Acho
que já contei a história dos Linguarudos de Santo Antônio, bairro da nossa
capital, onde nasci e cresci. Era um Clube de 25 homens, cada um representando
o número do bicho do jogo homônimo e proibido. Reuniam-se nas manhãs de domingo,
próximo à barbearia localizada no final do Cemitério Municipal, na subida do
Santuário do santo casamenteiro. O nome não deixa dúvida em relação ao que
faziam. A Assembléia servia para falarem mal da vida dos outros e deles mesmos.
Divertiam-se com as histórias contadas durante o carteado e dominó, enquanto as
crianças brincavam com a bola de vidro ou de couro. Nesse tempo, as mulheres
preparavam o frango ao molho pardo com batata inglesa, bem como a macarronada.
Não reclamavam. Era seu ofício, servir os linguarudos. No final do ano, um
deles ganhava no jogo - dezena, centena, milhar ou no grupo. Pelo tamanho e
duração da festa imaginava-se o valor arrecadado. No ano seguinte, após a
entrega do troféu, uma língua esculpida em madeira, o vencedor era substituído por
um novo membro, escolhido entre os novos que se destacava na arte da verve. Na
verdade, um bom linguarudo. Durante o ano, riam do mau humor da anfitriã e da
comida ruim servida. Com o Clube da Língua a tradição era mantida no bairro.
Acho também que servia de proteção, uma maneira de saberem, em primeira mão, a
notícia coloquial.
No
final da adolescência conheci na prainha de Vila Velha, onde a colonização do
solo do Espírito Santo começou; onde temos a melhor vista do Convento da Penha;
onde se localiza nossa primeira Igreja: do Rosário; onde os barcos deveriam
atracar e zarpar para um passeio turístico pela baía de Vitória; onde o parque
deveria estar mais bem cuidado, exatamente ali, em um belo boteco que além de
abrigar os que gostam de “conversa fiada” e “causos”, também abriga o melhor da
culinária capixaba: a moqueca e os frutos do mar. Ali as mulheres, antes
submissas, se revoltaram e gritaram: “Este boteco é um verdadeiro estraga lar.”
O dono, muito esperto, aproveitou e modernizou a palavra (antecipando a
globalização) colocou o nome do estabelecimento: “Stragalar”. Mesmo com o
boicote feminino, o local cresceu e se popularizou. É verdade que, o tempero
local, no final, acabou conquistando a simpatia das revolucionárias. Ainda hoje
é possível se encantar com o tempero e as boas histórias.
Quando
adulto e, de bem mais idade, em Cachoeiro, outro Clube conheci: Clube de
Caminhadas. Um Clube de menos conversas, aberto a homens, mulheres e crianças. Um
Clube para preservar o coração. O horário da partida para as trilhas e
aventuras permite conhecer bares e boêmios do fim da madrugada e do nascer do
sol. Não sei quanto às mulheres desses boêmios dos “pés sujos” e botequins. Mas
as mulheres do Clube decididas são. E bem cedo estão de prontidão. As histórias
dos bares dos pescadores de Marataízes que encontramos em fim de caminhada são
semelhantes aos dos Linguarudos. O Stragalar deve ser diferente, pois, foi lá
que Humberto Pitanga procurou sua amada Virginia, momentos antes de partir.
Sergio Damião Santana
Moraes
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