domingo, 27 de novembro de 2016

Cartas e Brechós

“Querido Papai Noel, eu tenho 8 anos, sou filho de um pai preso e uma mãe que usa drogas. Moro com minha avó e minha tia. Sou de família carente, tenho poucos brinquedos, nunca tive uma bicicleta. Mas fico olhando as crianças brincarem e fico imaginando com seria a minha de marcha. Ficarei muito feliz se eu ganhar, preciso também de material escolar para estudar. Muito obrigado! Deus abençoe você!” Foi a carta que retirei nos Correios. Tem um número de registro na parte superior da missiva, através dele localizam o protocolo e o endereço da criança. Um Projeto dos Correios para o Natal de nossas crianças carentes pelo Brasil afora. São milhares de cartas semelhantes a essa. Retire a sua e durante o mês de novembro entregue o presente para a criança que você escolher. Na carta que retirei existem dois pedidos: a bicicleta com marchas e o material escolar. O material escolar vem grifado em amarelo, como se um adulto tivesse corrigido o pedido. Resolvi atender ao pedido como se fosse o verdadeiro Papai Noel, adquiri a bicicleta com marchas, da minha cor preferida: vermelho. Quando criança foi a cor da minha primeira bicicleta, encontrava-me próximo aos 10 anos de idade. Até então, meu pai fazia a opção pelo material escolar, e dizia: “É a riqueza maior que posso te deixar – os estudos.” Quando se aproxima o Natal, dia 25, mudamos. Mesmo racional, optei pelo brinquedo. Mesmo que não seja a solução para o futuro do meu escolhido. Pensei e pedi a Papai Noel: mantenha afastado do meu país, do Brasil, todos os corruptos. Aqueles que desviam o dinheiro público e matam a esperança desta e de muitas outras crianças. Abortam a chance de educação e saúde que merecem. Papai Noel dê firmeza e sabedoria àqueles que julgam e punem esses desgraçados. Eles não permitem nossas crianças sonharem. E nos deixam o pesadelo. Porém, no meio das palavras tristes, identifiquei o início de uma boa redação. No meio da escrita, por um momento, a tristeza desapareceu e, a imaginação, a fantasia, deu lugar a uma bicicleta com marchas.
Bem, além das cartas nos Correios, você pode ajudar, para este Natal, outras crianças. Trata-se do Projeto Vi Ver Unimed. São cinquenta crianças do ensino fundamental de Cachoeiro, Escola Florisbelo Neves, com algum grau de deficiência visual. Foram selecionadas após exame oftalmológico. O Projeto é do Núcleo Feminino da Unimed Sul Capixaba e dos professores da escola municipal. Os óculos serão adquiridos com o fundo arrecadado do Brechó de artigos femininos (roupas, sapatos e bolsas) e masculinos. O Brechó acontecerá no primeiro final de semana de dezembro, no Shopping-Cachoeiro. Na entrega do último óculos, a criança disse: “Mãe, vou poder ver a lua.” Neste mês de novembro a lua estará bem próxima de nós, bem cheia. Mas, para os próximos meses, as crianças precisarão de óculos para enxergar as letras dos seus cadernos e a lua que estará bem distante.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade, Alguma poesia, O que fizeram do Natal: “Natal./ O sino longe toca fino./ Não tem neves, não tem gelos./ Natal./ Já nasceu o deus menino./ As beatas foram ver,/ encontraram o coitadinho (Natal)/ mais o boi mais o burrinho/ e lá em cima/ a estrelinha alumiando./ Natal./ As beatas ajoelharam/ e adoraram o deus nuzinho/ mas as filhas das beatas/ e os namorados das filhas,/ mas as filhas das beatas/ foram dançar Black-bottom/ nos clubes sem presépio.”

