“Mais vale
pensar que viver”, escreveu Fernando Pessoa, poeta português, no Livro do
Desassossego. Conta mais: “Uma aurora no campo faz-me bem; uma aurora na cidade
faz-me bem e mal, e por isso me faz mais que bem. Sim, porque a esperança maior
que me traz bem, como todas as esperanças, aquele travo longínquo e saudoso de
não ser realidade. A manhã do campo existe; a manhã da cidade promete. Uma faz
viver; a outra faz pensar.” Era uma segunda-feira de manhã, ainda bem cedo, em
fim de janeiro, no horário de verão, acordo em completa escuridão. Do
apartamento, no bairro Gilberto Machado, da janela lateral, visualizava o
Itabira e as várias pedras do entorno de Cachoeiro de Itapemirim. Minutos
depois, apareciam os primeiros clarões sobre os montes. Um vermelhão se
anunciava bem ao longe. Com o texto em mente poderia ter me dado por
satisfeito. Ele descrevia a aurora, a natureza e a esperança. No meio de tudo
sugeria a razão. Mas, tudo que necessitava naquele momento era a presença do
clarão do dia. Na noite, sentia-me inseguro. Porém, o texto me pedia, mais que
pedia, exigia o pensar. Pois, estava longe do campo, estava na cidade. E a
complexidade das coisas da cidade nos leva a pensar. Era o primeiro dia útil da
semana – segunda-feira. Neste dia, sinto-me inseguro. No campo, com a aurora,
Fernando afirma que as coisas existem. Existe o orvalho preenchendo as flores e
plantas; existe cheiro de terra molhada; existe a paz do canto do pássaro... Na
cidade, preciso trabalhar e fazer com que as coisas aconteçam. Falta-nos tempo.
Do levantar da
cama à observação das pedras, pensei no tempo de vida. Do meu tempo de vida. Na
vida biológica e cronológica. Desde que me tornei diabético, deixei de contar
os anos, mais vale a pena pensar e viver, do que contar anos. Mesmo assim, a
cidade nos leva aos papéis, e eles contam os anos, algo inexorável. A todo o
momento, somos obrigados a lembrar dos anos. Biologicamente, nenhuma alteração
significativa. A idade cronológica, de tempo em tempo, mostra seus sinais. Vivi
dois terços do tempo que tenho direito na terra: será mais ou menos? Esta não é uma questão que me preocupa.
Incomoda é a dor nas articulações. Há oito meses apresentei uma hérnia de disco
lombar, algo pequeno, suficiente para impedir as coisas que gosto de fazer:
caminhar e o jogo de futebol. Uma dormência irradiada por toda perna esquerda.
Meses depois, voltei a caminhar, encontro-me alegre por retornar às coisas
simples que nunca valorizara. Hoje, obedeço às limitações do corpo. Com os passar
dos anos, valorizamos as pequenas coisas: andar, correr, ver, cheirar... As
coisas que, quando novos, deixamos de enxergar. Entendemos naturais da vida e as
queremos para sempre. Algo que não cuidamos. De tudo, resta-nos o sonho. Nele,
a imprecisão da vida se desfaz. Os acidentes, acasos, desaparecem. Nele,
deixamos de pensar. Nele, a aurora – nascer do dia, é um só. Nele, a magia da
aurora é de todos nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário