Foi
em um domingo de anos atrás. A manhã era chuvosa, nada levava a crer que o sol
pudesse iluminar e aquecer o dia. Mas o dia, 25 de julho, pertencia a São Cristóvão, protetor dos motoristas. Por interferência dele, as nuvens escuras
foram afastadas dos caminhos de São Joaquim. O santo Joaquim seria festejado no
dia seguinte, mas o distrito, em sua igreja, já se preparava para os
agradecimentos ao padroeiro e à Santa Anna, os avós de Cristo. Cheguei com o
sol alto, a indústria com os motores do tear e o seu barulho característico, e
inconfundível, davam as boas vindas ao anunciar a produção da riqueza de nossa
região. Depois de idas e vindas por caminhos desconhecidos, a pequena capela
com as imagens não deixavam dúvidas, era a indústria São Joaquim, dos Gava. No
terreiro ao lado se apresentavam as aves. Galinhas, galos, gansos, pavão... Alguém
apresenta uma badeja com ovos. Ovos brancos e enormes. Sorri. Nunca tinha visto
naquele tamanho, mas podia jurar: não eram de galinha. Conheço ovo de galinha.
Apesar da urbanidade e total ignorância com as coisas da natureza e do meio
rural, podia garantir que, aqueles não eram de galinha. Eram da “gansa”.
Justificava a agitação dos seus donos no terreiro em frente. Ignorei os ovos
maiores, mesmo com toda agitação do ganso, mesmo com a minha solidariedade, me
concentrei nos ovos brancos menores, naqueles que reunia certeza de pertencerem
à galinha. De longe fiquei observando a beleza das cores diversas do galo, sua
postura, sua imponência, admiro seu canto. Apesar de toda beleza do galo e de
suas cores inebriantes, voltei minha atenção e o olhar para a brancura do ovo
de galinha, em todo seu mistério, em toda a vida ali presente. Na cozinha, o
romper de sua fina casca, os pedaços da casca branca do ovo, era como acordar
de um sonho ou de um devaneio. Era um despertar não desejado. Na casca do ovo
se encontram as coisas que vi e as coisas armazenadas em memória, o romper das
cascas rompiam os liames das coisas passadas. Os liames das coisas vividas, das
coisas ditas e das não ditas. Das muitas coisas escondidas.
Lembrei
Clarice. Clarice Lispector, a ucraniana. Lembrei-me do seu conto: A galinha e o
ovo. Do espanto ao se deparar com um ovo em uma frigideira. Foi apresentado em Encontro
de Bruxaria na Colômbia, em 1975. Ele despertou a carreira de críticos
literários, um mistério para a própria escritora, confunde o leitor. Em seu vai
e vem, diz tudo da vida. Nada esclarece. Não se preocupa com respostas. Com
sutileza e perspicácia nos leva a pensar na origem: ovo ou galinha. Não diz. Deixa
a ave em liberdade para o cacarejar, a libera para ciscar em um terreiro
qualquer. Ela se volta para o ovo, e em fim de leitura, permanecemos como no
início, com nossa ignorância. Ficamos com as ebulições em nossas mentes.
Atônitos e atentos às indagações da vida. Com os mesmos medos de sempre. Por
fim, e para o fim de nossas incertezas, usamos o ovo para o nosso alimento.
Sergio Damião Santana
Moraes
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