“Lamentar uma
dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente.” Silvio lia os
versos da tradução de poesia inglesa. Não sabia o nome do autor, porém se
encantava com o encadeamento da musicalidade poética. Os versos se misturavam à
sua desilusão amorosa. Na verdade, um quase amor. Para não sofrer, deveria
esquecer. Apagar lembranças. Necessitava da perda de memória recente e
seletiva, algo que a ciência médica não o ajudaria, não conseguiria explicar a
seletividade de memória. Era uma questão de escolha: esquecer ou sofrer. Sua
decisão: não lamentar dores passadas. Escolheria viver.
Encontrava-se
em meia idade. Fisicamente bem. Em bom estado clinico e geral, como diriam os
médicos. Emocionalmente nem tanto. Sentimentalmente pior. Até então, relações
amorosas superficiais e passageiras. A maioria sem vestígios de sua existência.
Nada a lembrar ou festejar. Por isso, a empolgação ao conhecer Marcia. Uma
centelha de paixão. Possibilidade de amor verdadeiro. Esperança de poder dizer:
meu amor. Algo que nunca pronunciara em seus relacionamentos. A dor que sentiu
com o não atendimento das suas ligações pela Marcia até certo ponto o animava.
Não que fosse masoquista e desejasse o sofrimento. Com a dor que sentia, podia
dizer: estou vivo, sinto a dor da paixão que os poetas e amantes descrevem em
livros e aparecem em bares das cidades. Mas a persistência da dor o maltratava.
Melhor esquecer seu quase amor, concluiu. Em pensamento reafirmou: vou
esquecer. Apagarei de memória a silhueta do corpo e sorriso da Marcia. Assim
como apagava o número de telefone em seu celular.
No dia
seguinte, ao acordar, ainda na cama, o pensamento retornava. Lampejos, segundos
de lembranças, parecia inevitável o retorno de imagens não desejadas. Apagar o
número de telefone foi uma decisão fácil, difícil era apagar as imagens. Não
dominava sua mente. Tornava-se autônoma. Levantou-se lentamente. Há algum tempo
percebia uma lentidão nos movimentos de braços e pernas. Bem como no
raciocínio. Atribuía ao cansaço físico e mental das atividades no serviço.
Gradativamente apresentava-se como um homem lento. Lento nas decisões, nas
refeições e no falar. Não parecia perturbá-lo, incomodava seus interlocutores.
Sentia necessidade de viver uma paixão. Isso, certamente, o reanimaria.
Lembrou-se dos versos: “Lamentar uma dor passada é sofrer novamente.” Guardava
o sentido da frase: lembrar, dor e sofrer. Naquele dia, em seu carro, no trânsito
lento, no retorno para casa, lembraria apenas das boas coisas da vida.
Aos 50 anos de
idade encontrava-se sozinho. Não se sentia solitário. Gostava dos seus momentos
de solidão e silêncio. Eles foram preenchidos, nos últimos meses, com imagens
da Marcia. Incomodava. A paz em que vivia desapareceu. Ainda, a todo instante,
sentia necessidade de encontrá-la. Mas... Existiam as crianças. Perderia seus
silêncios e individualidade. Quanto mais lutava pelo apagamento de memória,
mais ela se tornava viva. O presente era ocupado pela dor de uma paixão não
correspondida. Como não lembrar? Se o desejo era intenso. Na lentidão dos seus
50 anos, pensou: não lembrar era a chance de não sofrer; sem as lembranças
morreria um pouco a cada dia.
Sergio Damião Santana
Moraes
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