domingo, 24 de julho de 2016
Um pouco de poesia...
De Manuel Bandeira, Vou-me embora pra Pasárgada: “Vou-me embora pra
Pasárgada/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que eu quero/ Na cama
que escolherei/ Vou-me embora pra Pasárgada/ Vou-me embora pra
Pasárgada/ Aqui eu não sou feliz/ Lá a existência é uma aventura/ De tal
modo inconsequente/ Que Joana a louca de Espanha/ Rainha e falsa
demente/ Vem a ser contraparente/ Da nora que nunca tive/ [...] E quando
eu estiver mais triste/ Mas triste de não ter jeito/ Quando de noite me
der/ Vontade de me matar – Lá sou amigo do rei – Terei a mulher que eu
quero/ Na cama que escolherei/ Vou-me embora pra Pasárgada.”
Realidade e Ficção
Nos corredores
do hospital de psiquiatria, vivenciamos a pequena distância entre a razão e a
insanidade, o poder da imaginação humana e sua capacidade de devanear. Entre as
palavras e as ações são instantes. Segundos, como um raio. Mesmo que imaginados
ou arquitetados em longo tempo. O tempo, na mente humana, se faz instantâneo, proveniente
do misterioso tempo passado. Entender esses mistérios é um enorme desafio. Uma
boa maneira para decifrar os labirintos da mente é a literatura - contos e
romances. Os escritores criam seus personagens, traçam seu perfil psicológico,
desnudam fraquezas humanas, descrevem mazelas sociais e mentais. Muitas vezes,
o próprio autor é o personagem. No diário de Maura Lopes Cançado, ela vai
relatando sua vida em manicômio. Nascida em família mineira, rica, na década de
30 do século passado. Tão rica que, aos vinte anos de idade, possui seu próprio
avião. Aprende a pilotar. Com a morte do pai, perde a fortuna e começa a apresentar
sinais de transtorno mental. Após trabalho no Jornal do Brasil, no Rio de
Janeiro, interna-se em clínica psiquiátrica. Em seu diário – “Hospício é Deus”,
conta os maus tratos no hospital e suas fantasias. O que mais me intriga no
texto da Maura, tanto no diário como em seus contos – “O sofredor do ver”,
escritos no fim da década de 60, é a semelhança com a escrita da Clarice
Lispector. Maura é contundente, avassaladora, acusadora e sofredora. Clarice é
mística, amorosa e poética, impertinente com as coisas sociais. Mas
assemelham-se na grandiosidade da escrita, na beleza da inteligência e
inquietude. Não se contentaram com a superficialidade. De repente, vemos, nas
duas, o limiar da loucura. Maura se deixa levar pela escuridão da mente, pelos
seus labirintos. Não consegue o convívio social. Clarice, apesar de reclusa, mantém-se por um
fio, em uma sociedade que a admira, mas não a entende. Ler Maura e Clarice é
buscar a alma humana, nossa humanidade, as razões do agir e pensar.
Dia desses, ao
conversar com um dos presentes na enfermaria da clínica psiquiátrica, um dia
depois dele tentar o suicídio, com os pulsos cortados e suturados, queixava-se
da dor local e reclamava do atraso no curativo, nada mencionava sobre a autoagressão
do dia anterior, solicitava alta hospitalar e jurava que naquele momento, mais
do que nunca, desejava viver, aproveitando tudo de bom, e belo, que nela
existe. No quarto ao lado, um rapaz de porte atlético, conversava com vizinho
de enfermaria. Falavam coisas amenas. Nenhum sentimento de culpa pela agressão
e morte de parente próximo. Horas depois, na leitura do diário da Maura,
encontrava-me na página que conta como sufocou uma paciente no leito de quarto
do manicômio. Crime acontecido um pouco antes dela se perder na escuridão da mente.
Sergio Damião Santana
Moraes
sexta-feira, 15 de julho de 2016
Sobre o fim e o começo
Recebi do
Juarez Marqueti um DVD. Estava próximo à Santa Casa e levava comigo um livro de
poesias do T. S. Eliot, selecionei: “O tempo presente e o tempo passado/ Estão
ambos talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo
passado./ Se todo tempo é eternamente presente/ Todo tempo é irredimível.” E
conclui: “Em meu princípio está meu fim.” Era uma quinta-feira. No dia seguinte
viajaria para Vila Velha. Na sexta, pela manhã, logo que alcancei a BR 101,
acionei o DVD e passei a ouvir a voz do Juarez, inconfundível. Marcante. Em
alto e bom som ouvia a tradução de músicas românticas da língua inglesa e
francesa, a maioria americana e bem conhecida. Além da melodia agradável, as
letras das músicas decifradas falavam de paixões, desilusões, esperanças, alegrias,
angústias... Isto é, todos os sentimentos humanos. Entre uma melodia e outra,
uma citação filosófica, tal como: entre a razão e a emoção, a que nos apegar?
