Encontrava-se
agitado. Não conseguia comunicar-se com as pessoas em sua volta. Sentia-se
distante, solto no ar, no espaço, no universo. Na mente, buscava o infinito.
Talvez fosse essa a explicação para a escolha de sua moradia preferencial - o
mar. Em alto-mar sentia-se livre. A pesca aliviava suas tensões, apagava seus
conflitos e acalmava seu espírito. Fora dali não o entendiam. Em terra firme,
confiná-lo no manicômio foi a solução. Em terra firme incomodava a sociedade.
Amedrontava os vizinhos e envergonhava os familiares. Internado permaneceu.
Longo tempo, dias, meses... Tão longo que perdera a noção do dia e da noite. Não
entendiam suas necessidades e carências. A cada agitação, a cada grito, mais reação.
Remédios, novas drogas. Falava, mas não escutavam. Pedia ajuda, chamava pela
mãe, pai, irmãos, não era atendido. Não ouviam o grito dos excluídos
mentalmente. Foi esquecido pela sociedade, pela família. Continuava gritando,
cada dia mais forte. Cada dia mais alto. Quem sabe assim passariam a ouvi-lo.
Agredia. Procurava chamar a atenção. Algo incomodava. Eram lembranças
estranhas. Em sua memória não enxergava a mãe, não encontrava o pai, nem
identificava os irmãos. Em suas lembranças encontrava-se sozinho. A solidão
assustava.
Os remédios
ajudaram por um breve tempo - curto tempo. Suficiente para rotularem como
melhoras - a volta da lucidez e a normalidade. Logo percebera a realidade.
Enxergava no pátio a presença de muitos pais, muitas mães, muitos irmãos, menos
os seus. Foi o bastante. Uma nova onda. Novos tremores. Nova agitação.
Amarrado, contido no leito, permaneceu. Os remédios não mais aliviavam a tensão,
agitava-se mais e mais. Sentia saudade; sentia saudade do mar. Temia o choque.
Uma alternativa terapêutica já experimentada. Queria o mar. Temia o choque:
crescera com ele. Desde a adolescência sentira o choque das agressões
físicas. Crescera com as agressões físicas dos pais. Crescera com o desprezo
dos pais. Buscava o mar. Queria o mar de sua infância, da sua adolescência.
Queria tocar a areia branca e quente, queria caminhar em direção à onda do seu
mar. Sonhava... Ele criança sendo carregado pelo irmão em areia macia, branca e
quente. Sonhava com os pais... Nunca entendera as agressões sofridas em casa. Não
aceitavam suas diferenças. Era diferente das outras crianças, dos irmãos e dos
outros adolescentes. E agora, dos outros adultos. Tornara-se um adulto
diferente. Procurava uma razão: não encontrava. Uma explicação: nada, só o silêncio.
Procurou ajuda, não encontrou. Encontrava-se sozinho, solitário. Tentava falar:
não era ouvido. Por fim, buscou o mar, bem no fundo. Onde morava a melhor
lembrança. Foi acolhido.
Sergio Damião Santana Moraes
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