quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

“Sem causar mal”

É o nome do livro do Dr. Henry Marsh, neurocirurgião inglês, Chefe do Departamento de Cirurgia do George’s Hospital, em Londres, desde 1987. Premiado em dois documentários sobre a sua vida e carreira. Ele comove e surpreende com sua escrita. O nome do livro, ele tomou de um aforismo hipocrático: “Em primeiro lugar, não causarei mal...” Recebi o livro do Fernando Fittipaldi, nefrologista como eu, trabalhamos juntos há mais de trinta anos. Ele disse: “Comprei dois, um para você e outro para mim. Acho que você vai gostar.” Gostei. São histórias, várias crônicas, com temas instigantes, todas ligadas ao trabalho médico do Henry. Relatos de cirurgias em tumores e acidentes vasculares cerebrais, anomalias congênitas... Além do seu trabalho humanitário em Kiev – Ucrânia. Fittipaldi completou: “Histórias semelhantes as que vivemos na nefrologia do nosso dia a dia.” Concordei. As questões da medicina são os conflitos humanos, não poderiam ser diferentes em qualquer lugar do mundo, carregamos todos em nosso DNA. Dr. Henry, antes de se decidir pela medicina, trabalhou em hospital psiquiátrico, foi técnico de enfermagem, cuidava dos pacientes demenciais, em hospital psiquiátrico. Banho, higiene intima e alimentação ele oferecia. No livro, conta o seu dia em centro cirúrgico e os dilemas pelas questões sociais e afetivas de pacientes, familiares e equipe. Algo presente em todos os hospitais do planeta. No seu relato do exercício da medicina, percebemos que as dificuldades encontradas são bem semelhantes, seja em Londres, Kiev ou Brasil. A piora na qualidade do atendimento e exercício da medicina são evidentes com a queda do poder econômico e social. Algo que no Brasil, e no sul do estado capixaba, conhecemos bem. Mas, os conflitos humanos e carências afetivas mais que se assemelham.

Com coragem fala de seus erros, temores e as coisas humanas de todos nós. Algo difícil de encontrarmos em nossa profissão. Na verdade, nos seres humanos de um modo geral. Pois: “O médico acha que é Deus; o neurocirurgião tem certeza.” Ele cultiva as virtudes da humildade e tolerância. Parece dizer, como Sócrates: “Só sei que nada sei.” Torna-se tolerante; aceita a opinião contrária. A todo o momento busca a Grécia antiga e o início da filosofia ocidental: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses.” Descreve, também, as falhas do sistema de saúde inglês, considerado um dos melhores programas de saúde pública do mundo. Mostra a carência de leitos hospitalares, demora em cirurgias... Algo para pensarmos: profissionais de saúde e sociedade brasileira. Existe tempo para viver e morrer. No momento, vivemos um dilema ético: com a evolução da medicina, as técnicas e aparelhos modernos são para poucos. Modernidade que a maioria da população não pode usufruir. Ainda assim, o sonho de uma medicina de qualidade pública, e universal, não deve acabar.



Sergio Damião Sant’Anna Moraes

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