domingo, 2 de outubro de 2016

Saudade

Saudade dói. A dor não é física. Não tem ponto de localização no corpo. Ela se apodera do pensamento, da mente, das lembranças... Invade a visão do presente e parece que se perpetuará no futuro. A angústia é imensa. O medo também. Medo de sofrer. A saudade dói. Chega devagar e de repente se agiganta e ocupa todos os momentos da vida. Mesmo dos instantes do cotidiano. Buscamos o tempo. O tempo é o remédio. Um paliativo. Não existe cura para a saudade. Deixamos o tempo agir. Ele abranda a dor. Alivia a angústia. Cicatriza feridas. Ele age lentamente. Não é um tempo instantâneo. Para algumas saudades, o tempo parece tomar a forma infinita. O tempo, apesar de cicatrizar feridas, ele deixa a memória, e da memória as lembranças, e o lembrar traz a dor. Incomoda o viver. Viver passa a ser dependente do esquecimento. Esquecer, apagar uma memória, não depende da razão, depende dos nossos sentidos, e este, não dominamos totalmente. Depende do desejo, e o desejo é mais forte que o querer racional. Tenho saudades. Às vezes me pego triste, melancólico. São saudades... São muitas as fontes da saudade. Ela é parente do amor. Só sentimos saudades daquilo que amamos, do que desejamos. A saudade vem dos sentidos. Sentimos saudades do cheiro, do tocar, do ouvir, da voz, do gosto, do perfume... Das coisas que nos alegram e nos faz viver. A defesa para não sentir saudades, para não sofrer, é não amar; não desejar. Mas como não amar? Seria um não viver. Portanto, viver é sofrer. Viver é ter saudades. E ter saudades é sofrer. Somos fadados a sofrer. Os que amam, sofrem. Sofrem os pais, os filhos, os enamorados... A saudade aparece em um ponto de ônibus, em uma estação de trem, em uma rodoviária, em um aeroporto, em uma avenida, em uma rua, estacionamento... Ela se manifesta no olhar, na mão levantada do adeus, nas lágrimas da face ou na voz arrastada. Sofrem os que ficam no fim de uma cerimônia de sepultamento; no fim de um relacionamento; na viagem de um parente próximo. A saudade não esclarece a razão. Ela apenas se manifesta. O tempo e a não lembrança são os remédios.
Na primeira vez que presenciei uma dor fantasma, não entendi. Não entendia como uma dor podia se manifestar em um membro que não mais existia. Hoje, entendo. É a saudade. É a mesma saudade daquilo que não possuímos mais. Na dor fantasma, eu não entendia como ele podia se queixar, dias após a amputação, de dor mais forte do que quando o membro gangrenado estava unido ao restante do corpo. O cérebro, na dor fantasma, lembrava da parte do corpo retirada. Sentia saudade de parte do corpo. A dor não pertencia à razão, não era consciente, era sentida pelas lembranças de seus neurônios. O cérebro sentia saudade daquilo que um dia lhe pertencera. Assim nos apresentamos nas perdas. A saudade dói, incomoda como se parte de nós não mais existisse. É preciso reconstruir a parte perdida. Existem pedaços em nossa volta que podemos juntar e assim abrandar a saudade.



Sergio Damião Santana Moraes

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