segunda-feira, 24 de abril de 2017

Aforismo

Gosto de ler, gravar ou ouvir os ditados populares, citações e aforismos. São frases, curtas ou longas, de grande sabedoria. Algo que desperta uma reflexão. Bem verdade, não obedecida na maioria das vezes. Os ensinamentos duram o tempo da leitura ou da visão. Mas poderia ser diferente. Deveria ser aquilo que o poeta português, Fernando Pessoa, com seus vários heterônimos, anunciou: “A língua portuguesa é minha pátria. ” A leitura permite o contato com vários pensadores - artistas das letras, aprimoramento da linguagem, amadurecimento dos nossos conhecimentos e sentimentos. As citações podem estar escondidas em poesias, em algum romance, nos dicionários ou em placas de caminhões. O escritor argentino, Jorge Luiz Borges, pensou: “Se eu pudesse viver outra vida...” Imaginou um homem aos oitenta, ou ele estava com oitenta anos? Não importa, pensou como poderia ter vivido diferente. Um alerta para o homem atual, para o racionalismo, mecanicismos e consumismo. As causas das carências afetivas. A causa da depressão. Mas: “Aí está o busílis! ” Nos sermões de Vieira (Padre Antônio Vieira, 1608 – 1697, português, viveu na Bahia) aprendemos: “Morrer de muitos anos, e viver muitos anos, não é a mesma coisa. Ordinariamente os homens morrem de muitos anos, e vivem poucos. Por quê? Porque nem todos os anos que se passam, se vivem: uma coisa é contar os anos, outra vivê-los; uma coisa é viver, outra durar.... Mais vivem uns em poucos anos, que outros em muitos. ” Padre Vieira em seus sermões insistia no modo de viver e de ser, ele não escreveu, mas imagino para as Olimpíadas e com o que foi na Copa do Mundo, com as coisas que acontecem em nossa política diária, certamente concordaria com os dizeres atribuídos aos romanos: “Não basta ser honesto, tem que parecer honesto. ” Uma boa citação para os nossos representantes em Brasília.
            Na profissão médica, desde o início da Idade Moderna, com os filósofos Descartes e Pascal, o dualismo existe. A dúvida entre a ciência e o sentimento - dimensão afetiva. A medicina cartesiana, o corpo dividido em partes - como uma máquina, influenciou a prática médica americana e ocidental e é a que até o momento prepondera. Surge a idéia pascaliana, o filósofo acrescentava: “O coração tem suas razões que a razão não conhece. ” Com isso podemos lembrar o aforismo hipocrático: “Curar quando possível; aliviar quando necessário e consolar sempre. ” Volto aos sermões de Vieira: “Eu antes quero grandes dificuldades, que as pequenas; porque as pequenas correm por minha conta, as grandes por conta de Deus. ” Não sei se as citações ajudam em sua vida prática. Não sei, nem mesmo, se serve para a minha. Em nosso dia a dia não paramos para pensar. Só sei que, quando abro um livro e me encontro com a leitura, é como se um espanhol descobridor e explorador de uma cidade rica em prata da região dos Incas dissesse: A leitura... “Vale um Potosi. ”




Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Carlos Drummond de Andrade: “Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida./ [...] Meu Deus, por que me abandonaste/ se sabias que eu não era Deus/ se sabias que eu era fraco./ Mundo mundo vasto mundo,/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução./ Mundo mundo vasto mundo,/ mais vasto é meu coração./ Eu não devia te dizer/ mas essa lua/ mas esse conhaque/ botam a gente comovido como o diabo.”

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Cachoeiro: 150 anos

Em 25 de março de 2017: 150 anos de Emancipação Política. Bernardo Horta de Araújo, resgatado na história de Cachoeiro de Itapemirim, por Higner Mansur, representa nosso maior valor em cidadania. A Academia Cachoeirense de Letras (ACL) marcou presença na efeméride, no Teatro Municipal, com leituras de textos dos nossos melhores escritores. As presenças de David Lóss, presidente atual, do presidente eleito para a próxima gestão, Roney Moraes, mais a Secretária de Cultura – acadêmica Fernanda Martins, na Sessão Solene da ACL, é a certeza de dias melhores para nossa Academia e a cultura do município. Escolhi dois poetas (Newton Braga e Benjamin Silva) e um cronista (Rubem Braga) para representarem nossos escritores nesses 150 anos.
De Rubem, separei: “Chego à janela de minha casa e vejo que umas coisas mudaram. Estou cercado de lembranças... É extraordinário que esteja aqui, nesta casa, nesta janela, e ao mesmo tempo é completamente natural e parece que toda minha vida fora daqui foi apenas uma excursão confusa e longa: moro aqui. Na verdade onde posso morar senão em minha casa? [...] Bem, tenho que sair. Mas no momento em que vou deixar a janela, vejo um homem que passa para baixo; é um velho com seu andar lento. É Chico Sapo. Lá vai ele, no seu lento andar de sempre, mais velho e útil que o pé de fruta pão, de idade talvez das águas do rio, e tão antigo, e tão laborioso e tão Cachoeiro de Itapemirim como as águas do rio...” Sobre o poeta Benjamin Silva, escreveu Atílio Vivacqua: O lirismo de Benjamin é, no fundo, uma comovida atitude ante as coisas e a gente da terra. Aquela imanência poética dos materiais de que se serve transfunde-se pura e integral em seus versos. O poeta utiliza-se da matéria prima tal qual a colhe em seu estado nativo, não para transformá-la num artefato, mas para revelar-lhe os princípios e as propriedades naturais. Escreve o “Frade e a Freira” não como um curioso acidente geográfico, ele revela a realidade poética nas duas pedras: “Diz a lenda – uma lenda que espalharam - / Que aqui, dentre os antigos habitantes./ Houve um frade e uma freira que se amaram.../ Mas que Deus os perdoou lá do infinito/ e eternizou o amor dos dois amantes/ Nessas duas montanhas de granito.” De Newton, escolhi seu melhor lirismo: “Bem sabes que, se um dia, na estrada da vida,/ o destino me destacasse entre os humanos,/ como um leito sobrenatural,/ e colocasse ao alcance de minhas mãos vazias/ a flor raríssima e sonhada/ que os homens chamam de felicidade,/ eu a colheria, carinhosamente,/ e iria depositá-la a teus pés, como oferenda do meu pobre amor./ [...] No entanto, eu te desejo um mal, eu te desejo um sofrimento enorme, sem remédio:/ - perdoa: que tu sentisses, de mim,/ a saudade que sinto de ti.” Em uma de minhas crônicas, escrevo: Acho que a lua, quando cheia, bem cheia, quase transbordando de algo desconhecido, fica mais bonita em Cachoeiro de Itapemirim. Acho que a poesia e a crônica bem representam o amor por nossa cidade.