domingo, 20 de novembro de 2016

Os Diferentes

Nascem prontos os artistas, os gênios. Pronto para nos mostrar a beleza que a vida é ou poderia ser. Nem sempre desfrutam do dom de sua genialidade, de seus encantos. Muitas vezes caminham para a autodestruição sem sentido. Como se a genialidade consumisse o desejo de uma vida terrena. Fugissem do seu tempo. Vivem através das obras, da música, da poesia, dos contos, das idéias, da imagem e da memória de muitos. Nesses, o despertar é bem cedo, na infância ou juventude. Podemos viver muitos anos, viveremos cada vez mais, contaremos muitos anos. Fruto do controle de doenças infecciosas, do uso racional de antibióticos, das vacinas, do saneamento básico e dos hábitos saudáveis. Porém, mesmo assim, a genialidade, o despertar do artista se fará em sua juventude. Assim foi com Einstein, Freud, Carl Jung, Da Vinci, Caravaggio, Cazuza, Pelé, Maradona, Amy, Rubem Braga, Sergio Sampaio...
            Na literatura brasileira, no início do Império, lembro Joaquim Manuel de Macedo. Médico. Conhecido como Dr. Macedinho. Torna-se, aos 24 anos de idade, um dos primeiros romancistas brasileiro. Apresenta, em forma de folhetim, o romance “A Moreninha”. Depois, com as crônicas em jornais da época, passa a explicar e mostrar as coisas dos amores e o cotidiano do Rio de Janeiro. Rubem Braga, em crônicas sobre Artes e Artistas, da Editora Autêntica – 2016, conta a ideia de Gilberto Freyre: “Com o passar dos anos, e já envelhecidos, o poder criativo cresce.” Cita, como exemplo, Pablo Picasso. Rubem concorda com a vitalidade e capacidade laborativa do pintor catalão, quanto à criativa nem tanto. Ele escreve: por volta dos setenta anos, Picasso “parou de inventar moda.” Pintou por mais vinte, porem, sua arte parou de ser subversiva. Seguiu uma rotina. Não via em sua constatação nenhum demérito. Também, nada conclusivo. Logo adiante fala de Carlos Scliar, pintor gaúcho, aos 50 e poucos anos, na prefeitura de Porto Alegre, com seus painéis: mexeu, viveu, e deu uma revirada de mesa.
            Claro que, a falta da genialidade não impede o aparecimento de muitas capacidades. Fica a dúvida de Émil Cioran: “O que eu sei aos 60, sabia aos 20: 40 anos de um longo e inútil trabalho de verificação.” Acho que não. Prefiro Confúcio: “Aos 15 anos, orientei meu coração para aprender. / Aos 30, plantei meus pés firmemente no chão/... Aos 70, eu podia seguir as indicações do meu próprio coração, pois o que eu desejava não mais excedia as fronteiras da justiça.” Estes, com a transpiração, perseverança e disciplina organizam nosso mundo. Mas, é na beleza da genialidade e na loucura das inspirações que nos sentimos humanos. São as loucuras dessas pessoas diferentes que transformam e impulsionam a vida.


Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Manoel de Barros, poeta do pantanal, em Poesia Completa, Uns homens estão silenciosos: “Eu os vejo nas ruas quase que diariamente./ São uns homens devagar, são uns homens quase que misteriosos./ Eles estão esperando./ Às vezes procuram um lugar bem escondido para esperar./ Estão esperando um grande acontecimento./ E estão silenciosos diante do mundo, silenciosos./ Ah, mas como eles entendem as verdades/ De seus infinitos segundos.”

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Um pouco de poesia...

Santo Agostinho, Sobre a vida feliz: “Então, minha mãe disse: Se a pessoa quer coisas boas e as tem, então é feliz; mas se quer coisas más, muito embora as possua, é miserável. [...] É menos miserável aquele que não consegue alcançar o que quer do que aquele que quer alcançar o que não convém. Assim é a primeira coisa útil da vida, a saber, nada em demasia.”

