sábado, 28 de maio de 2016

Bem-te-vi

Existe um ninho próximo à “Banca do Jorge”. A banca fica entre o Mercado Municipal e a Padaria Brasil, na Praça São João. O ninho se acomoda no alto de um poste de iluminação pública. O calor da lâmpada aquece seus habitantes nas noites frias cachoeirense. O ninho é pequeno, forma oval, vários gravetos se sobressaem. Não é bonito, mas parece aconchegante. Os moradores vão se alternando, seus proprietários (genitores) expulsam os aprendizes tão logo percebem a capacidade de sobrevivência. Foi em uma dessas “expulsões” que o conheci. Apesar da passagem freqüente pelo local nunca reparara até então. Em um desses finais de semana, ao me aproximar da banca de revistas, reparei no esforço do Jorge, o guardador do ninho, em alinhar um pequeno pássaro colorido (cabeça preta e peito amarelo), que dizia tratar-se do Bem-te-vi, de volta à arvore. Após algumas tentativas de recolocar o nosso filhote de Pitangus Sulphuratus, desistiu. Concluiu que, os genitores não o expulsaram, não se tratava de um “ninhego”, e sim, buscavam levá-lo ao amadurecimento e desenvolvimento através da liberdade. Aprenderia a voar, e assim, ganharia o mundo.
  Mas ele, tão logo deixava o ninho, desabava no asfalto. Junto aos carros da avenida. Pelos riscos do local, diminuiriam as chances de sobrevivência. Nascera em local inadequado, assim como muitas crianças das nossas ruas e morros. Crescem sem perspectivas. Um futuro ameaçado. Caso estivesse em um habitat ideal, se estivesse no campo, logo cantaria. Pelas condições oferecidas, corremos o risco de nunca ouvir seu piar. Um canto a menos em nossa cidade. Um empobrecimento em nossa onomatopéia. Jorge não desiste. Lembra de outros passarinhos, de gerações anteriores de Bem-te-vis. Lembra do canto forte, do modo peculiar no assobiar, na chegada do casal de amantes e futuros genitores. Ele acompanha a natureza, as coisas do ser humano e as coisas da cidade se misturando. As gerações se adaptam. As hormeses acontecem. São maneiras diferentes de viverem e vivermos. Bom seria se a ave de cabeça preta e peito amarelo continuasse exibindo seu canto em toda região brasileira. Que o Bem-te-vi continuasse a encantar São Pedro, padroeiro de Cachoeiro de Itapemirim, em mês de junho e em todos os meses do ano. Quando ele eleva o voo e, ao longe, ouvimos seu sinal, ficamos com a certeza que São Pedro esquece as chuvas e que o sol estar por vir. Lembramos o calor e aconchego de um ninho. E, é o que buscamos quando adormecemos.

Janeiro, 2012

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