“Penso, logo
existo.” Tradução latina da afirmação em que o filósofo francês René Descartes
(Discurso da razão, 1637) reconhecia a primeira verdade duma doutrina
construída sobre a evidência e a razão. Com o tempo, na discussão do que nos
faz humanos, foi acrescida, à assertiva cartesiana, a memória. No livro de
Paulo Rónai, Não perca o seu Latim, Bazar do Tempo, 2017, encontramos a
expressão: “Conditio Sine Quã Non – condição sem a qual não...”, termo com que
se designa, em Direito, uma condição essencial à realização de uma transação,
de um ato jurídico. Citam-se muitas vezes apenas as três últimas palavras. Sem
a memória, morremos historicamente. Permanece o corpo físico, precisamos dos
outros para que se lembrem da nossa existência. Sem memória não se faz uma rua,
cidade, instituição, pessoa, povo... Sem memória não se faz um país! Sem
memória nunca existiremos de fato! Sem memória... O brasileiro parece um povo
sem memória. Na política mais ainda. Esquece, a cada eleição, mesmo a de curto
prazo, de lembrar-se dos corruptos, malfeitores, dos usurpadores do poder, dos
destruidores de benefícios da coletividade. Esquece-se de cobrar as promessas políticas
de gestores e legisladores. Permanece sem memória a cada discurso renovado de
velhas raposas eleitorais. Uma memória política desastrosa. Uma memória a ser construída.
Somos sem
memória como povo e permanecemos desmemoriados no campo individual. Não nos
lembramos de agradecer à natureza pelas coisas belas que vemos no nascer do dia
e esquecemos-nos da preservação. Não nos lembramos de agradecer pela saúde que
desfrutamos, não agradecemos pelas doenças que não adquirimos. Lembramos-nos de
pedir ao criador, e a quem está próximo de nós, os bens que não possuímos. Quando adquirimos algo, esquecemos-nos de
doar parte do que recebemos. Vivemos assim, com a memória seletiva, lembramos o
que nos interessa financeiramente. Perdemos a memória afetiva. Não valorizamos
a memória de cidades, ruas, bairros... Esquecemos os que nos antecederam,
esquecemos aqueles que construíram a estrutura que ora desfrutamos. A geração
do presente esquece com rapidez os que existiram. Vivem do presente. Vivem sem
memória. São os Zumbis do presente. Fabricam os Zumbis do futuro. Os políticos
sem memória utilizam artifícios do presente, criam novos fatos e escondem o
passado. Desvalorizam culturas e artes: músicas, artesanatos, danças,
línguas... Para eles, quanto menos lembrarmos melhor.
Nos hospitais
construímos a memória com os prontuários manuais e eletrônicos. Na Santa Casa
de Cachoeiro, uma instituição centenária, das mais antigas do Espírito Santo, o
Centro de Estudos “Dr. Edson Rebello Moreira” guarda a memória do hospital nas
fotografias do Corpo Clínico, depoimentos e livros. O avanço técnico não pode
ser separado das lembranças clínicas. O aprendizado, produto das relações interpessoais.
deve ser valorizado. A harmonia deve prevalecer. Não agindo assim, corre-se o
risco de desumanizar pessoas e instituições. No campo pessoal, buscamos a
imortalidade. Algo impossível no mundo biológico. A certeza da morte nos
persegue. Resta guardarmos a memória. Sem ela, seremos todos esquecidos.
Sergio Damião Santana
Moraes
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