quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Pelas estradas e cidades


  
Viajei por estradas do Espírito Santo e das Minas Gerais (ES e MG). Viajei, também, pela federal (BR 262). Passei pela Serra do Caparaó, atravessei cidades e, tempo depois, cheguei ao meu destino: Governador Valadares. Uma cidade jovem com um estranho hábito, placas informativas de trânsito bilíngue (inglês e português). Não sei se segui o melhor caminho, eram perigosos, e grande parte dele, dava a impressão de abandono. Constatei, nessas estradas, o óbvio. Acho que, o óbvio foi descoberto e desnudado por Nelson Rodrigues, o revelador das hipocrisias, mentiras e desejos humanos. Usava, ainda, este artifício e recurso, para revelar nossas fraquezas físicas e sentimentais. No meu caso, utilizo o óbvio para confirmar aquilo que imaginava: as grandes empreiteiras, em nosso país, sangram os cofres públicos, não realizam as obras e, seus donos nunca são punidos. Pior, sabendo e conhecendo a verdade, nunca realizamos o óbvio: cumprir o papel de cidadão. Isto é, nos indignarmos e rebelarmos.
            Pelas estradas, observava as cidades. Se no asfalto havia alguma diferença, na ocupação urbana pouco se diferenciam mineiros e capixabas. Na verdade, um traço bem brasileiro, a ocupação sem planejamento. São cidades próximas aos rios. Rios de águas poluídas e pontes sem manutenção. Com a evidência do feio, o ânimo para guardar o nome do município ultrapassado era pequeno. Porém, uma delas me chamou a atenção, mesmo esquecendo o nome, Manhuaçu ou Manhumirim, por conta da forma degradante de sua ocupação, toda a cidade lembrava uma favela.
            Mas, lembrei, ainda que triste, a forma que Cachoeiro foi e continua sendo ocupada. Morros e ruas, uma dificuldade imensa para a mobilidade humana. Uma agressão diária ao pouco que nos resta do rio, matas e alguns bons lugares. Constata-se, diariamente, a ocupação de morros e o entorno do centro da cidade por prédios comerciais e residenciais. Embora bonitos e modernos, ocupam espaços sem nenhum controle de impacto em nossas vidas, seja impacto de vizinhança, ambiental ou de qualquer outro tipo. Chegará o dia que a cidade estará tão degradada que nada poderemos fazer. No momento, fazer o óbvio é a melhor opção ao absurdo do comportamento humano.
            Percebe-se o óbvio. O governo e suas políticas econômicas permanecem as mesmas. Repetem-se ano a ano. Parece não existir o pensar diferente. Permanece a idéia do consumo para o crescimento econômico. Sem pensar no ser humano. Crescer através do concreto e com a venda de carros e motos, mesmo que não exista espaço para circularem em nossas ruas. Mesmo que, com o tempo, falte a ventilação e o ar para respirarmos. Cachoeiro, dentro de algum tempo, pode ter construção elegantes em seus morros, porém, pela degradação ambiental e humana, não será diferente da cidade mineira semelhante a uma grande favela.
            Na volta de Valadares, permaneci algum tempo na parte mineira do Caparaó, pelos relatos, a infraestrutura parece ser melhor. Bons hotéis e restaurantes. Mas, eu buscava a beleza do Pico da Bandeira, esta se encontra no lado capixaba. É a parte mais bonita, apesar da pobreza no investimento local.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Ribeiro Couto, Cais matutino: “Mercado do peixe, mercado da aurora:/ Cantigas, apelos, pregões e risadas/ À proa dos barcos que chegam de fora./ Cordames e redes dormindo no fundo;/ Á popa estendidas, as velas molhadas;/ Foi noite de chuva nos mares do mundo./ Pureza do largo, pureza da aurora./ Há viscos de sangue no solo da feira./ Se eu tivesse um barco, partiria agora./ O longe que aspiro no vento salgado/ Tem gosto de um corpo que cintila e cheira/ Para mim sozinho, num mar ignorado.”

