Meses atrás
escrevi: mesmo com toda tristeza, pelo mar de lama – rejeito de minério de
ferro da barragem Samarco, em Mariana (Minas Gerais), que assola o Rio Doce,
ainda assim experimentei momentos de alegria ao caminhar junto ao Itapemirim,
no centro de Cachoeiro e, por toda Avenida Beira-rio. Foi em fim de semana,
logo após as chuvas, em domingo pela manhã. A euforia permanecia por toda
caminhada, observava nuvens em nosso céu, um prenúncio de dias melhores para o
rio, agricultura e animais. Parece estranho que tão pouco aos olhos de muitos me
faça tão feliz. É... A alegria daquele fim de semana não se confirmou. Vivemos
com as alternâncias do tempo e o sofrimento do rio. Eu vejo: “Na paisagem do
rio / difícil é saber onde começa o rio; / onde a lama começa do rio; / onde a
terra começa da lama; / onde começa o homem naquele homem. [...] Um cão, porque
vive, é agudo. / O que vive não entorpece. / O que vive fere. / O homem, porque
vive, choca com o que vive. / Viver é ir entre o que vive...” Eu vi o rio
Itapemirim, e o Doce, como o poeta João Cabral de Melo Neto viu os rios pelo
mundo afora. Acho que o medo do poeta ao enxergar a lama dos rios é o que sinto
ao ver o Itapemirim. O Rio Doce, bem antes do mar de lama da Samarco, já se encontrava
em situação catastrófica. Já apresentava sinais de abandono em suas nascentes,
desmatamento em seu entorno e um mar de esgoto em seu leito. A decretação de
sua morte, ou perda de vidas nas profundidades de suas águas nos próximos anos,
era anunciada e prevista pelos ambientalistas. A empresa Samarco deu o tiro
derradeiro.
Por isso, a
lama descrita nos versos do João me amedronta. Mais ainda quando lembro as
imagens do rio do norte capixaba. Por alguns dias abandonei a caminhada em
torno do nosso rio Itapemirim. Fui forçado. A dor em membro inferior esquerdo
não me deixa caminhar. O rio passei a observar do alto das pontes. Não vejo as
garças e as pedras se sobressaem na paisagem. Vejo mato, areia... Uma tristeza
sem fim. Uma dor maior que a minha dor física. No tempo em que caminhava ao
lado do rio: eu via o barco, o homem e sua rede. Hoje: o pequeno volume d’água,
o grande número de pedras, a diminuição da minha visão. Quem sabe? O reflexo do
sol nas grandes pedras à mostra no leito do rio. Ou? As palavras do poeta João.
Não sei. Só sei que vejo um homem desaparecendo no areal do nosso rio. Pensando
melhor, bem sei, não consigo enxergar com nitidez devido ao medo. Medo de
acontecer o desaparecimento do nosso rio, assim como despareceu o Rio Doce. O
rio do norte capixaba – o rio que o meu pai me apresentou na infância (meu
primeiro rio). Antes de ele desaparecer totalmente, apresentava sinais que se assemelham
ao Itapemirim. O meu medo é que desapareça o rio que escolhi para viver o resto
dos meus dias.
Sergio Damião Sant’Anna
Moraes
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