Algo difícil de responder. A razão é o que organiza a sociedade, se aproxima do
que nos faz verdadeiramente humanos, um ser pensante e inteligente. Mas, é a
emoção, com seus impulsos, que move o mundo e a humanidade. Não seríamos o que
somos sem a coragem e a pulsão. Sem os considerados diferentes ou loucos. A
razão se aproxima do amor, com suavidade, tranquiliza a alma, modera nossos
desejos, liberta o pensamento; a emoção busca a paixão e devora a razão, e com
isso acende desejos e domina nossos sentidos.
Pela BR, com o
dia nublado, as melodias preenchiam meus sentidos, as letras das músicas eu
gravava em memória. Ouvia: Para quem ama, não necessita de palavras, basta o
olhar. O olhar é revelador. Para o apaixonado, a pessoa amada é única e
primeira. A busca é pela completude (corpo e alma). Além das coisas da paixão
amorosa, as melodias falavam da natureza, do sol e do céu, das cores do
arco-íris, de amizades, do mundo maravilhoso em que vivemos. Com a música,
imaginamos um mundo melhor, pessoas vivendo o seu dia, vivendo em paz – sem
matar ou morrer. Com ela, desejamos a liberdade do pássaro, para terras
distantes, em campos verdes e florestas, seguindo o vento, voando como o pombo
- Skyline Pigeon. Ao chegar a Cachoeiro, procurei a poesia e li: “A única
sabedoria a que podemos aspirar/ É a sabedoria da humildade: a humildade é
infinita. [...] Lar é
de onde se vem. À medida que envelhecemos/ O mundo se torna mais estranho, mais
intrincada essa questão/ De distinguir mortos e vivos./ Não o intenso momento/
Isolado, sem antes e depois, / Mas toda uma vida ardendo a cada instante/ E não
a vida de um homem apenas/ Mas a de antigas pedras que não podem ser decifradas./
Os velhos devem ser exploradores,/ Aqui ou ali, não interessa/ Devemos estar
imóveis e contudo mover-nos/ Rumo à outra intensidade/ A uma união mais ampla,
uma comunhão mais profunda/ Em meu fim está meu princípio.”
Sergio Damião Santana Moraes
Um pouco de poesia...
De
Adélia Prado, O sempre amor: “Amor é a coisa mais alegre/ amor é a
coisa mais triste/ amor é a coisa que mais quero./ Por causa dele falo
palavras como lanças./ Amor é a coisa mais alegre/ amor é a coisa mais
triste/ amor é a coisa que mais quero./ Por causa dele podem
entalhar-me,/ sou de pedra-sabão./ Alegre ou triste,/ amor é a coisa que
mais quero.”
sexta-feira, 8 de julho de 2016
Istambul
Alguns anos atrás visitei a Turquia e escrevi: Inicialmente
Bizâncio, capital dos Romanos no oriente. Com o cristianismo e, o Imperador
Constantino, torna-se Constantinopla até 1453. Neste ano, inicia-se a era
Otomana e seu nome definitivo: Istambul. Atualmente a capital cultural da Turquia
e cidade Museu da Humanidade - assim como Roma, Londres e Paris. Única cidade
do mundo situada entre dois continentes (Europeu e Asiático), uma cidade de
tolerâncias religiosas (Cristã, Judia e Muçulmana). Em 1923, o sultonato
Otomano desaparece e nasce a república Turca, um país parlamentarista e laico.
A capital administrativa e política é Ankara, uma região da Anatólia Central. A
criação da república e a transferência da capital turca se devem as ações de
Mustafa Kemal Ataturk (pai dos turcos), falecido em 1938 e venerado por homens
e mulheres turcas. A Turquia localiza-se em região estratégica do mundo. Marcas
de sua ocupação pelos humanos datam da pré-história, de períodos longínquos,
antes do Neolítico (10.000 anos A.C.) Berço de civilizações mais recentes, rota
de comércios (idas e vindas de oriente para ocidente), local de ocupações de
grandes Impérios (persa, grego, romano, bizantino e otomano), marcas da
presença dos primeiros cristãos encontra-se na Anatólia - em moradias
vulcânicas na Capadócia, moradia e local da morte da virgem Maria e caminhos da
evangelização de São Paulo. Na Capadócia a natureza e suas erosões em
território vulcânico são observadas em passeios de balões onde se pode observar
uma região comovente. Em Pamukalle, uma bela estação termal, confirma a supremacia
da civilização romana. Pelas ruas ouvimos cinco vezes ao dia os lamentos do
alto das mesquitas convidando os fiéis para as orações. Algo, místico e
diferente, próprio de sua cultura milenar.
