sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Samarina

É o nome da grande árvore que fica na Praça Portinari, também chamada Praça dos Macacos, no Bairro Gilberto Machado, em Cachoeiro de Itapemirim. Bem... Os macacos se foram, restou a Samarina e sua sombra gigantesca.  Apesar da ausência dos pequenos saguis. Apesar... A grande árvore nos comove. Seu nome, Samarina, não parece unanimidade. O nome é uma informação do Jonas, um dos “guardadores” da grande árvore. Em crônica de anos atrás, relatei sua história. Ele contou sobre as mudas das árvores. Disse: as mudas foram trazidas da Austrália por um empresário cachoeirense. Aos cuidados se juntou um médico. Com isso, a Samarina chegou a maioridade. As mudas foram três: plantadas na Praça Portinari; no final da Avenida Beira Rio e a terceira não sabia informar. Falou das intempéries que a Samarina sofreu e viveu, falou da queda dos seus galhos e da “tipóia” necessária para sustentá-la após uma grande ventania. Eu gostei do jeito contado pelo Jonas. Bem simples, quase sem floreio. Quase uma poesia de jardineiro. Sem a preocupação de nomes científicos, a grande árvore foi romantizada. Foi assim que conheci a nossa árvore da Praça dos Macacos nos primeiros anos do novo milênio, desde os anos 2000. E, por muitos anos assim permaneceu em minha mente.
Mas, em relato recente, Higner Mansur falou do médico que cuidou da árvore: Dr. Vicente. Nomeou cientificamente a nossa grande árvore: Samarina Saman. Descreveu em detalhes sua geração: plantada em um dia de setembro do ano de 1976. Informou a fonte de suas células: mudas doadas por Alcebíades Scárdua. Falou do outro cuidador: Antonio Lino dos Santos. Descreveu ascendência e descendência da nossa árvore: uma espécie que se chamaria árvore da chuva e originária entre sul da Bahia e São Paulo. Parece abranger todo o país. Pois, a região amazônica e o pantanal mato-grossense também reinvidicam sua origem. É... Fiquei entristecido. Gostava do jeito contado pelo Jonas. Minha decepção é antiga. Desde o momento que os saguis desapareceram da nossa praça. Algum tempo atrás, eles voltaram. Foi um período curto. Logo se foram e não mais voltaram. Desde então me afastei da Samarina. Procurava sua irmã gêmea na Beira-rio, ao lado do rio Itapemirim. Tudo leva a crer que o fato real seja o contado pelo Higner. Preferia a versão do Jonas. Ele vive bem próximo à árvore e testemunhou a presença dos saguis. Samarina lembra o nome de uma linda jovem, ela não parece chamar chuvas e sim proteger-nos do sol com uma sombra deliciosa. Tempos atrás, Vitor, meu filho mais novo, ligou e disse: o Calopsida (Azulix) morreu. Foi durante a noite, como morrem os passarinhos. O Calopsita tem uma afinidade australiana. Lembrei-me do Jonas e a origem da Samarina. Pensei em sugerir ao Vitor enterrar o Azulix junto a nossa árvore. Ele preferiu o quintal do avô, fica próximo ao Convento da Penha.
Neste setembro, comemorando o início da primavera e o dia da árvore, reuniram-se a ACL (Academia Cachoeirense de Letras); Secretaria Municipal de Cultura e moradores para render homenagens ao médico (Dr. Vicente) e aos cuidadores (Jonas e Alcebíades). Tudo isso em fim de tarde, com os raios de sol refletindo nos galhos da Samarina. Voltei a me encontrar com a nossa grande árvore.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, O Olhar: “Ele era um andarilho./ Ele tinha um olhar cheio de sol/ de águas/ de árvores/ de aves./ Ao passar pela Aldeia/ Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos./ O silêncio honrava a sua vida.”

