domingo, 26 de novembro de 2017

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, Idealismo: “Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!/ O amor na Humanidade é uma mentira./ É. E é por isto que na minha lira/ De amores fúteis poucas vezes falo./ O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!/ Quando, se o amor que a Humanidade inspira/ É o amor do Sibarita e da hetaíra,/ De Messalina e de Sardanapalo?!/ Pois é mister que, para o amor sagrado,/ O mundo fique imaterializado/ - Alavanca desviada do seu fulcro -/ E haja só amizade verdadeira/ Duma caveira para outra caveira,/ Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!”

Flamboyant


Nunca fui afeito às coisas de casa, animais, pássaros... Nem mesmo na infância ou adolescência. Mas, desde que iniciei com as crônicas, anos atrás, passei a observar melhor as árvores, praças, parques e detalhes de ruas por onde caminho. Na Br 101, apesar da morte nos rondar a todo instante; apesar de insensatos motoristas em carros de passeio; apesar da agressão dos blocos de mármores e granitos dançando na carroceria de caminhões e a qualquer momento sermos surpreendidos com um paredão de pedra à frente dos nossos carros; apesar da insensibilidade e incompetência do Governo Federal com as nossas estradas; apesar da leniência do Governo Estadual; apesar do uso e abuso da concessionária ECO 101 (mau cuidadora da nossa Br); apesar da falta de alternativas para o transporte de cargas em nosso estado e Brasil afora; apesar de terem destruído nosso melhor transporte (ferrovias) para privilegiar empreiteiras do Brasil; apesar de tudo, na Br 101, encontra-se beleza, de Cachoeiro a Vila Velha: encontramos flamboyants em nosso caminho.
Na primavera elas se sobressaem. Em outubro, novembro e dezembro elas colorem e alegram nossa estrada. O flamboyant e o Frade e a Freira aliviam a imagem dos blocos de pedra nas carrocerias dos caminhões. A Delonix regia Raf, flamboyant ou acácia-rubra, planta tropical leguminosa, árvore exótica, de grande porte (mais de 10 metros), de copa extensa, com frutos secos e floração intensa, deixa a paisagem inebriante: ora avermelhada, ora levemente amarelada, tal qual a pintura de um quadro. Trazida por D. João VI, no início do sec. XIX. Adaptou-se ao calor e ao sol. Além da Br, onde se destaca, é bem apropriada para quintais e parques. Em Cachoeiro, ao longo do rio Itapemirim, também podemos apreciá-las. Por ser chamada de acácia-rubra, com um significado de “afeição pura”, as flores dessas acácias eram usadas nos tempos antigos, junto com as pétalas de rosas, para saudarem as coroações de faraós egípcios, reis e imperadores.
Tudo isso que vemos em nossas estradas e nas ruas de nossas cidades são belezas não planejadas. Uma arborização aleatória. Fruto de uma natureza exuberante. Em Cachoeiro, o PDU, antigo PDM, de 2006, na seção VIII – Da Arborização Urbana, cita, mas não especifica a arborização. Sempre as olhei com os olhos do cronista, observo apenas a beleza, a força das suas raízes, seu tronco, nunca para os riscos, na verdade sem os olhos técnicos. Sendo assim, nunca pensei na mais apropriada para o local onde vivemos. Nunca olhei com os olhos das necessidades das moradias, lojas, calçadas, fiação, prédios e presença dos outros seres vivos (alguns trazendo riscos para a saúde das pessoas). Isto é, apenas olhava aquilo que me encantava. Estamos próximos da revisão do PDU (Plano Diretor Urbano) de Cachoeiro. Decisões dever se tomadas para o futuro urbanístico do nosso município. Primeiro as pessoas, depois pensamos no financeiro. Precisamos incluir, na discussão, um Plano Diretor de Arborização. Planejar as árvores apropriadas para a nossa região urbana, conversar sobre a oiti - suas folhas têm capacidade de absorver poluentes do ar; ipê - raízes fundas e bela floração; e a aroeira - seus frutos atraem pássaros para a cidade. Além do pau-brasil - símbolo do país e faz sombra sem ocupar tanto espaço.

Sergio Damião Santana Moraes


Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, Fragmentos de Canções e Poemas: “Ah florescer de tarde/ De amor, no cais!/ Entre navios altos/ E velas brancas./ Ver o pescador/ Passar, como nuvem.../ E a mulher deserta/ Entre gerânios curvos./ Ver o menino/ Com paletó de crepúsculo/ E as árvores cor de cinza/ Perto do muro./ Árvore e menino/ Dobrados, na chuva.” [...]

