Saudade dói. A
dor não é física. Não tem ponto de localização no corpo. Ela se apodera do pensamento,
da mente, das lembranças... Invade a visão do presente e parece que se
perpetuará no futuro. A angústia é imensa. O medo também. Medo de sofrer. A
saudade dói. Chega devagar e de repente se agiganta e ocupa todos os momentos
da vida. Mesmo dos instantes do cotidiano. Buscamos o tempo. O tempo é o
remédio. Um paliativo. Não existe cura para a saudade. Deixamos o tempo agir.
Ele abranda a dor. Alivia a angústia. Cicatriza feridas. Ele age lentamente.
Não é um tempo instantâneo. Para algumas saudades, o tempo parece tomar a forma
infinita. O tempo, apesar de cicatrizar feridas, ele deixa a memória, e da
memória as lembranças, e o lembrar traz a dor. Incomoda o viver. Viver passa a
ser dependente do esquecimento. Esquecer, apagar uma memória, não depende da
razão, depende dos nossos sentidos, e este, não dominamos totalmente. Depende
do desejo, e o desejo é mais forte que o querer racional. Tenho saudades. Às
vezes me pego triste, melancólico. São saudades... São muitas as fontes da
saudade. Ela é parente do amor. Só sentimos saudades daquilo que amamos, do que
desejamos. A saudade vem dos sentidos. Sentimos saudades do cheiro, do tocar,
do ouvir, da voz, do gosto, do perfume... Das coisas que nos alegram e nos faz
viver. A defesa para não sentir saudades, para não sofrer, é não amar; não
desejar. Mas como não amar? Seria um não viver. Portanto, viver é sofrer. Viver
é ter saudades. E ter saudades é sofrer. Somos fadados a sofrer. Os que amam,
sofrem. Sofrem os pais, os filhos, os enamorados... A saudade aparece em um
ponto de ônibus, em uma estação de trem, em uma rodoviária, em um aeroporto, em
uma avenida, em uma rua, estacionamento... Ela se manifesta no olhar, na mão
levantada do adeus, nas lágrimas da face ou na voz arrastada. Sofrem os que
ficam no fim de uma cerimônia de sepultamento; no fim de um relacionamento; na
viagem de um parente próximo. A saudade não esclarece a razão. Ela apenas se
manifesta. O tempo e a não lembrança são os remédios.
Na primeira
vez que presenciei uma dor fantasma, não entendi. Não entendia como uma dor
podia se manifestar em um membro que não mais existia. Hoje, entendo. É a saudade.
É a mesma saudade daquilo que não possuímos mais. Na dor fantasma, eu não entendia
como ele podia se queixar, dias após a amputação, de dor mais forte do que
quando o membro gangrenado estava unido ao restante do corpo. O cérebro, na dor
fantasma, lembrava da parte do corpo retirada. Sentia saudade de parte do
corpo. A dor não pertencia à razão, não era consciente, era sentida pelas
lembranças de seus neurônios. O cérebro sentia saudade daquilo que um dia lhe
pertencera. Assim nos apresentamos nas perdas. A saudade dói, incomoda como se
parte de nós não mais existisse. É preciso reconstruir a parte perdida. Existem
pedaços em nossa volta que podemos juntar e assim abrandar a saudade.
Sergio Damião Santana Moraes
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