Caminhos Urbanos

           
Nossas cidades possuem um número imenso de ruas e avenidas, algumas bonitas, outras nem tanto. São registradas e nomeadas em prefeituras. Uma certidão de nascimento dos nossos bairros e casas. Algo próprio da modernização e organização das urbes, e que deve ser aprimorado em segurança e rapidez. As civilizações sempre utilizaram desse meio de comunicação. Séculos atrás, uma missiva podia mudar uma vida, destino de um povo ou de uma nação. Decidia o rumo de uma paixão amorosa. Para o rei ou imperador da antiguidade uma má notícia significava a perda da vida do mensageiro. As mensagens virtuais da atualidade ampliaram o significado da nossa comunicação. Algumas ruas marcam a população, seja pela importância do local ou pelo nome que a designa. Em Cachoeiro: Rua Bernardo Horta, Pinheiro Júnior, Capitão Deslandes... No Rio de Janeiro, Machado de Assis gostava da Rua do Lavradio. Interessante que, apesar da força e valor histórico do personagem do nome da rua, a localização de uma casa, sobrado, hospital ou uma igreja pode se sobressair. A rua Dr. Raulino de Oliveira, um dos fundadores do hospital, torna-se um bom exemplo cachoeirense e transforma-se em Rua da Santa Casa. A praça pública Gilberto Machado, em frente ao hospital, muda para Praça da Unimed. A Praça São João, entre o Mercado Municipal e a Padaria Brasil, passa a ser conhecida como a Praça da Banca de Revistas do Jorge. A ponte bem em frente à igreja metodista comunica a Avenida Beira-Rio à Rua Samuel Levy, apesar do nome “Ponte de Pedestres Governador João Bley” é conhecida como “ponte que caiu”. Em Vila Velha, cidade canela-verde capixaba, uma rua inicia-se no Bairro Itapuã e termina na praia, na prefeitura é registrada como Rua Waldemar Pitanga, mas para efeito prático e de uso diário é denominada Resplendor. Existe nome de rua que não esquecemos nunca, mesmo quando ficamos anos sem revê-la ou nunca mais a encontramos. Marcam nossa infância e vidas. Para mim foi a Rua Caboclo Bernardo, em Vitória, Bairro Santo Antônio, o nome é uma homenagem ao herói negro capixaba do tempo do Império, que atuou em São Mateus, norte capixaba. Era rua pequena, sem placa, os carteiros não chegavam, evitavam a escadaria e o alto do morro, deixavam as correspondências na Avenida aos cuidados das crianças. Em Cachoeiro, tenho a Rua Rui Barbosa, liga a parte alta da cidade com a proximidade do Rio Itapemirim. Pelo caminho encontramos árvores frutíferas, parece pouco, mas é coisa rara para um centro de cidade.
De tudo, uma boa notícia, mesmo com a desorganização no planejamento urbanístico de nossas cidades, Cachoeiro incluído. Na última terça-feira, na eleição do Conselho para Plano Diretor Urbano (PDM), os cachoeirenses deram exemplos de cidadania, compareceram em número expressivo. Sinal de mudança no comprometimento com os interesses públicos.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, O poeta: “Vão dizer que não existo propriamente dito./ Que sou um ente de sílabas./ Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém./ Meu pai costumava me alertar:/ Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som das palavras/ Ou é ninguém ou zoró./ Eu teria treze anos./ De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que/ se perdia nos longes da Bolívia/ E veio uma iluminura em mim./ Foi a primeira iluminura./ Daí botei meu primeiro verso:/ Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem./ Mostrei a obra pra minha mãe./ A mãe falou:/ Agora você vai ter que assumir as suas irresponsabilidades./ Eu assumi: entrei no mundo das imagens.”

Setembro

O conto difere da crônica pelo fato de contarmos algo mais minucioso e de uma aparente maior complexidade. Embora um texto curto, seus personagens e pessoas descritas parecem prolongar-se dentro da nossa alma - nos mais profundos sentimentos; nos mais longínquos estertores. No conto seus personagens vivem em nosso passado e se aventuram no futuro, de maneira que o presente seja modificado. O texto nos modifica, apresenta um novo mundo, transformam ideias, e alternamos alegrias e tristezas. Em frente a um conto nunca ficamos indiferentes. É o meu gênero literário preferido. A crônica permanece fiel aos fatos, preocupa-se com as coisas presentes, apesar de buscarmos a todo o momento as nossas reminiscências, o presente se mistura às coisas vividas... A crônica não se preocupa com o futuro. Recusa a ficção. Na crônica nos expomos e nos apresentamos como realmente somos. Surpreendemos leitores e aqueles com quem convivemos. A crônica nos desnuda e aparecem coisas de nós mesmos a todo instante, é um retrato da realidade, mesmo que fantasiada. Afinal somos atores em nossas próprias vidas.
Na crônica vivemos em detalhes os meses dos anos. Vamos nos metamorfoseando-se. Alteramos escritos, pensamentos, ideias... As estações do ano permitem isso. Mesmo quando envolvidos nos afazeres do dia a dia. Na crônica, sentimos frio e calor; vivemos no sol e chuva; enxergamos as pequenas diferenças. Em nossa região em breve florescerá o Flamboyant e a Acácia: um colorido aparecerá. Setembro se aproxima. Estação marcante em nossas vidas. Aproxima-se o fim do inverno; inicia-se a primavera. Nela, em Cachoeiro, o dia começa mais cedo, a claridade dos raios solares e o vermelhão do nascer do dia, ilumina o Itabira e o Frade e a Freira. Bem cedo, mostra com nitidez as pedras e os morros da nossa cidade. Neste mês de setembro, próximo à Praça dos Macacos e junto a Avenida Francisco Lacerda de Aguiar, observo a Castanheira. As suas folhas amarelas, alaranjadas e até vermelhas, esparramam-se pelo chão. Neste ano, ficarei atento às folhas que preenchem a rua e observarei os troncos de árvores quase vazia de folhas e frutos. Nos seus troncos lisos e secos verei as flores lindas que virão. Terei a melhor visão de uma manhã cachoeirense.
Setembro é diferente. Inicia a primavera, lembra as flores e o amor. Nos leva à pintura de Botticelli e o Nascimento de Vênus. Lembra a Prevenção do Suicídio (Setembro Amarelo) e a Doação de Órgãos e Tecidos (Setembro Verde). O suicídio é uma causa de morte traumática crescente em todo o mundo, no Brasil principalmente. As causas são variadas: doenças psiquiátricas, alterações comportamentais, estilo de vida, uso abusivo de álcool e outras drogas. O suicídio tem o preconceito como um dos maiores obstáculos para diminuirmos sua incidência. Na Doação de órgãos (rim, coração, córnea...) a vida pode ser estabelecida em outra pessoa. Com isso, além da beleza dos dias, celebramos a solidariedade e o altruísmo – doamos o que temos de melhor, nossa espiritualidade. A ação solidária depende de nós mesmos.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Clarice Lispector: “Sejamos como a primavera que renasce cada dia mais bela... Exatamente porque nunca são as mesmas flores.” 