A República
Turca surpreende. Surpreende pelos direitos das mulheres em um país mulçumano.
Apesar de vermos riscos de retrocessos políticos em cada ponto de Istambul, de
conflitos em suas fronteiras com Iran, Iraque e Síria, falta de moradia para
grande parte da população, bem como o deficiente serviço público em saúde, na
Turquia assistimos uma disposição milenar para negociações, suas adaptações aos
vários povos, o pôr do sol deslumbrante no Mar Egeu que nos parece um caminho
irreversível para a evolução humana e social. O vermelho de sua bandeira,
lembrando o sangue derramado de seus homens em campos de batalha, a lua em
quarto crescente com a estrela solitária do seu céu é a esperança de vitória da
república laica turca. Fico triste em saber que tudo que vi e escrevi está se
desfazendo pela onda de intolerância e medo.
Um pouco de poesia...
Um pouco de poesia...
Do
poeta T.S.Eliot: “O tempo presente e o tempo passado/ Estão ambos
talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo
passado./ Se todo tempo é eternamente presente/ Todo tempo é
irredimível. [...] Em meu princípio está meu fim. [...] A única
sabedoria a que podemos aspirar/ É a sabedoria da humildade: a humildade
é infinita. [...] Lar é de onde se vem. À medida que envelhecemos/ O
mundo se torna mais estranho, mais intrincada essa questão/ De
distinguir mortos e vivos. Não o intenso momento/ Isolado, sem antes e
depois,/ Mas toda uma vida ardendo a cada instante/ E não a vida de um
homem apenas/ Mas a de antigas pedras que não podem ser decifradas./ Há
um tempo para anoitecer à luz dos astros. [...] Os velhos devem ser
exploradores,/ Aqui ou ali, não interessa/ Devemos estar imóveis e
contudo mover-nos/ Rumo à outra intensidade/ A uma união mais ampla, uma
comunhão mais profunda./ [...] Em meu fim está meu princípio.”
Sergio Damião Santana Moraes
sexta-feira, 1 de julho de 2016
Pneumotorax
Um pouco de poesia...
De
Manuel Bandeira, “Pneumotorax”: “Febre, hemoptise, dispneia e suores
noturnos./ A vida inteira que podia ter sido e que não foi./Tosse,
tosse, tosse./ Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três,/ - Trinta e
três... trinta e três... trinta e três.../ - Respire./ - O senhor tem
uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado./ -
Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?/ - Não. A única
coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
Morro de Palha
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBVxsLVlxLezCtgb94qRi8JNucuk0cXjy9ZMdEMX1ycJX6sYA1P1euP_DjaZpKX39EKaXSBgYkuk0MXB22j7KqK40IfFbisAHGV881_4ByriBnRN-Xoed8Xuu2HZQ1l2LM3__v0JlA9FxZ/s1600/morrodepalha.jpg)
O trajeto
atual, contornando o campo do Estrela, é mais trabalhoso: rua estreita, carros
e caminhões estacionados em local indevido - pela manhã e durante todo o dia. À
noite, caminhão de lixo dificultando a passagem. Ainda assim é o meu caminho
preferido. Quando contorno o Sumaré, gosto de ver o gramado e arquibancada,
imaginar o craque de futebol que nunca fui; o gol que nunca fiz e as alegrias,
em campo, que nunca proporcionei. Mesmo sem as lembranças de dentro de campo, é
possível se alegrar com as histórias da cidade e do futebol. Com o médico
Gastão Coelho é assim. Do alto do Morro da Palha, bem perto do antigo Campo do
Careca – hoje, Escola Fraternidade e Luz, com Fernando Netto, fala de pessoas e
lugares, alegra o dia do Cachoeirense Ausente – Zédu e do presente – Gedião,
com suas reminiscências. Fala da Rua Ana Machado, da Praça Vermelha, do CDM e
do desfile do Liceu Muniz Freire. Coisas de Cachoeiro, da cidade que esconde
histórias valiosas de pessoas e lugares. Amizades bem mais valorosas que a
prata e ouro de cidades do Brasil afora.
Sergio Damião Santana
Moraes
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