“Vamos fugir.
Para outro lugar baby. Vamos fugir. Onde quer que você vá que você me carregue.”
No rádio do carro, ele ouvia a música. Em seguida: “Eu preciso te falar. Te
encontrar de qualquer jeito. Prá sentar e conversar. [...] Eu preciso respirar
o mesmo ar que te rodeia e na pele quero ter o mesmo sol que te bronzeia...” Os
acordes despertavam em Silvio as
lembranças de Marcia. O amor perfeito que nunca se concretizou. Lembrava-se de
meses atrás, logo após a consulta médica, com a constatação da alteração em
próstata, apresentava-se fragilizado. Marcia não atendeu suas ligações. A
música despertava bem mais que sentimentos adormecidos. Despertava a decepção vivida.
Da Marcia, lembrava: silhueta do corpo e as linhas perfeitas de sua face. Lembrava-se
do sorriso e dos cabelos lisos cobrindo os ombros, bem como do olhar. Não lembrava
a voz. Permanecia em sua memória: o cheiro e o olhar. Os sentidos aguçados do
desejo. Sentidos da memória viva, apesar dos meses passados. Era fim de tarde, dia
ensolarado e quente, encontrava-se dentro do carro, apesar de confortável e com
ar refrigerado ligado, sentia-se incomodado, a música o incomodava. Sentia-se melancólico
com as lembranças. Perdia a chance de viver um amor perfeito. Por isso a música
o incomodava tanto; trazia o sentimento de perda – parte de sua vida deixava de
existir. Morria um pouco, com a perda daquele amor. Morava em uma cidade mediana
em população e imensa em trânsito de carros e motos. Aguardava o retorno para casa.
Mantinha hábitos saudáveis: trabalho, casa, ginástica e moderação nos alimentos
e bebida alcoólica. Fortalecia o corpo e mantinha uma mente sã. Envelhecia com
qualidade de vida. Alinhava seus pensamentos em seus momentos de solidão e silêncio.
Um desses momentos era no retorno para casa, com a lentidão dos carros no
trânsito intenso.
Naquele dia, as
buzinas pareciam irritantes. Algo que não sentia em dias anteriores. As buzinas
atrapalhavam seus devaneios. As motos junto ao retrovisor do seu carro eram uma
agressão ao seu bom senso. Pensou em abrir a porta do carro e agredir o motociclista.
Por pouco... Conseguiu controlar-se. Voltava o pensamento ao rosto e ao corpo
perfeito do seu amor. De repente, em leve movimento de cabeça, identificava a
sua amada. Um carro à frente. A poucos metros, mesmo com o sol forte em seu
rosto, visualizava detalhes do cabelo, pescoço e ombro. Com as imagens do carro
ao lado reativava uma memória que achava perdida. Com ansiedade chegava seu
carro próximo ao dela, ficaria lado a lado, sentiria seu cheiro - reativaria a
memória olfativa. Acordaria o animal que carregava em suas entranhas.
Despertaria o vulcão adormecido nos meses de solidão. O trânsito não permitia a
aproximação, pensou em abandonar o carro, as motos em vai e vem alucinante não
permitiam. Buzinava. Algo que nunca fizera: buzinar inutilmente. Pura
ansiedade. Vivia a angústia. A poucos metros podia ter o contato visual.
Enquanto tentava o contato, pensou: e se ela recusasse em atendê-lo? Usaria a
chantagem emocional, algo que a convencesse a largar o carro no acostamento e o
seguir para um lugar qualquer. O carro à frente avançou o sinal. Ele parou ao
lado do carro da sua amada. A tristeza foi enorme, mais uma desilusão, no
veículo ao lado não se encontrava o seu amor perfeito.
Sergio Damião Santana
Moraes
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