Suicídio

O comportamento suicida aumenta em nossa sociedade. Uma tendência mundial. Inerente à modernidade: estilo de vida; consumo de drogas lícitas (álcool e tabaco) ou ilícitas (cocaína, crack...). Também, em nossas ruas e estradas, com a alta velocidade de carros e motocicletas, na imprudência da não observação das leis do trânsito, do serviço de transporte indevido e na falta de condições e manutenção das rodovias. Fruto de uma sociedade permissiva, falta de ações preventivas e, ou, educacional. A todo o momento: risco de perda de uma vida. Mortes evitáveis, mortes traumáticas, ceifando vidas, deixando sequelas. Além das causas externas, proveniente de estilos de vida e comportamento, o risco do suicídio aparece em doenças endógenas (orgânicas) ainda que sofram influências do meio em que vivemos. As depressões endógenas - manifestação de tristeza profunda, transtorno alimentar, distúrbio do sono, uma aparente falta de interesse pelas coisas da vida, algo bem além de uma tristeza momentânea por uma perda de algo ou pessoa querida. A depressão é crescente em nosso convívio. Motivo de alerta para a sociedade: “Setembro Amarelo”.
Devemos observar as pessoas. Identificar sofrimentos e se aproximar do outro. Na maioria das vezes são momentos. Tristeza passageira, coisas dos nossos sentimentos. Quando atentam contra a própria vida, sempre emitem sinais, dias ou horas, antes. Bem antes de encontrarem-se sem esperança, sem apoio, em completa solidão, mesmo em meio à multidão. Apresentam-se diferentes daqueles que vemos em comportamento de risco. Estes provam de uma necessidade humana: a aventura. Os deprimidos (melancólicos profundos) permanecem alheios as coisas da vida. Uma deficiência neuro-hormonal - neurotransmissores cerebrais, passíveis de tratamento medicamentoso. No momento da depressão profunda, vão contra um dos maiores estímulos humano: instinto da sobrevivência. A doença não é física, pois, convivendo com pacientes com doenças crônicas, com dores físicas, ainda assim, permanece a esperança de melhoras, permanece desejo da cura. No transtorno mental / psicológico, uma dor diferente se apresenta: um físico perfeito e mente confusa em sentimentos. É o momento que pedem ajuda. A necessidade da ajuda é iminente; o risco também. São alguns segundos... As ações para a “Prevenção” do suicídio são fundamentais.
Precisamos evitar “Estigmas”: a grande barreira para a prevenção do suicídio. Com isso ficaremos atentos aos depressivos, alcoolistas, usuários de drogas ilícitas, doenças crônicas degenerativas. Alerta para aqueles que manifestam desejo do suicídio - mesmo que aparentemente não sejam convincentes. Alertas aos parentes próximos, colegas de trabalho, de escola... No Brasil, são 32 mortes por suicídio por dia. Um número crescente de tentativas. Devemos ficar atentos nas empresas, escolas, igrejas...   


Sergio Damião Santana Moraes 

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, poeta do Pantanal, “Os Girassóis de Van Gogh”: “Hoje eu vi/ Soldados cantando por estradas de sangue/ Frescura de manhãs em olhos de crianças/ Mulheres mastigando as esperanças mortas/ Hoje eu vi homens ao crepúsculo/ Recebendo o amor no peito./ Hoje eu vi homens recebendo a guerra/ Recebendo o pranto como balas no peito./ E, como a dor me abaixasse a cabeça,/ Eu vi os girassóis ardentes de Van Gogh.”