No
mundo, em especial na América Latina, a crise para a classe média cada vez mais
se intensifica - renda diminuindo e impostos aumentando. A ansiedade aumenta com a falta de liberdade e
democracia em países vizinhos como a Venezuela. Para os mais pobres, nada
diferente, apenas o aumento do desemprego com a diminuição da atividade econômica,
mais ainda no nosso país. O empobrecimento associado à degradação social nos
leva ao medo. Nem mesmo as belezas naturais da região em que vivemos melhoram
nosso fado. Para os brasileiros, mais que a mudança econômica, é a mudança
cultural que importa. No sertão pernambucano o Jegue foi substituído pela
motocicleta. Além de mais poluidora, a motocicleta aumenta em dez vezes o
acidente com risco de morte e de sequela definitiva. Com os impostos
aumentando, atividade econômica oscilante, insegurança pessoal e em trânsito,
mesmo nas regiões do interior, com tudo isso, a preocupação da classe média
para com a estética, o cuidado com a pele, músculos e com os excessos de
gordura localizada tornam-se supérfluos e artigos de luxo nos dias atuais.
Apesar do orçamento doméstico apertado pela dificuldade financeira, o
brasileiro tem seus jeitinhos. E existem também, os obsessivos, os narcisos e
os que crêem na aparência como integrante do processo para a saúde. Para esses,
justifica-se o gasto da reserva da poupança e até mesmo ultrapassar o vermelho
do cheque especial com os itens do embelezamento. A beleza não tem preço,
acreditam.
Alternativa:
conquistar amigos. Por isso, em tempos de crises e valorização da beleza
corporal, da estética, o profissional com mais amigos é o dermatologista. Motivo:
a sobra do frasco do botox. Dia desses, um conhecido dermatologista recebeu
telefonema de um colega médico. Imaginou tratar-se de uma apresentação de algum
caso clinico referente à doença de pele. Alguma coisa que pudesse opinar e
ajudar. Para surpresa, o colega de medicina se queixava do aparecimento de uma
ruga, mais precisamente na testa, entre as sobrancelhas. Sentia-se incomodado
com a marca, que se intensificava pela manhã junto com sua imagem refletida no
espelho. Dizia já ter clamado por são Bartolomeu, protetor dos dermatologistas,
e inclusive, procurado a figura do afresco da Capela Sistina (Vaticano), o Juízo
Final, de Michelangelo Buonarroti. Com paciência, o dermatologista ouvia... O
colega comentava os novos silicones. Os implantes desnecessários e de risco. Em
busca de uma perfeição, as mulheres são capazes de tudo, concluía. Da Lipo
tinha uma opinião: com as mortes e infecções observadas recentemente, as
mulheres deveriam fazer uma lipoaspiração em cérebro, só assim parariam de
pensar “bobagens”. E voltariam à realidade humana. Mas, apesar de externar essa
opinião sobre as mulheres e seus desejos relativos à estética e beleza
corporal, o médico assustava-se com a própria ruga. Um trauma toda manhã.
Queixava-se da ruga e também da marca de expressão em torno dos lábios, da
carga de trabalho e dos valores pagos pelos convênios, nas consultas e
procedimentos. Após muitas queixas, por fim, fez o pedido. Pediu a sobra do
botox. O dermatologista concordou mais pelas queixas e por se tratar de um
colega de profissão. Com a concordância do dermatologista, o médico agradeceu e
fez seu último pedido. Pediu ao especialista em pele: ”Não dá para reservar uma
sobra para minha esposa?”.
Sergio Damião Santana Moraes