechó do Núcleo Feminino da Unimed Sul Capixaba arrecadou mais do que o necessário para a aquisição de óculos para as crianças do ensino fundamental da Escola Florisbelo Neves. As boas ações em nossa cidade vão se espalhando. Por isso, resolvi ignorar a notícia do Jornal. Preferi acreditar no Advento e nas coisas boas que ele anuncia.
À noite, ainda na quarta-feira, ouço o advogado Gustavo, filho de Ariette Moulin. Ele disse, acredito nas palavras da minha mãe: “Não houve roubo. Não podemos roubar aquilo que está por vir. Estamos no Advento. É a preparação para a chegada do Menino Jesus. Ele foi retirado para preservar a fidelidade aos fatos.” Ele completou, seguindo o pensamento da Ariette: Um bom Cristão deve crer. A esperança e fé são nossas virtudes. As virtudes são exercitadas e exaltadas nesses dias natalinos. Pensei: ele retornará. Na noite do dia 24 de dezembro – no Natal, ele chegará. O bom ladrão completará o nosso presépio. E, as coisas acontecerão a seu tempo! Teremos uma noite feliz.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

Do poeta cachoeirense, Newton Braga, em Lirismo Perdido, Liricamente:

“Meu velho lirismo voltou, de repente. / Eu estava distraído, na tarde evanescente, / pensando em coisas vagas, sem motivo, / quando ele veio a mim, triste, emotivo, / a me falar de coisas do passado, / e ficou esquecido, estático, a meu lado./ velho lirismo/...
Eu fiquei quase comovido./ Pensei que houvesse já morrido/... Mas não... Inda não morreu de todo em mim / [...] E, afinal, é bem melhor assim.../ Faz bem este lirismo...”.

Caos na Saúde

“Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficientes naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. Precisamos de outro olhar: sensível às mazelas em que vivemos em nossos hospitais. Mas, com seu olhar modificado, poderá ver em nossos olhos toda angústia e ansiedade. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Em cada cidade sulina existe um hospital filantrópico. Acreditamos em sua sensibilidade, temos esperança de dias melhores. Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. A cada dia, nós prestadores de serviços, percebemos as carências se avolumando e a qualidade do atendimento se comprometendo. A falta de material é crescente. O esforço físico é imenso, a angústia também. É algo a olho nu, não precisamos de números ou estatísticas. Bastam nossos sentidos. Algo vai mal e se assemelha ao que passamos no fim do século passado. Em 1999, os portões da Santa Casa de Cachoeiro se fecharam. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. Temos medo de encaminhar nossos pacientes para a Grande Vitória, o caminho é longo, as curvas são acentuadas, já o fizemos anteriormente e muitos não retornaram. A BR 101 é uma estrada da morte. “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” É o que nos resta.
O texto foi escrito há mais de um mês. Nada mudou. No absurdo das condições em que atendemos ao SUS, sinto-me como um homem em queda de um prédio de dez andares. A cada momento, o governo diz: “Está tudo bem!” No avanço da queda, ele repete: “Está tudo bem!” Eu percebo se aproximar o chão, nada posso fazer, o trauma é inevitável. Perdi a esperança. A única voz que ouço é a dos pacientes e de seus familiares, uma voz rouca de abandonados pelos cantos dos hospitais. Com o natal, a esperança deveria persistir. É... O silêncio que ouvimos, não anima a saúde do sul do Espírito Santo. 


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Newton Braga, poeta cachoeirense, em Lirismo Perdido, “Eu continuo a fazer versos”: “Eu continuo a fazer versos.../ Velha doença que eu apanhei na adolescência,/ quando me deixarás?/ Jamais, talvez.../ E, afinal, é um vício bom, esse de contar a toda gente/ um bocado daquilo que se sente,/ que está dentro de nós... e que não se pode dizer a qualquer um/ porque seria indiscrição, fraqueza, sentimentalismo.../ E eu continuo a fazer versos...”