Caos na Saúde

“Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” O sul do Estado capixaba está esquecido. Portanto, olhai pelos necessitados. Ainda que pecadores. Pedimos socorro. Falo da saúde dos que aqui vivem. O serviço de média e alta complexidade hospitalar da nossa região precisa do seu olhar. Encontra-se à beira da falência. O olhar dos seus auxiliares, e as informações que recebe, é um olhar técnico, de números, do gestor. Talvez eficientes naquilo que propõem, nem sempre reflete a realidade do nosso dia a dia. Precisamos de outro olhar: sensível às mazelas em que vivemos em nossos hospitais. Muito embora, na verdade, necessitemos mesmo é de um milagre. Mas, com seu olhar modificado, poderá ver em nossos olhos toda angústia e ansiedade. Nós: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, administrativo. Enfim: os profissionais de saúde do sul capixaba. E, principalmente, aqueles que mais sofrem pela insegurança na saúde: os pacientes. A rede hospitalar do sul do Espírito Santo é praticamente filantrópica. É a que oferece, na urgência e serviços complementares, a resolutividade esperada, tanto para a criança quanto para o adulto. Aproximamos-nos aos 100% de atendimento aos SUS (na prática tornam-se hospitais públicos, sem serem estatais). Em Cachoeiro: 03 grandes hospitais filantrópicos (Santa Casa – católico; Hospital Evangélico e Hospital Infantil – espírita) e um hospital do Estado (CAPAAC – psiquiátrico); Santa Casa em Castelo, Guaçuí, Iúna e Casa de Caridade em Alegre. Na grande Vitória: Santa Casa de Vitória e Hospital Evangélico de Vila Velha. No norte do Estado: Santa Casa de Colatina. Há mais de cem anos foi fundada a Santa Casa de Cachoeiro. A população sulina é solidária e altruística, precisa do seu olhar para manter as portas abertas dessas Instituições. Sua origem é sulina, queremos acreditar em sua sensibilidade, temos esperança em dias melhores.
Cachoeiro, com seus três grandes hospitais filantrópicos – Santa Casa, Evangélico e Infantil, recebe toda demanda dos municípios vizinhos. A cada dia, nós prestadores de serviços, percebemos as carências se avolumando e a qualidade do atendimento se comprometendo. A falta de material é crescente. O esforço físico é imenso, a angústia também. É algo a olho nu, não precisamos de números ou estatísticas. Bastam nossos sentidos. Algo vai mal e se assemelha ao que passamos no fim do século passado. Em 1999, os portões da Santa Casa de Cachoeiro se fecharam. Com os cortes financeiros que foram feitos pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo, a falta de complementação da tabela do SUS, é impossível um gestor, por melhor que seja, manter o atendimento no sul do Estado. O medo e a insegurança, na área de saúde hospitalar, se agigantam. Temos medo de encaminhar nossos pacientes para a Grande Vitória, o caminho é longo, as curvas são acentuadas, já o fizemos anteriormente e muitos não retornaram. A BR 101 é uma estrada da morte. “Governador Paulo Hartung, olhai por nós.” É o que nos resta.



Sergio Damião Santana Moraes

domingo, 6 de novembro de 2016

Um pouco de poesia...

Santo Agostinho, Sobre a vida feliz: “Então, minha mãe disse: Se a pessoa quer coisas boas e as tem, então é feliz; mas se quer coisas más, muito embora as possua, é miserável. [...] É menos miserável aquele que não consegue alcançar o que quer do que aquele que quer alcançar o que não convém. Assim é a primeira coisa útil da vida, a saber, nada em demasia.”

Alhures

Li, certa vez, uma assertiva: Em um bom texto devem constar duas a três palavras cujo significado desconhecemos. Não sei se isto é verdade. É verdade que, quando consultamos o dicionário, e retornamos da leitura, a palavra desvendada enaltece a crônica, o texto ganha corpo e imaginação. Como tomar um bom vinho em uma taça apropriada. Lembro-me de alguns textos. Um deles, anos atrás, falava de “notícias alvissareiras”. Algo sobre a importância da escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada (Rio de Janeiro-2016). Mas, “aí está o busílis”, não pode ser esquecido, pois, assim como foi animador e esperançoso a escolha do Brasil para a Copa e o Rio de Janeiro para as Olimpíadas, as contas e orçamentos das obras de infraestrutura na Cidade Maravilhosa tornaram-se um pesadelo. Perdemos a chance pelo excesso ufanístico. Além da permanência da violência e do mosquito Aedes.
            Pensei em Alhures, pois todos nós, mesmo por um momento na vida, gostaríamos e procuramos estar em outro lugar. Li um conto, do séc. XV, um jovem para fugir a uma punição cumpre uma ordem da rainha, viaja pelo mundo em busca do maior desejo das mulheres. A liberdade foi o que uma senhora centenária sentenciou ao ser inquirida, mas o desejo da liberdade não fica restrito as mulheres. Rubem Alves, escritor e professor paulista, falecido anos atrás, descreve em um dos seus livros o relacionamento entre um menino e seu passarinho. O pássaro mostrava-se feliz com a amizade, das suas andanças pelo mundo sempre retornava com as notícias e através de um canto alegre as contava ao amigo. O menino gradativamente, pela imaturidade e insegurança, se apossa do passarinho por medo dele voar e não mais voltar, o aprisiona em uma gaiola, a mais bela das gaiolas, a mais linda e confortável das redondezas, mesmo assim, a tristeza toma conta do pássaro, ele lentamente adoece e esquece o canto. O menino percebe a tristeza com o aprisionamento e o liberta. Prefere a alegria e a satisfação de um novo encontro, mesmo com a incerteza da volta. Prefere o risco de ficar apenas com as lembranças. A liberdade e o amor devem caminhar juntos. O amor que aprisiona é egoísta. Quando amamos, desejamos voltar sempre, não é necessário corrente. Os liames são afetivos. Afixados na alma. Os elos feitos de ferro enferrujam e se rompem. O amor quando em parceria com a liberdade nunca se encontra alhures. Com o corpo e alma livres, o amor se aproxima. 



Sergio Damião Santana Moraes