Cuidados

Padre Leo Pessini e Leonardo Boff ensinam que a essência do cuidar é: Buscar a compaixão (sentido de se colocar no lugar do outro); contribuir para que ele conquiste a autonomia; sugerir que transfira a ansiedade e a responsabilidade de sua saúde aos profissionais que o atendem; cuidar de alguém é buscar seu bem estar. Devemos lembrar que somos humanos e assim: “Vulneráveis”. Guimarães Rosa, médico e escritor mineiro, disse: “Viver é perigoso”. Perigo de adoecer, de ser agredido fisicamente e verbalmente, de fracassar e de morrer. Viver humanamente significa viver sabiamente na vulnerabilidade (sermos resilientes). Vulnerabilidade leva o ser humano a adoecer e possibilita a grandeza de cuidar e a humildade de se deixar cuidar.
            A escritora americana Susan Sontag escreveu: “A enfermidade é o lado obscuro da vida, uma cidadania mais cara. A todos, ao nascer, outorga-nos uma dupla cidadania, a do reino dos sãos e a do reino dos enfermos. E ainda que prefiramos usar o passaporte bom, cedo ou tarde cada um de nós se vê obrigado a identificar-se, pelo menos por um tempo, como cidadão daquele outro lugar”. Trata-se de um grande desafio aliar ética, técnica e ciência para cuidar do sofrimento humano. Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano, torna-se um radar de alta sensibilidade.
            O professor de Ética da Pensilvânia, James Drane, afirma: “Devido os avanços tecnológicos da medicina, o conceito de paciente terminal vai se modificando com o tempo. É bastante difícil fazer uma avaliação precisa e universalizar uma definição aceitável a respeito desses pacientes, considerando-se que os indivíduos contam com tantas possibilidades diferentes... Apesar das dificuldades e de ninguém saber com a absoluta certeza quando outra pessoa está morrendo, apesar disso, existem critérios para determinar pacientes terminais. James alerta os médicos que não há necessidade de entender a morte como “inimiga”. Aprender a diagnosticar com correção a progressão do processo de morte pode ajudar o paciente a ter uma partida digna”.
            O novo Código de Ética Médica fortalece a humanização do atendimento. No art. 41: “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. O mesmo artigo proíbe ao profissional de medicina abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido desse ou do seu representante. Esses cuidados levam em consideração aspectos físicos, emocionais, familiares, sociais e espirituais. Newton Braga, nosso melhor poeta, escreveu e está em seu busto no centro de Cachoeiro: “Esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas”. Na medicina, e como Cuidadores, não precisamos morrer pelas dores que não são nossas, mas podemos viver e praticar o aforismo hipocrático: “Curar se possível, aliviar quando necessário e consolar sempre”.



Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, A meu Pai morto: “Madrugada de Treze de Janeiro./ Rezo, sonhando, o oficio da agonia./ Meu Pai nessa hora junto a mim morria/ Sem um gemido, assim como um cordeiro!/ E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!/ Quando acordei, cuidei que ele dormia,/ E disse à minha Mãe que me dizia:/ “Acorda-o!” deixa-o, Mãe, dormir primeiro!/ E saí para ver a Natureza!/ Em tudo o mesmo abismo de beleza,/ Nem uma névoa no estrelado véu.../ Mas pereceu-me, entre as estrelas flóreas,/ Como Elias, num carro azul de glórias,/ Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu! [...]”

Próstata

           
 Uma glândula do sexo masculino. Por muitos anos esquecida, rejeitada e sofrendo todo tipo de preconceito. Sofrendo também agressões: inflamação e infecção, aguda ou crônica. Bem como, a transformação em células malignas. Apesar de mais atentos, o número de exames preventivos realizados pelos homens está longe do ideal.
            A genitália masculina inclui pênis, bolsa escrotal, testículos, epidídimo, vesícula seminal e próstata. Dessas, a próstata é a que tem função menos definida. Porém, é a que mais complica. Mede 3,5 cm. Pesa, no adulto jovem, 20 gramas. Salienta-se em torno de um centímetro na luz do reto, o melhor local para seu exame. Tem uma consistência elástica e lisa, uma pequena fenda separa suas partes - lobo direito e esquerdo. Não é dolorosa à palpação. O órgão envolve a primeira parte da uretra na saída da bexiga. Pela palpação é possível avaliar o tamanho e se existem nódulos ou não.
            Diferente de outros órgãos, com o tempo ela cresce e se hipertrofia, podendo ser em forma de adenoma ou carcinoma, isto é: células benignas ou malignas. Felizmente na maioria das vezes um crescimento benigno, apesar do câncer da próstata ser uma das principais causas de morte entre os homens. Liberação no consumo de carnes vermelhas e principalmente gorduras estão entre os fatores de risco. Devendo ficar alertas os descendentes da raça negra e os com história familiar, acentuando a importância do exame preventivo, exame obrigatório a partir dos cinquenta anos. Vale lembrar que o exame de PSA: antígeno prostático específico, no sangue, não substitui o toque retal - exame manual realizado pelo médico. A associação desses dois exames, bem como a biópsia da glândula, aumenta as chances do diagnóstico precoce e da cura.
            O toque retal é de grande valor em saúde pública. Baixo custo, rápido e dependendo da experiência do médico examinador, história clínica do examinado (paciente), associado à dosagem sanguínea (PSA) alcançamos boa segurança para a orientação médica. Não só os tumores, mas também as infecções locais e urinárias crescem em importância. As patologias prostáticas são as mais comuns nos homens, gerando um alto custo pessoal e governamental. Mais ainda com o envelhecimento populacional.
 Nem sempre o tratamento é cirúrgico, um grande receio dos homens. Receiam a cirurgia e a realização do exame local preventivo. Grande parte das vezes o crescimento da glândula é benigno (hipertrofia) passível de tratamento medicamentoso. Lembrando sempre que o prognóstico (cura) dependerá do estágio da doença. Acima dos quarenta anos as mortes traumáticas diminuem. O câncer e a doença cardiovascular aumentam. Devemos ficar atentos com a prevenção e detecção precoce do câncer e diminuir os fatores de risco vascular - hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade e sedentarismo. Claro que a herança familiar conta muito, mas grande parte da responsabilidade é individual. Isto é certo para o homem e para a mulher. Os chineses dizem: “O homem inteligente é o que descobre o óbvio”. E por que não enxergamos o óbvio? Neste Novembro, mês azul, curar-se da cegueira é procurar fazer as coisas simples.



            Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, Soneto, A meu pai doente: “Para onde fores, Pai, para onde fores,/ Irei também, trilhando as mesmas ruas.../ Tu, para amenizar as dores tuas,/ Eu, para amenizar as minhas dores!...”

Sobre Medellin

Cachoeiro recebeu a visita do jornalista Jorge Melguizo. Colombiano que atuou no serviço social, cultural e prefeitura da cidade de Medellin. Cidade que por longo tempo foi sitiada pela violência. Uma mazela social que se espalha por todos os países latinos. Dois países se destacam por sua recuperação social: Colômbia e Peru. Países que sofreram com grupos guerrilheiros: Colômbia (Farc) e Peru (Sandero Luminoso). O Brasil, com toda sua diversidade cultural, desigualdade na distribuição de renda e riqueza – das piores do mundo e pela sua dimensão continental, torna-se referência de avanços, atrasos, retrocessos e desorganização no campo social. O jornalista colombiano descreveu experiência exitosa, com a diminuição de violência em sua cidade. Conheci Bogotá e Lima, as capitais dos países que anos atrás, viviam tal qual o Rio de Janeiro atual. Comparando os avanços sociais nas cidades peruanas e colombianas é de se espantar a incompetência política e gestora dos governantes no Brasil. Bogotá e Lima, mesmo sem os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, destacam-se como atrações turísticas na América do Sul. A referência tornou-se evidente no momento em que diminuíram a violência. Nessas capitais, durante o dia e a noite, caminhei por ruas e bairros de atração para o lazer de população local e turista. Visitei centro histórico com segurança. Algo impensável no Brasil. É verdade que possuímos ruas e shoppings seguros, algo raro como a Rua Oscar Freire, em São Paulo.
Visitei Bogotá, cheguei à Cartagena, não fui a Medellin. Embora próximo, não me animei. Perdi uma oportunidade. Algo do preconceito da ocasião. Resquício dos anos da violência. Descobri depois. Mas, Cartagena tem sua culpa. É tão bonita que não me atrevi a deixá-la. Culpa, também, do Gabriel Garcia Marquez, as descrições de realidades e fantasias que vemos em livros parecem impregnadas pelas ruas da cidade. O por do sol e as cores variadas de ruas e casas completam o encantamento. O mesmo encantamento nas diversas cidades peruanas. Apesar das belezas variadas dos dois países, estão longe da infraestrutura encontradas na Argentina, Chile e Brasil - apresentam deficiências no transporte público urbano, telefonia... A pergunta que devemos fazer, com a diversidade cultural e social que encontramos no Brasil, necessitamos buscar novas experiências? Conhecimento e vivências nunca são demais. Porém, o que precisamos, no Brasil, é perguntarmos: Por que não fazemos o óbvio? Se sabemos o que fazer, não fazemos por quê? E se fazemos, não damos continuidade por quê? A pacificação das favelas cariocas é um bom exemplo. Algo bem sucedido em seu início. O desastre atual era uma crônica anunciada e prevista.
O que assistimos, nos países latinos, são experiências sociais bem sucedidas e alternantes, fica sempre a insegurança. Como se tivessem um prazo de validade. Permanece uma grande instabilidade econômica e social que não garante o crescimento humano desejado. Fruto das desigualdades na distribuição de renda e riqueza. E, principalmente, o baixo índice educacional. Nasci e cresci no morro. Grande parte dos meus amigos de infância e adolescência se perdeu no meio da violência. Tive a oportunidade do estudo. Mudei socialmente. Educação: a única forma para mudar a sociedade.




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Augusto dos Anjos, Contrastes: “A antítese do novo e do obsoleto,/ O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,/ O que o homem ama e o que o homem abomina,/ Tudo convém para o homem ser completo!/ O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,/ Uma feição humana e outra divina,/ São como a eximenina e a endimenina/ Que servem ambas para o mesmo feto!/ Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!/ Por justaposição destes contrastes,/ Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,/ Às alegrias juntam-se as tristezas,/ E o carpinteiro que fabrica as mesas/ Faz também os caixões do cemitério!...”