Bernardo

É o nome do meu primeiro neto. Filho do meu filho mais velho: Helomar e da nora: Karina. Residem em São Paulo. Bernardo é um nome germânico. Na língua germânica arcaica: Ber (Urso) e Hart (forte) – “forte como um Urso”. Bernardo é a simbologia da força. A força, beleza e sabedoria são as três colunas que sustentam o Templo Maçônico. Apesar da força física que designa o nome, foi com caridade e a bondade que o nome, na idade média, se consolidou. Bernardo, um abade francês, fundou Ordem Religiosa e Asilos na região dos Alpes Suíços. Pela sabedoria tornou-se São Bernardo de Claraval e foi nomeado Doutor da Igreja católica. É o protetor dos Asilos. Às vezes fico em dúvida no valor do nome. Shakespeare, escritor inglês, escreveu: “A rosa não deixaria de exalar seu perfume caso a nomeasse por outro nome. Não importa o nome, ela sempre será uma rosa.” Alguns preferem a alcunha, um apelido, do que o nome do seu registro civil. Meu filho mais novo, Vitor, após 28 anos de vida, no momento do casamento civil, descobriu que não se chama Vitor, e sim, Victor. Um erro de registro no cartório. Corrijo agora, por retificação judicial. Isto é, eu, no calor da emoção do registro do nome do filho, não prestei a devida atenção naquilo que assinava. Uma falha que não acontecerá com o Bernardo, os dois “erres” estarão em seu devido lugar. Como avô estarei devidamente atento.
A gravidez, uma nova vida, é emocionante e belo. Mais belo: gravidez desejada; mais ainda: gravidez planejada. Com o planejamento, até nos acasos, encontramos segurança social, emocional e econômica. Uma família bem estruturada. A base da melhor instituição de um país. Aquilo que fortalece e organiza um povo. Quando soube do início da vida do Bernardo, estava com seis semanas de vida intrauterina. O vídeo no WhatsApp mostrava um ultrassom com as batidas do seu coração em formação, as batidas se assemelhavam a uma locomotiva. Batia: 140 bpm. Dias depois, em novo exame, dobrava de tamanho, atingia 02 cm. Faltam 34 semanas para o seu nascimento. Em ultrassom recente fico com a impressão que as batidas do seu coração se assemelham ao turbilhão das águas do rio Itapemirim. Acho que vai ser assim, ao ouvir as batidas do seu coração, ficarei em dúvida: ora ouvirei uma locomotiva; ora o turbilhão das águas do Itapemirim. Não importa. Que ele continue em seu ritmo, aumentando de peso e tamanho, até atingir os 50 cm.  Atingir a força necessária para tornar o mundo melhor. Que se torne um bom, e fiel, flamenguista.
Quando recebi a notícia do início da vida do Bernardo, conversava sobre coisas da literatura. Sobre escritores da língua portuguesa da atualidade: Agualusa e Mia Couto (angolano e moçambicano). Logo depois, recebi um trecho de livro do Agualusa. O personagem, após muitas agruras: “Tem notícias da Ângela? – Vou tendo. Deve estar neste momento a descer o Amazonas numa daquelas barcaças lentas, preguiçosa, que à noite se cobrem de redes de dormir. Há muito céu por ali. Muita luz na água. Espero que se sinta feliz. – E você, é feliz? – Eu estou finalmente em paz. Não anseio por nada. Acho que a isto se pode chamar felicidade. Sabe o que dizia Huxley? A felicidade nunca é grandiosa. – O que vai ser de si? – Não faço ideia. Provavelmente serei avô.” Eu? Serei avô. Estou em paz. E, feliz.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Mario Quintana, Emergência: “Quem faz um poema abre uma janela./ Respira, tu que estás numa cela/ abafada,/ esse ar que entra por ela./ Por isso é que os poemas têm ritmo/ - para que possas profundamente respirar./ Quem faz um poema salva um afogado.”

Alcunhas

Para os brasileiros, apelido. Para os de língua castelhana, sobrenome. No Brasil, forma de tratamento entre o carinhoso e o depreciativo. Utilizado para uma aproximação entre familiares, amigos e colegas de trabalho. Também, por aqueles que buscam o constrangimento do outro. Com o apelido crescemos sem a identidade oficial, ficamos conhecidos por outro nome, aos poucos abandonamos o verdadeiro nome. O bom apelido parece um desejo de todos, pois, deixamos nos chamar no diminutivo ou aumentativo, escolhemos aquele que nos sentimos melhor. Talvez um desejo disfarçado por outra vida. Nos esportes é grande o número de apelidos. No futebol são os mais conhecidos: Pelé, Zico, Zito, Careca, Dinamite, kaká... Uma marca, um marketing. Como na idade média, alguns nomes estão associados ao local de origem e nascimento da pessoa: Renato Gaúcho, Marcelinho Carioca, Juninho Pernambucano... As contradições existem: jogador cabeludo chamado careca; Magrão com grande massa muscular e tecido adiposo. Para os políticos fica mais fácil a lembrança do eleitor em época de eleições. Preferem ser chamados pela parte mais forte do nome, geralmente ligado ao da família. Fora a referência familiar, o partido político também é utilizado, menos frequente nos dias atuais, com o enfraquecimento partidário. O uso do local de origem na política não é habitual, certamente devido ao excesso de candidatos e pelo velho dito popular: “Santo de casa não faz milagre.”
Na história do Brasil o mais marcante foi Tiradentes, herói nacional da Conjuração Mineira, nascido Joaquim José da Silva Xavier. Dos grandes generais, o grego se sobressai: Alexandre, o grande. Deixa a impressão de um gigante. O mito e fama da grandiosidade se justificam pelas estratégias e conquistas militares, porém, media pouco mais de metro e meio. De todos os apelidos, o que mais gostamos é o que carregamos do “berço”. Uma das primeiras palavras que temos contato. Geralmente criado por um dos irmãos, sem uma explicação lógica, as vezes por uma palavra mal pronunciada que os pais assimilam e incentivam o uso, para facilitar a comunicação entre os filhos. E assim, o restante da família passa a usar. Muitas vezes, um inocente apelido de infância é tudo que nos resta. No pequeno nome guardamos sorrisos alegres de brincadeiras infantis; o som da batida da bola no chão de barro, ou mesmo, nada ouvimos ou vemos. Apenas guardamos lembranças de uma tarde chuvosa, e do silêncio, em um longo Cais para aviões, que nunca pousaram, na beira do mar.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Paulo Leminski, Sintonia para pressa e presságio: “Escrevia no espaço./ Hoje,
grafo no tempo,/ na pele, na palma, na pétala,/ luz do momento./ Sôo na dúvida que separa/ o
silêncio de quem grita/ do escândalo que cala,/ no tempo, distância, praça,/ que a pausa, asa,
leva/ para ir do percalço ao espasmo./ Eis a voz, eis o deus, eis a fala,/ eis que a luz se
acendeu na casa/ e não cabe mais na sala.”