Sergio Damião Sant’Anna Moraes

“Médicas do Sul Capixaba”

O mês de março, em todo o mundo, é dedicado às mulheres. Algo justo. Espero que, com o passar dos anos, desnecessário. A necessidade da efeméride mostra o quanto estamos longe da igualdade de gêneros – algo natural, como a natureza em nossa volta. Porém, nós homens, precisamos evoluir e a sociedade se civilizar. Por enquanto, vamos festejando, ano após ano... Enviando flores, oferecendo abraços, felicitações... E, na calada da noite, ou em plena luz do dia, sem nenhuma justificativa, a violência contra a mulher se faz. Uma hipocrisia – homenagem do vício à virtude, da sociedade. Mas existe luz no fim do túnel. Apesar da percepção negativa da qualidade de gestão da saúde no Brasil, em pesquisa do Instituto Datafolha, em fim de 2016, os médicos são apontados como a categoria que detém o maior índice de credibilidade e confiança no país. Logo depois, bem junto, os professores. Duas categorias profissionais em que as mulheres se destacam cada vez mais. Na Unimed Sul Capixaba as mulheres já representam mais de 30% dos cooperados; já se apresentam em número crescente na Diretoria Executiva, Conselho Técnico e Conselho Fiscal. Isto é, as mulheres gradativamente assumem seu papel de destaque na Gestão da Cooperativa Médica. Algo que faz a diferença no dia a dia cooperativista. Além da perícia, diligência, prudência e humildade, associa-se a compaixão. O Núcleo Feminino Cooperativista com médicas cooperadas e esposas de médicos cooperados se faz presente no trabalho social e assistencial da Cooperativa. Destacando a campanha pela visão das crianças do ensino fundamental de Cachoeiro de Itapemirim.
É verdade que o Relatório do BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento nos entristece. O Banco Mundial solicita melhoras nas Leis de proteção à mulher brasileira contra a violência. Em seus estudos o Banco constata: O Brasil ocupa a quarta posição em número de casamento infantil no mundo. Na América Latina somos o primeiro. Isto significa mais de 30% da população feminina, em nosso país, se casa antes dos 18 anos. Na África e na Ásia elas são forçadas; no Brasil é uma aparente escolha. Com os dados do BIRD, a colunista do Jornal O Globo, Ana Paula Lisboa, conclui: “Mulheres que apanham não podem desenvolver um país; mulheres que precisam sair da escola cedo não podem desenvolver um país; mulheres que são humilhadas não podem desenvolver um país; mulheres que engravidam cedo e não tem com quem deixar seus filhos não podem desenvolver um país; mulheres...”. Qual a diferença das nossas mulheres médicas do sul capixaba com as mulheres citadas pelo Banco Internacional? Anos escolares: a educação. As nossas médicas estão livres da violência masculina? Ainda não. Mas as nossas mulheres estão no caminho. Assumindo, gradativamente, um papel decisivo em nossa sociedade. Nós homens devemos contribuir. Livrarmos de nossas vaidades. Assumir a humildade de reconhecermos que uma sociedade justa e igual só será construída sem as diferenças de gênero. Enquanto isso: penso como Fernando Pessoa, nosso poeta português: “Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais nem querendo ser mais que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que posso.”

  

Sergio Damião Santana Moraes

Um pouco de poesia...

De Cecília Meireles, Motivo: “Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste:/ sou poeta./ Irmão das coisas fugidias,/ não sinto gozo nem tormento./ Atravesso noites e dias/ no vento./ Se desmorono ou edifico,/ se permaneço ou me desfaço,/ - não sei, não sei./ Não sei se fico ou passo./ Sei que canto. E a canção é tudo./ Tem sangue eterno a asa ritmada./ E um dia sei que estarei mudo:/ - mais nada.”