domingo, 11 de dezembro de 2016

Mistérios

Dos muitos mistérios da minha infância, o que mais me intrigava era o pé da minha avó que não preenchia por inteiro o sapato ou chinelo e, por isso mesmo, consumia a parte lateral dos calçados. Também, as missas e vestimentas franciscanas de Santo Antônio que ela me fazia vestir em 13 de junho e desfilar pelo bairro da Ilha de Vitória. Outros pequenos e grandes mistérios me seguiram na idade adulta. Apesar das muitas dúvidas que minha avó me deixou, a maioria foi com coisas alegres e divertidas.  Uma dessas era a venda de alguns quilos, que a mãe do meu pai, em uma atitude caridosa realizava. Certa vez, ela me achou muito magro, o que era uma verdade, e resolveu me passar algumas gorduras. Com certa resistência entreguei as minhas poucas moedas de um cofre, que guardava com muito zelo e carinho, repassei ao primeiro mendigo que encontrei em frente à nossa casa. Entreguei apesar de ele nada entender, e por isso mesmo nem agradecer, repassei como fora recomendado, com formalidade ao primeiro transeunte, na esperança do ganho de alguns quilos. Para minha tristeza, constatei que as poucas moedas foram usadas no bar da esquina em troca de uma pinga. Acho que a simpatia foi quebrada pela cachaça. Pois, passei toda minha adolescência na magreza. Falava, também, sobre seu santo preferido, Santo Antônio, dizia que nascera em Lisboa, chamava-se Fernando, para os ibéricos significa ardoroso na paz. Transformou-se em Antônio de Pádua, em homenagem à cidade italiana escolhida para viver e morrer.
Nos dias atuais, procuro me distanciar dos mistérios, prefiro as coisas que compreendo e entendo com facilidade. Um assunto instigante é o transcendentalismo. Em certa ocasião acompanhei várias respostas para a transcendência. Entre homens e mulheres houve uma quase unanimidade: Deus, como resposta. Silenciei. Apenas ouvi. Dia desses, apresentei-me a um desconhecido, rapidamente começamos a conversar e logo parecíamos amigos de longa data. A conversa não era inteligente e nem de assuntos complicados, mas fluía sem necessidade de medir palavras, sem preocupação de agradar. Quem sabe a amizade, seja a resposta. Com o horário de verão, desperto ainda na escuridão. Logo, por cima do Itabira o clarão do amanhecer aparece e com ele um vermelhão se apresenta acima dos morros. Assim, presencio um momento especial da natureza, o nascer do dia. Penso... Será isso a transcendência?

Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Czeslaw Milosz: “Em sua essência, a poesia é algo horrível:/ nasce de nós uma coisa que não sabíamos/ que está dentro de nós,/ e piscamos os olhos como se atrás de nós/ tivesse saltado um tigre,/ e tivesse parado na luz, batendo a cauda/ sobre os quadris.”

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Biguás, Lambaris, Garças...

Na beira do rio Itapemirim procuro observar suas margens e o seu leito. Mas, a atenção maior, sempre retorna para o deslizamento das águas. As águas do nosso rio continuam dependentes da ajuda de São Pedro. Acho que o nosso santo padroeiro não anda muito satisfeito com as coisas do Brasil, menos ainda com os residentes em Brasília. Ainda assim, São Pedro não perde a esperança com os cachoeirenses, e envia, de tempos em tempos, uma enxurrada, para a alegria dos pescadores do Itapemirim. Um desses conhecedores do Itapemirim é o torneiro mecânico Dejair Dias Machado. Quando longe da oficina, e da mecânica pesada, procura o rio em sua parte mais serelepe. Ele conhece de perto aquilo que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente sugeriu aos estudantes da cidade. Pediu aos alunos que escolhessem a espécie de animal silvestre símbolo cachoeirense. Sugeriu: Biguá, Macaco Barbado, Sapo de Chifre, Coleiro, Lontra, Robalo, Paca, Chauá, Jaguatirica, Tucano de Bico Preto. Sobre o rio, Dejair me contou: O rio melhorou nos últimos anos, as águas encontram-se mais limpas, de barco desço até próximo à Usina Paineiras, busco a proximidade do mar. Fico bem próximo à foz do rio. Porém, entre o rio e o mar, prefiro o nosso rio. Espontaneamente escolhe a Garça, sem preferência entre a branca ou cinza, uma ave que faz companhia ao pescador. A Garça aguarda, de longe, pacientemente, que seja oferecido o peixe; diferente é o Biguá (Mergulhão), aumentou, em número, com a limpeza do rio, gosta de competir com o pescador na busca do peixe, busca preferencialmente o “Viola”, um peixe que se assemelha a um pequeno “Cascudo”; com tristeza lembra-se da diminuição do Lambari (Piaba); gosta mesmo é do Robalo - um peixe nobre, e ele voltou às nossas águas e bem próximo ao Centro da cidade. Também se apresentam em nosso rio: Tainha, Traíra, Tilápia e Grumatan. “Bicho danado” é o Martim-pescador, mantém distância do rio, e das alturas, com rapidez, mergulha no rio para com o peixe voltar.
O Lambari (Piaba) dos rios brasileiros, do Itapemirim também, na mesa do pescador, anima uma conversa e dá asas à imaginação sobre o tamanho do peixe que por pouco não foi fisgado e outras histórias; o Biguá, a ave aquática “preta” e de dorso cinza, como presente da natureza, lembra os pescadores do Itapemirim, e a todos nós, de agradecer a São Pedro por enviar as chuvas. Nosso padroeiro transforma o leito seco do Itapemirim em um “rio molhado”. Um rio molhado, encharcado pelas águas da chuva, é a alegria dos nossos dias.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia..

De Manoel de Barros, em Poesia Completa: “Na língua dos pássaros uma expressão tinge a seguinte./ Se é vermelha tinge a outra de vermelho./ Se é alva tinge a outra dos lírios da manhã./ É língua muito transitiva a dos pássaros./ Não carece de conjunções nem de abotoaduras./ Se comunica por encantamentos./ E por não ser contaminada de contradições/ A linguagem dos pássaros/ Só produz gorjeios.”