Ruimar Marques
(Manga): soube do nome recentemente. Até então, semanas antes, até o fim do ano
de 2016, encontrava-o diariamente, cumprimentava-o e a conversa, ou uma
brincadeira, fluía. Curioso, não havia necessidade de nomes ou apelidos. Foi
assim o ano de 2016 e anteriores: estacionava o carro sob a ponte que liga a
Avenida Francisco Lacerda de Aguiar à Santa Casa de Cachoeiro. Deixava-o bem em
frente ao Lavador e seguia em direção ao serviço de hemodiálise. Também, não me
atentara, sobre o nome e a propaganda: “Lavador do Manga”. Nunca usei do
serviço, ainda assim, ficava tranquilo, como um pacto de cidadania, sabia que
existia segurança, nada precisava ser dito. Manga apresentava dificuldade em
pronunciar algumas palavras, e ainda, em alguns movimentos – fora acometido por
um Acidente Vascular Cerebral devido o descontrole da pressão arterial
sistêmica – algo frequente em nossa população. Isto, entretanto, não impedia
que agradasse as pessoas que ali passavam ou procuravam o serviço do seu
Lavador.
Em 06 de
fevereiro, segunda-feira, dia mais tenso da paralisação dos policiais militares
do nosso estado, pela manhã, encontrava-me no pronto socorro da Santa Casa. De
repente, um alvoroço, as pessoas falavam sobre um “arrastão” proveniente das imediações
do hospital infantil. Rapidamente fecharam as portas do hospital. Lembrei-me do
meu carro. Desci em direção à ponte, no caminho, com a rua praticamente
deserta, dos carros ouvia o alerta: Rápido! Saia da rua! Com receio abri a
porta do meu carro. Observei, pelo retrovisor, que o Manga não se encontrava –
lembrei que em todo mês de janeiro, ou melhor, no ano de 2017, não o tinha
visto. Dei por falta no momento que precisava de apoio, certamente me sentiria
seguro com a sua presença – algo que me acostumara nos últimos anos. A
lembrança da sua ausência foi rápida. Dei partida ao carro e busquei um lugar
seguro. Viajei, por alguns minutos, pela Ponte de Ferro, através do rio
Itapemirim, em meio ao caos e ao terror. No trajeto, até um lugar seguro, fui
pensando no tempo de vida, nas memórias e nos sonhos. Na realidade das coisas e
em nossas sensações. Em nossas sensações buscamos a verdade: encontramos
mistérios. No dia seguinte, terça-feira, 07 de fevereiro, ainda sob a
influência do medo, sem estacionar o carro, passei em frente ao Lavador. A
filha se encontrava, perguntei sobre o Manga. Ela informou sobre o falecimento.
Em fim de dezembro, ela disse. No dia anterior, quando retirei o carro em busca
de um lugar seguro, necessitava atender ao hospital Evangélico (Heci). No
caminho, observei motos, com peças e caixas, passavam pelo meu carro em grande
velocidade (adultos e adolescentes), estavam com os produtos de saques e da
barbárie que vivíamos. Ao chegar ao Heci, vi um pássaro – um canário sobre a corrente
que protegeria meu carro. A cor amarela do seu peito se destacava. Em sonho,
busquei um tempo futuro. Viver o sonho. O sonho do pássaro amarelo e de
liberdade. Será possível?
Sergio Damião Sant’Anna
Moraes
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